O Portugal de Lés a Lés de 2011, organizado pela 13ª vez pela Federação de Motociclismo de Portugal, é um evento aberto a todo o tipo de público e motos. Mais de mil e duzentos motociclistas, em cerca de seiscentas equipas, percorrem um percurso de cerca de mil quilómetros, em três dias, compostos por Prólogo, 1ª e 2ª Etapas. A que acresce a ida e vinda, o que representa invariavelmente mais cerca de mil quilómetros.
Com uma abrangência tão vasta, é fácil adivinhar que o universo de sensibilidades é, também ele, muito eclético. É uma espécie de Festa do motociclismo Português, feita na e por estrada.
Para mim, enquanto fenómeno mototurístico, é o equivalente às Obras Completas de William Shakespeare em 97 minutos. O que quer dizer que não nos permite conhecer, no sentido nobre do termo, mas dá-nos acesso a vários locais inesperados, como pequenos tesouros, que muito provavelmente não poderíamos encontrar sem considerável investimento de tempo, algo tão estupidamente escasso nos dias que correm.
Já participei em quatro Lés a Lés, e regresso sempre guardando religiosamente o road book, que aliás a Federação até disponibiliza online. Sucede que, até hoje, ainda não os utilizei depois do Lés a Lés, em férias, ou numa escapadinha de fim de semana, o que prova a utilidade do conceito, ainda que isso não apague as suas óbvias limitações.
Enquanto desafio, gosto de encará-lo como um passeio, mas com uma componente competitiva com o road book. O desafio é meu, e do meu colega de equipa, contra o road book. Para que o desafio faça algum sentido é importante levar uma scooter (e não uma moto tradicional, ou pelo menos não uma moto de média ou grande cilindrada) cujo andamento esteja relativamente perto do limite previsível de dificuldade da prova. Este requisito permite cumprir os controlos secretos de passagem mas com esforço e inteligência, obrigando a saber gerir a máquina, as exigências e dificuldades do percurso, e a própria resistência física.
É importante não levar uma moto que nos faça adormecer na estrada, ou que nos empurre sempre a caminho da tasca mais próxima, à espera da hora para picar o cartão, tal é a disparidade entre o relógio do road book, e a capacidade para rolar, depressa e bem, da máquina que levamos. Esta frustração - imagino - é o pecado da maior parte dos participantes que insistem em utilizar motos como a BMW GS 1200, provavelmente a moto que menos sentido faz levar a um Lés a Lés: pelo porte, peso, potência, equipamento, consumo, enfim, um rol de exageros que tenho uma certa dificuldade em compreender. Mas obviamente respeito essa opção e seguramente é a da esmagadora maioria dos participantes.
Este ano regressávamos às origens, pelo interior, pisando solo transmontano, a partir de Mogadouro, descendo aos ésses até à agradabilíssima Castelo de Vide, e terminando na algo frenética Lagoa. A um prólogo relaxado, a tocar várias vezes a perfeição da paisagem, acrescentou-se uma primeira etapa dura e muito tradicional. A segunda etapa foi marcada pelo calor tórrido do Alentejo e Algarve, a convidar a um ritmo rápido para ultrapassar as temperaturas elevadas, mas com o road book a abrandar-nos sistematicamente, pois levávamos demasiado avanço o que nos obrigava a quebrar o ritmo muitas vezes e esperar nos postos de controlo secretos. Talvez uma 125cc fosse a cilindrada ideal para este ano...
Por falar em máquinas, a minha Helix esteve, uma vez mais, imperial. Fiabilidade feita de dezassete anos de leais serviços na estrada, chegou quase aos setenta mil quilómetros em forma, e a derreter pneus como uma moto de competição...
Contrariando as previsões mais maldosas :), não houve avarias - apenas o aquecimento excessivo da Transalp no troço espanhol - e a presença do Hugo Oliveira em substituição forçada do Rui Tavares não se revelou problemática. O Hugo aguentou muito bem as exigências de uma primeira participação, embora benzida por duas quedas em terra sem consequências físicas. A sua motivação e a sua disponibilidade para aceitar o desafio do Lés a Lés, tal como a Scuderia Sereníssima o tem concebido, fizeram-se notar ao longo do asfalto, terra, gravilha e alguma água que compuseram os mil quilómetros de dois mil e onze. Veremos que desafio nos espera em dois mil e doze...