sexta-feira, 9 de abril de 2010

Uma Vespa na Pole Position - Vespa PX 125 T5



Olho para o minúsculo conta rotações digital, mas não consigo ver os dígitos marcados a negro no LCD. A janela é mínima. Através de outra janela, a do meu capacete, já vi o Castelo do Queijo que vibra agora no meu espelho. Subo a Avenida da Boavista, já passei o Bela Cruz à minha esquerda. Estou no renascido Circuito no Porto onde correu a elite da Fórmula 1 dos anos 50. Vou em bom ritmo e, no entanto, não corro para a Pole Position. Passo a caixa reclamando da dureza da embraiagem, exige demasiada força na manete. Mas pelo menos é precisa. A recta é curta para um BRM, longa para uma Vespa. A T5 é a Vespa ideal para, aqui, iludir a ideia de infinito.

Está algum frio mas prefiro manter a viseira do capacete levantada. Lá ao fundo vou reduzir para terceira para entrar na Avenida do Parque. Se calhar segunda para sair em força. Travo em antecipação, não estou à vontade com as maxilas novas, e escolho a segunda. Saio com decisão, mas alerta, em vez de rails temos obras em volta. Abordo a parte mais técnica do circuito com cuidado, há algumas zonas húmidas na pista, para além de trânsito, embora pouco. Terceira na direita, apanhei o sinal verde, noventa graus à esquerda para a Vilarinha. Segunda, respira bem, terceira. Desenvolve sem poço, alegre, mas prefere a banda de regime mais alta. Não há espectadores nos telhados e varandas, estranho ver a pista assim, despida de rails. Encosto antes de entrar na Circunvalação, enquanto aprecio de relance as novas moradias que nascem debruçadas sobre a estrada.

Deixo a T5 em cima do descanso, mas sem descansar o motor. Quero-o a trabalhar. Vibra, mas não soluça. Sem rodar o acelerador é expelido pelo escape um fumo branco que o vento vai devolvendo, esbranquiçando o vermelho vivo da pintura imaculada. Rodo a chave para a esquerda e faz-se silêncio. Aprecio então o belo restauro de que este exemplar do Rui Tavares foi recentemente objecto. Devolver a T5 rosso corsa à sua estrita condição original foi a preocupação que norteou o trabalho feito por mãos calejadas de sabedoria. O resto é rigor e obstinação do seu proprietário. Pormenores como a cor da zincagem de algumas peças metálicas, muitas delas interiores, foram apenas o mais visível dos quebra-cabeças da reconstrução, o que faz desta unidade - dos 30.060 exemplares construídos a partir de 1985 – uma das raras em condição muito próxima da de saída da fábrica.



Olhando para ela, de qualquer ângulo, a sensação é sempre a mesma: a T5 é uma máquina de extremos. Apesar de a sua base ser a PX, toda a sua linha “nova” é desajeitada, traços angulosos e rudes, exactamente o oposto do que é suposto ser uma Vespa, desenhada a compasso. Os pormenores mais evidentes são o farol rectangular no topo do qual surge um pequeno ecrã transparente. Um deflector negro na zona baixa do avental remata o toque desportivo anos oitenta, que só fica completo com os tampões de rodas, detalhe que bem podia ser inspirado no contemporâneo Super Cinco.



Esteticamente talvez seja uma das menos interessantes Vespa de sempre. Só ultrapassada pela Cosa no fundo da tabela. Mas prima pela diferença. A verdade é que a muitos entusiastas agrada exactamente por ser uma máquina que deixa marca.

No capítulo técnico estamos no outro extremo. Este propulsor talvez seja o mais evoluído dois tempos saído de Pontedera, elevando a potência dos 8 até aos 11cv às 6700rpm e permitindo uma velocidade de ponta que atinge os três dígitos. A ficha técnica fixa-se nos 108kms/h. Uma verdadeira GS dos anos oitenta! Cinco transferes ajudam o motor a processar a admissão da mistura ar-gasolina, característica de onde deriva a designação comercial T5.



A outra designação é a de Pole Position (!) e advém-lhe de um curioso golpe publicitário da Piaggio que oferecia uma T5 ao pole man na qualificação de cada Grande Prémio de Fórmula 1. Nesse ano só o tri-campeão brasileiro Nelson Piquet coleccionou nove ! Na verdade, só mais um facto bizarro a juntar ao histórico de uma Vespa desalinhada. 

terça-feira, 30 de março de 2010

E o Vencedor é...



Há uns meses atrás - vá lá, oito ! -, o Vespa Clube de Lisboa promoveu um concurso de fotografia que quase passou despercebido por entre o passeio por ocasião do seu 55º aniversário.

Recordo um óptimo dia de sol, Vespas vindas do país vizinho, pedagógicas visitas a museus e saudáveis gargalhadas entre amigos à conversa. Um dia em cheio.

Reparei agora, numa visita tardia ao site do VCL, que afinal sempre houve escrutínio. Em Fevereiro (!). E que uma das fotografias que enviei tinha sido eleita.

O boneco é um instantâneo lisboeta de uma Vespa levada à mão por uma rapariga que cruza os carris por onde passa aquela charmosa carruagem amarela, com janelas de guilhotina e bancos de tábua a que chamamos eléctrico.

Não sei se estou certo, mas parece-me que há poucas competições com cunho tão subjectivista quanto um concurso fotográfico. A impressão que tenho é que cada fotógrafo, ou simples entusiasta, gosta de destacar um aspecto a que dá especial ênfase no seu trabalho. Eu tenho uma certa tendência para sobrevalorizar a composição nas minhas fotografias.

Para o caso desta é totalmente irrelevante, confesso que saiu assim, espontânea, instantânea e com (muitas) imperfeições. Com uma simples e descontraída Nikon L16, uma máquina de bolso. Provavelmente haveria fotografias melhores, mas esta talvez se tenha sobrevalorizado. E com isso trepou até ao primeiro lugar. Se quiserem saber as razões vão ter que perguntar ao júri.

sexta-feira, 26 de março de 2010

Ducaggio ?




Uma nota veiculada há dias, por uma agência noticiosa financeira italiana, dava conta da participação da consultora McKinsey no estudo e preparação de uma eventual fusão do gigante Piaggio com a icónica Ducati.

Se descontarmos o imediato desmentido da Piaggio, o mal disfarçado interesse da fuga de informação e a especulação que se lhe seguiu, ainda sobram migalhas para o exercício teórico, que parece tentador.


Segundo a notícia, o Grupo Piaggio - que inclui marcas como a Vespa, Moto Guzzi, Gilera, Aprilia, Derbi, e a própria Piaggio - estaria a ponderar alargar o seu raio de acção a caminho de uma presença em todos as franjas de mercado em duas rodas.

Actualmente a Aprilia tem uma tímida presença no segmento das desportivas de topo, mercado em que a Ducati tem forte implantação.

O potencial de canibalização entre marcas do mesmo grupo seria quase nulo, pois todas elas têm ADN diferente e poucas zonas de sobreposição.

Por outro lado, a Ducati tem associada à sua imagem conceitos como o de exclusividade, design de vanguarda e tecnologia de ponta. Por várias vezes e em diversos domínios já provou conseguir bater os japoneses com armas desiguais. Na competição (por vezes com cilindros a menos), na concepção do produto, na abordagem técnica europeia e também no capítulo comercial, com uma carga emocional muito vincada. Já repararam que é rara uma Ducati não vermelha?

É interessante que se fale agora numa fusão, pois não tem sido esse o caminho para concretizar o crescimento da Piaggio. Na verdade, o Grupo tem engordado recentemente com novas marcas sob a sua órbita, mas com graus de autonomia incompatíveis com um projecto de fusão.

Talvez assim nascesse um verdadeiro player europeu, com uma gama de costa a costa, com dimensão e balanço para bater especialmente Honda e Yamaha, os dois tigres asiáticos que vão a todas.

sábado, 20 de março de 2010

Primavera



As semanas passam, os dias esvoaçam e as scooters vão ficando debaixo de telha. Andei pouco de scooter neste velho Inverno.

Tem-me feito falta sair manhã cedo e avançar horizonte azul adentro. Ladear um campo de milho e passar por entre aquelas velhas casas de granito. Espreitar sobre os muros e sentir o aroma a madressilva. Ouvir o silêncio daquele bosque mudo de vento. Encostar para ver escorregar o rio sem pressa. Deter-me para assistir à névoa alta sobrevoando a montanha. Ver o mesmo céu tingir-se de tons mornos. E o sol formando uma bola de fogo que se afunda e adormece.

Parar, por fim. Para saber dizer a palavra certa...

quinta-feira, 4 de março de 2010

Sei Giorni


imagem: dailyicon

A imagem sugere-me um naufrágio de dois duros marinheiros. Parecem-me a meio de uma viagem mas com o desafio ainda inteiro pela frente. Seis Dias de Enduro. Sente-se o desassossego nos rostos hirtos. A fotografia andava por aqui a seduzir-me o olhar, sem que me decidisse a satisfazer-lhe o desejo. O que lhe falta em cor sobra-lhe em sombras. E as sombras acendem novos tons. Que se rastilham em detalhes. É neles que me detenho, quando uma pergunta me toca no ombro: como se escolhe um trilho em cima desta Vespa Sei Giorni?

domingo, 14 de fevereiro de 2010

Ainda Caem Imagens de Neve


Hoje tirei o pó à GT para um passeio curto, cerca de setenta quilómetros com luz dura, a pedir óculos escuros. Desde o regresso da Estrela que não saía da garagem, parecia até que ainda trazia gasolina serrana nas veias. Na verdade, o fluxo das imagens decoradas com o manto branco ainda não sofreu erosão. Tenho dado por elas a deambular amiúde no meu espírito. Talvez por isso, e porque é provável que nos tempos mais próximos continue a contornar a scooter na garagem, volto agora ao tema como estratégia de combate à evaporação...








domingo, 31 de janeiro de 2010

Leveza Alada do Viajante - Serra da Estrela



Não sou um solitário mas preciso, a espaços, de solidão. Estas trinta e seis horas serviram-me para me despojar de algumas preocupações quotidianas, para me suspender de algumas funções.

Como quem cumpre um ritual, aproveitei para me dedicar a duas das actividades que mais me dão paz e carga à bateria: fotografar e deslocar-me de scooter.

Na véspera, à noite, peguei no mapa em papel e decidi o alvo: Serra da Estrela.

Felizmente, fora de épocas festivas ou de fim-de-semana, a Serra está soberba. Já nevou mas a neve não incomoda na estrada. Não se vislumbram turistas ou curiosos. Apenas alguns praticantes de esqui dispersos nas pistas na Torre.

Esta conjuntura feliz permite-me fazer o que mais gosto, sem incomodar nem ser incomodado. Parar, recuar, subir, descer. Por vezes também avançar. Fotografar e respirar. Sair da estrada, galgar o monte para sentir a paisagem de outra perspectiva.

Como é diferente o ar que se respira aqui. Apetece-me abraçar-me aos pinheiros e agradecer a quem marcou este caminho pedestre a tinta vermelha.

Estou no meu bosque preferido, para mim um lugar mágico, o mais belo de toda a Serra. Felizmente pouco conhecido e ainda menos concorrido. Nas Penhas Douradas. Emociono-me sempre aqui.

A Vespa guiou-me, sinto-me leve, não dou pelo frio e as botas de montanha não me pesam. Secretamente, peço à minha memória que se encarregue de escolher bem a sucessão de imagens que vai guardar…