sexta-feira, 28 de março de 2014

Vespa 946 - Exclusividade na Estrada





A 946 é a scooter de topo da gama Vespa e é uma espécie rara. Apresentada na EICMA no final de 2012, fez uma aparição no Salão de Lisboa em Abril de 2013. E só no início do Outono de 2013, quase um ano depois da apresentação, começou a ser vista em alguns concessionários Piaggio. Na rua, nunca vi nenhuma a pisar alcatrão. Até há uns dias, quando surgiu o convite do Marrazes para testar a 946 da família durante um par de horas.







Algumas interrogações tornavam este test ride diferente de outros neste espaço. Mais do que com qualquer outra scooter, o que me interessava era perceber quão especial a 946 se sente nas mãos, na estrada, na rua. Se, para além do wow factor, a 946 é ou não uma Vespa com níveis de detalhe e qualidade uns furos acima das Vespa de produção corrente. E até que ponto é que o peso do preço, a estratosférica soma de nove mil euros, pode condicionar as sensações quando estamos aos comandos da 946.





É sabido que a 946 tem dividido opiniões, em especial entre os fiéis seguidores da marca. Para muitos deles, a 946 é um desvio. Um mero exercício de estilo exótico para as elites, um objecto de moda para quem gosta de exibir a última tendência na era do Facebook. Muitos destes amigos tradicionais da Vespa sentem-se traídos por uma inflexão de posicionamento da marca, que na verdade já vem de trás, do início do século XXI, com os preços altos e um posicionamento do produto no topo da cadeia alimentar das scooters, por oposição ao veículo acessível, simples e prático do passado, dirigido às massas. Para esta legião de entusiastas clássicos, esta mudança de rumo e posicionamento no mercado  não é sustentada na qualidade e em soluções técnicas adequadas.





Embora compreenda esta perspectiva, confesso que não a partilho em todas as suas vertentes. Julgo que a evolução marcada desde a série GT(S) deu um novo fôlego à Vespa, abriu novos trilhos, e os resultados comerciais visíveis no braço Vespa da Piaggio mostram o acerto destas políticas para as finanças do grupo. É certo que algumas scooters recentes não justificam o preço pedido em termos comparativos. Porém, a 946 é um caso singular, que foge a esta lógica. Por uma razão simples: não tem concorrência. E, na verdade, não tem culpa disso. Quem a compra, não a quer para dar a volta ao mundo ou, sequer, para a usar diariamente. É uma scooter de luxo, coleccionável, destinada a apaixonados pelo conceito que, regra geral, são proprietários de várias outras Vespa.  

É com estas questões no horizonte que assisto à sorridente chegada da Sónia na sua 946, a feliz proprietária e uma das primeiras clientes a receber a sua chave em Portugal.





Este exemplar, com menos de trezentos quilómetros no odómetro digital, está pintado no conhecido montebianco, com a sela e os punhos de encarnado. Começo por reparar na pintura, que se apresenta com uma qualidade extrema, e na combinação feliz e invulgar das cores, muito italiana. Ao mesmo tempo sóbria e elegante, é claramente original. Com uma presença distinta ao lado de qualquer outro veículo, a 946 afirma-se pela diferença.









As proporções e o volume são também invulgares. Ao lado da GTS300, por exemplo, todo o desenho é menos massivo, mais fino, depurado e trabalhado no detalhe. Parece, de certos ângulos, o protótipo de salão que, na verdade, nunca deixou de ser.


Um exemplo dessa elegância esguia é a relação única do banco com todo o volume que constitui a harmoniosa secção traseira da 946, esculpida muito mais baixa do que qualquer outro modelo pós ´60. Estão ali todas as influências do desenho Vespa original, os balons, a sela, as superfícies curvas, do aço ao farolim. Mas todas elas dissimuladas e embrulhadas numa nova coerência, num novo discurso passado-futuro, que não é uma mera repetição retocada e requentada. É uma reinvenção da linguagem e da identidade. Suspeito que, por exemplo, a ausência de um motor refrigerado a água, mais do que a questão mecânica ou de performance, foi ditada pela necessidade de manter o desenho magro, sem um radiador de água, que adicionaria volume ao avental minimalista, que não tem espaço nem para guardar uma caixa de fósforos.














Se introduzirmos a chave na falsa tampa de depósito que serve de dissimulada articulação da sela, encontraremos um amortecedor no mecanismo, algo inédito numa Vespa. Verificamos também que pouco mais podemos guardar do que um par de luvas de verão e as ferramentas originais. Embora se encontre o tradicional gancho para sacos, a verdade é que a 946 não foi feita para viajar.







 


Quando nos sentamos aos comandos, a percepção geral é de acabamentos de grande qualidade. Os materiais são rigorosos, a montagem não exibe qualquer falha. Muito se especulou sobre a existência de alumínio na estrutura da 946, e sobre o facto de cada exemplar ser montado à mão em Itália. A verdade é que algumas peças são realizadas em alumínio. Por exemplo alguns componentes de ambas as suspensões, o guarda lamas dianteiro, a tampa da coluna da direcção, o guiador ou o suporte do banco. Mas o chassis continua a ser em aço prensado. E é construído por robots, sendo a montagem, essa sim, manual.





Rodar a chave personalizada acende o painel LCD em tons de suave azul, com informação digital completa, que inclui velocímetro, nível de combustível, odómetro total e parcial, um painel de luzes avisadoras com indicação do funcionamento do ASR e ABS, e uma função de selecção de parâmetros no punho direito.






Os punhos são macios e de toque luxuoso, os espelhos têm um desenho elegante e boa visibilidade, e a posição de condução e ergonomia é quase perfeita para a minha estatura (1,70m). Preferiria o banco ligeiramente mais baixo, como está fica um pouco mais alto do que o da minha GTS, mas não o suficiente para incomodar em manobras na cidade. A forma do banco é original, mas suficientemente confortável para viagens curtas, e permite mesmo amplitude de movimentos ao condutor. Com dois ocupantes - não experimentei - a história pode ser outra, mas suspeito que convirá que o namoro seja recente para resistir à exiguidade do espaço sem amuos. 








Surpreendentemente, a 946 sente-se longa. É bem mais estreita do que a GTS, mas mais comprida. O peso é semelhante ao da GTS, com um quilograma de saldo a favor da 946 (157kg). Este número é, porém, problemático. Não porque a agilidade e o equilíbrio fiquem comprometidos, mas sobretudo por causa da opção escolhida para o motor.


Ao arrancar, percebemos de imediato que o 125cc 3V refrigerado a ar se sente asfixiado pelo peso da 946. É bastante redondo e agradável de utilizar, mas para impulsionar este peso impõe-se medir bem o espaço para ultrapassagens e raramente se sai com vantagem de um semáforo face a outras scooters, ainda que sejam da mesma cilindrada da 946.

Esta limitação sente-se ainda mais em estrada aberta, uma vez que a velocidade máxima estará na fronteira dos dois para os três dígitos, o que é curto para uma scooter com tanta qualidade e nesta franja de preço. É uma pena que a 946 não seja disponibilizada com um motor maior, capaz de emprestar outro brio no capítulo da performance. Julgo que o chassis facilmente comportaria o dobro da potência actualmente disponível - digamos no território de uma GTS -, e sem comprometer o comportamento.





Em contrapartida, o modo como a 946 pisa a estrada é superior. Por comparação com a GTS300, por exemplo, é mais macia no piso irregular, e transmite uma sensação de solidez de conjunto que não me lembro de alguma vez ter experimentado numa scooter 125cc. Repare-se que a dimensão de pneus e jantes é exactamente igual à da Vespa GTS, e o peso é semelhante, para além do quadro monocoque, com filosofia de construção idêntica. Pelo que a diferença notada será de atribuir à qualidade do conjunto de suspensões da 946.









Em termos de segurança, o ABS funciona bem, se a isso for forçado. Já o controlo de tracção (ASR), estará reservado para as saídas intempestivas da garagem em piso molhado, já que a potência disponível é escassa, e a disposição do condutor não será, na maior parte dos casos, suficientemente agressiva para pôr em causa a compostura da 946.




Em resumo, a impressão com que fiquei foi de uma scooter que se sente especial. É inegável que causa impacto na rua, pela diferença, elegância e exclusividade. Sem nunca ser intrusiva. Essa qualidade do desenho é acompanhada no que respeita aos materiais de primeira escolha, montagem e acabamento. E também em algumas soluções técnicas avançadas, únicas neste segmento, que cumprem a missão de tornar a 946 uma bandeira de referência Vespa. Não é – nem isso lhe é pedido – uma scooter para viajar. A opção pela motorização pequena em conjunto com o peso elevado, e a falta de sentido prático no que à bagagem e espaço de arrumação diz respeito sublinha exactamente a vocação da 946: citadina, para passeios curtos, relaxados e sem pressa, enquanto se aprecia a paisagem, sabendo que levamos nas mãos um objecto diferenciado e com uma herança histórica pesada. Mas realmente exclusivo. Por fora e por dentro.





segunda-feira, 24 de março de 2014

Magia na Serra (III)






Estas são as últimas imagens que seleccionei da Serra 2014, e que servem de epílogo à crónica que é também a minha memória escrita da viagem. Tal como na primeira fotografia do postal inicial, a última deste terceiro também mostra um sol alaranjado a esconder-se atrás da Serra. Até 2015, quando voltarmos a receber a primeira mensagem visual da montanha. 


































sexta-feira, 21 de março de 2014

Magia na Serra (II)





As fotografias da viagem vão aparecendo neste espaço à medida que a neve vai derretendo na Serra.