domingo, 29 de março de 2009

Dose Dupla




Vou ser honesto: não preciso de uma segunda scooter. Na verdade, nem da primeira necessito. Por razões familiares e profissionais, é-me totalmente impossível fazer um uso diário regular da scooter. O que relega a sua utilização para os momentos de descompressão das rotinas dos dias (in)úteis. Então, porquê uma segunda scooter? Bom, não sei explicar muito bem. Se calhar porque não existe justificação plausível. Tem que haver?

Sempre me causou perplexidade – talvez até um pedaço de inveja mal assumida - o facto de ter alguns amigos com tempo e disponibilidade para ter várias scooters (ou motos, ou carros antigos, tanto faz) em simultâneo.


Alguns deles aparentam conseguir gozá-las convenientemente. Dar-lhes uso regular não me parece tão simples assim. Seguros, baterias, o próprio desgaste do material parado. Para mim, conciliar a utilização de duas scooters já me parece exagerado, mais de três é uma overdose.


Por outro lado, é um facto que a minha Vespa permanece imaculada para quem já conta quase cinco anos e continua a entusiasmar-me como no primeiro dia em que a trouxe de Matosinhos, numa tarde solarenga de Outono. Já percorreu o país de Minhos, Beiras e Alentejos, por montes e vales e já conhecemos juntos muitas das nuances da nossa heterogénea paisagem. Começamos a ter cumplicidade.


Se calhar é por isso mesmo, porque começo a sentir que a Granturismo já começa a fazer parte da minha história, quero cada vez mais continuar a usá-la e simultaneamente a preservá-la como se de nova se tratasse. O que é incompatível, muitas vezes, com uma utilização muito mais descontraída (ou diária), ao bom estilo olha-mais-um-risco-baahh-esquece-isso …


Precisava, por isso, de arranjar algo mais maduro, de preferência totalmente diferente da scooter que já tinha. Quando, no scootercamping, experimentei pela primeira vez a estranhíssima Helix, fiquei siderado com a bizarria de tal engenho. Aquilo é um avião do tempo da guerra das estrelas, suave, confortável e com fama de indestrutível. Quase por acaso, encontrei uma a um preço justo. Zás! Comprei-a.


O que conseguirei fazer com duas scooters na garagem é matéria para ir avaliando ao longo do próximo ano. Por enquanto, sabe-me bem variar entre a souplesse da Helix e o nervo da Granturismo.

sexta-feira, 27 de março de 2009

Manual ou Automática ?


É uma das mais velhas discussões do planeta scooterístico, especialmente alimentada pela ala clássica. Mas faz sentido a discussão?

 
Muitos responderão negativamente, o que até indicia algum bom senso. No limite, o que importa é que fintemos o trânsito caótico, percorramos sem pressa aquela belíssima estrada rural, ou relaxemos em direcção àquele destino que mais ninguém parece conhecer. Sempre na nossa scooter, sem distinguir "raças, cores ou credos". Em comunhão com a natureza e uma máquina simples. Apenas com o espírito de rolar em cima de um pequeno veículo de duas rodas, de personalidade forte, e associado a um certo modo de estar e ser diferente de outras tendências talvez mais hegemónicas. Tudo isto é verdade, mas… em manual ou automática?


Se pedirmos ao hemisfério da razão para falar, veremos que não há qualquer vantagem real, objectiva em ter mudanças manuais numa scooter. Nem se é melhor (ou pior) condutor por guiar uma scooter com mudanças manuais, por contraposição a um condutor de uma automática. Por vezes existe alguma dificuldade em distinguir o que é do domínio do gosto pessoal, se quiserem, do gosto pessoal "puro", do que é do campo racional, do que faz sentido, de um lado mais objectivo das coisas.


É comum ouvir esgrimir três argumentos ditos racionais em favor das manuais: Uma scooter manual é melhor porque: 1) dá mais segurança; 2) é mais desportiva; 3) dá mais gozo. Nenhum deles passa pelo crivo da racionalidade. Eu aceito que me digam que gostam mais porque sim, porque sempre guiaram manuais, porque faz confusão ver uma scooter sem mudanças, porque tem piada ter uma caixa para entreter, porque é giro mudar cabos, tudo isto é aceitável e respeitável.
 

Não há nenhuma razão lógica para que uma scooter faça mais sentido com mudanças manuais e desconheço até porque motivo o Engº d´Ascanio concebeu assim a Vespa, desconfio que por condicionamentos a nível industrial e/ou tecnológico. É menos prático, desnecessário e uma complicação absolutamente dispensável num veículo de tão reduzidas dimensões e prestações. Não tem qualquer vantagem, seja em estrada ou em cidade. Há muito boas razões para se gostar de mudanças manuais em Vespas – já deixei aqui algumas, todas elas de gosto pessoal – mas nenhuma delas é objectiva e racional.


É mais ou menos como a mistura a copo. Pode dar algum gozo ser uma coisa do antigamente, como rodar a manivela num Ford T. Só isso.
 

É absolutamente falso que seja mais seguro utilizar mudanças manuais (ainda não vi um - basta um - argumento que me convença do contrário). Dá-me vontade de rir que se diga que é mais desportivo. Ou que é para quem sabe andar de moto.


Uma Vespa antiga, com as suas rodas de 8” ou 10”, travões abrandadores, mesmo adulterada com maquilhagens de rendimento, jamais terá um comportamento próximo de algo que se possa denominar como desportivo. E não é o facto de ter uma caixa de velocidades manual que vai alterar isso. Mesmo descontando que atinja 120 ou 130kms/h, a questão nem é a velocidade. Porque mesmo que tenha velocidade, falta-lhe tudo o resto. Para além de que se tornaria noutra coisa que não uma Vespa. Passa a ser um excêntrico objecto de inspiração mais ou menos radical, dependendo da extensão das alterações.


E não é desportiva não é por ser má ou estar mal projectada. Mas somente porque não foi pensada para ser desportiva, para dar sensações próprias de uma duas rodas desportiva. Pelo menos sem se adulterar totalmente o conceito. Para curvar, travar, acelerar, comportar-se como tal. Por exemplo a mítica Vespa GS (apesar de GS querer dizer GranSport) é muito apreciada porque é indiscutivelmente bela. E também porque é rara. Ponto final. É verdade que tinha um acréscimo de prestações relativamente às Vespas que lhe eram contemporâneas. Mas isso não fez dela uma “desportiva”, ou uma moto especialmente exigente ou performante, mesmo para os padrões da época.


Quanto ao gozo é obviamente subjectivo. Aos 16 anos tive uma Honda CB 50, que era uma réplica (muito imperfeita) à escala da CB750Four dos anos 70. Portanto, com ares de moto de estrada. Logicamente que ao contrário da 750, a pequena 50 esforçava-se para atingir 80, 90 kms/hora…a descer. Tinha 5 velocidades. Eu gostava das 5 velocidades porque me permitiam fazer alguma coisa enquanto andava para a frente tão devagar.


Lembro-me desta CB com saudades, mas não por ter sido nela que aprendi, verdadeiramente, a guiar em condições, ou do modo como almejava saber conduzir. Nem me parece que seja possível fazê-lo numa Vespa antiga, isto é, explorar patamares de condução que só estão ao alcance de ser postos em prática noutro tipo de máquinas, com outras características.


Mas isso já depende do grau de exigência de cada um e do nível de condução que se pretende atingir. Por uma razão simples: é impossível, tão devagar, antecipar reacções, aperfeiçoar reflexos e criar automatismos suficientemente exigentes na condução (para os patamares pretendidos). É mais ou menos como guiar depressa uma 4L e um BMW M3. São níveis, estágios diferentes.


Só viria a “aprender a conduzir” numa moto de estrada, uma Kawasaki AR125, uma frenética 2T que não tinha baixas, não tinha médias e explodia de força nos regimes altos. Nessa altura levei os primeiros "coices" e aprendi a conduzir uma moto exigente, muito leve mas difícil de levar no limite. Depois vieram as outras cilindradas até à FJ1200, que é uma espécie de avião comercial com duas rodas. Aí sim, as mudanças manuais parecem fazer sentido.