sábado, 26 de julho de 2014

Super Passeio (III)






O Palácio de Mafra é um edifício peculiar, com muitas e boas razões para ser visto e explorado, e é sem dúvida injusto que talvez a curiosidade mais conhecida do Paço Real seja a distância que existe entre os dois torreões que dividem os aposentos da rainha dos do rei. São duzentos e trinta e dois metros, o que penso que seja único, ou pelo menos muito invulgar. 




Apreciar o Palácio, mesmo por fora, às primeiras horas da manhã de um domingo, antes dos turistas assaltarem o edifício, é beneficiar do melhor dos dois mundos. A calma e a singularidade do espaço, e a estranha sensação de desfrutarmos de algo que normalmente está repleto de gente das mais variadas nacionalidades, mas que naquele presente está só por nós. Ouvem-se os pássaros, as esplanadas quedam desertas e os silêncios só são interrompidos por ruídos longínquos.



O sítio foi muito bem escolhido para renovar uma parceria que tinha sido interrompida em 2008, a Scuderia Granturismo. Na altura, eu e o Júlio tínhamos duas Vespa Granturismo 200, e decidimos levá-las, para estreia de ambos, ao 10º Portugal de Lés a Lés. Desde então o Júlio já teve outras motos dos estilos mais diversos, incluindo também scooters, e esta semana decidiu regressar à Vespa. Comprou uma PX 150 de 2008, de fabrico italiano, praticamente imaculada. Eu levei a minha Bianca, também ela uma substituta daquela Granturismo que levei ao meu primeiro Lés a Lés.




Numa analogia entre o caminho entre os aposentos de rei e raínha, a distância é também grande entre estas duas Vespa que hoje temos. Mas o estilo dos torreões e o próprio tecto debaixo do qual as duas Vespa se apresentam é o mesmo. Pontedera mudou-se para Mafra.







Pensava nisto enquanto tomávamos o café na esplanada deserta e gozava cada instante dos frescos raios de sol. Algumas fotos teriam que ser feitas junto ao Palácio, e foram-no. O resto foi um passeio que misturou alguns pedaços das melhores estradas verdejantes perto de Lisboa, aproveitando num percurso de duas horas vários trechos de dois Ralis de Regularidade do VCL, que o Júlio não chegou a fazer.











A PX 150 surpreendeu-me pela suavidade quase de seda, até na troca de marchas no punho esquerdo. Era difícil encontrar um modelo mais indicado para o percurso que escolhemos. Não sei se influenciado pelos ares de nobreza do Palácio, a verdade é que a PX 150 deixou-me com uma impressão bem menos rude e temperamental do que a generalidade das outras PX que tenho experimentado. Nunca quis verdadeiramente uma PX, mas esta conquistou-me mais pelo que não esperava encontrar nela. Descontracção sem temperamento difícil.








quarta-feira, 16 de julho de 2014

Super Passeio (II)






"Amanhã vou ter o dia inteiro livre e conto dar uma volta Kinder. Alguém alinha ?"


O mote dirigido ao Miguel e ao Paulo fez ricochete e três agendas convergiram para um céu azul sem nuvens até às sete da tarde.

Para quem não sabe, o requisito para se poder falar de uma volta kinder surpresa é que o destino não esteja previamente definido. Abre-se o  mapa antes de ligar o motor e escolhe-se vagamente uma rota. Sabíamos que não iríamos para Sul, razão pela qual acertámos uma hora para o Paulo se encontrar connosco. A partir daí debatemos ao mesmo tempo que abastecíamos os depósitos. 






A volta levou-nos até um almoço no Alto Alentejo, em Nisa. Não era o inicialmente pensado, o que também corresponde à ideia destes passeios, deixar espaço ao imprevisto. Regressámos por Flor da Rosa, Crato, Alter do Chão, Avis e Mora. Dos mais de quatrocentos quilómetros da jornada, saltei da condução relaxada da minha Bianca para abraçar um depósito de outra italiana. Esta também bianca, mas de dois cilindros.






Em cerca de setenta quilómetros atrás do guiador da Monster, pude voltar a sentir as sensações próprias de uma moto convencional. Curvar, acelerar e travar noutro nível, abrir o leque mais amplo de opções dinâmicas que uma scooter não pode oferecer. Tinha saudades. E descobri, com algum espanto, que não desaprendi. A ferrugem muscular e a própria readaptação a movimentos e distâncias resgata rapidamente memórias sensoriais de outros tempos. Só não é tão simples como andar de bicicleta.


E como é a Ducati ? Que carácter ! Não é uma moto para andar devagar, nem para andar na cidade. Sente-se estranha e resmunga em ritmos de passeio. Tem uma brecagem quase ridícula. E uma posição pouco ortodoxa, costas direitas e braços sem demasiado peso nos pulsos, mas pernas demasiado flectidas. O banco é uma tira de gel, mas é confortável. Toda a experiência requer outra abordagem, convida a explorar os territórios da deslocação rápida. E sem ver a paisagem. O que interessa é jogar com o peso em cada curva, e sair disparado à saída de cada uma, ajudado pelo trovejar da rotação em crescendo e uma tracção incrível. Dá mas exige em troca. No mínimo a predisposição de um piloto motivado para estar à altura dos desafios.










Embora aprecie e valorize a beleza e a peça de engenharia que a Monster indiscutivelmente é, a possibilidade de viajar a estes ritmos já não me cria o desejo urgente de ter uma, como seguramente teria há vinte anos. Simplesmente não é a minha agulha, hoje. Nem para uma viagem de mais de um par de horas. O que não afasta a compreensão, agora empírica, das razões que levam tantos a apaixonar-se pelo motor Desmo refrigerado a ar.

Voltar à Bianca, depois de uma paragem para troca de motos, permitiu-me apreciar o contraste abrupto para a leveza e a simplicidade de viajar de scooter. Tudo é diferente e mais sereno. Esta transição crua mostrou-me com invulgar nitidez que a escolha das scooters ainda se mantém tão válida para mim como quando a tomei. Há quase dez anos atrás.