segunda-feira, 27 de junho de 2011

Lés a Lés 2011


O Portugal de Lés a Lés de 2011, organizado pela 13ª vez pela Federação de Motociclismo de Portugal, é um evento aberto a todo o tipo de público e motos. Mais de mil e duzentos motociclistas, em cerca de seiscentas equipas, percorrem um percurso de cerca de mil quilómetros, em três dias, compostos por Prólogo, 1ª e 2ª Etapas. A que acresce a ida e vinda, o que representa invariavelmente mais cerca de mil quilómetros.

Com uma abrangência tão vasta, é fácil adivinhar que o universo de sensibilidades é, também ele, muito eclético. É uma espécie de Festa do motociclismo Português, feita na e por estrada.



Para mim, enquanto fenómeno mototurístico, é o equivalente às Obras Completas de William Shakespeare em 97 minutos. O que quer dizer que não nos permite conhecer, no sentido nobre do termo, mas dá-nos acesso a vários  locais inesperados, como pequenos tesouros, que muito provavelmente não poderíamos encontrar sem considerável investimento de tempo, algo tão estupidamente escasso nos dias que correm.

Já participei em quatro Lés a Lés, e regresso sempre guardando religiosamente o road book, que aliás a Federação até disponibiliza online. Sucede que, até hoje, ainda não os utilizei depois do Lés a Lés, em férias, ou numa escapadinha de fim de semana, o que prova a utilidade do conceito, ainda que isso não apague as suas óbvias limitações.

Enquanto desafio, gosto de encará-lo como um passeio, mas com uma componente competitiva com o road book. O desafio é meu, e do meu colega de equipa, contra o road book. Para  que o desafio faça algum sentido é importante  levar uma scooter (e não uma moto tradicional, ou pelo menos não uma moto de média ou grande cilindrada) cujo andamento esteja relativamente perto do limite previsível de dificuldade da prova. Este requisito permite cumprir os controlos secretos de passagem mas com esforço e inteligência, obrigando a saber gerir a máquina, as exigências e dificuldades do percurso, e a própria resistência física.



É importante não levar uma moto que nos faça adormecer na estrada, ou que nos empurre sempre a caminho da tasca mais próxima, à espera da hora para picar o cartão, tal é a disparidade entre o relógio do road book, e a capacidade para rolar,  depressa e bem, da máquina que levamos. Esta frustração - imagino - é o pecado da maior parte dos participantes que insistem em utilizar motos como a BMW GS 1200, provavelmente a moto que menos sentido faz levar a um Lés a Lés: pelo porte, peso, potência, equipamento, consumo, enfim, um rol de exageros que tenho uma certa dificuldade em compreender. Mas obviamente respeito essa opção e seguramente é a da esmagadora maioria dos participantes.

Este ano regressávamos às origens, pelo interior, pisando solo transmontano, a partir de Mogadouro, descendo aos ésses até à agradabilíssima Castelo de Vide, e terminando na algo frenética Lagoa. A um prólogo relaxado, a tocar várias vezes a perfeição da paisagem, acrescentou-se uma primeira etapa dura e muito tradicional. A segunda etapa foi marcada pelo calor tórrido do Alentejo e Algarve, a convidar a um ritmo rápido para ultrapassar as temperaturas elevadas, mas com o road book a abrandar-nos sistematicamente, pois levávamos demasiado avanço o que nos obrigava a quebrar o ritmo muitas vezes e esperar nos postos de controlo secretos. Talvez uma 125cc fosse a cilindrada ideal para este ano...

Por falar em máquinas, a minha Helix esteve, uma vez mais, imperial. Fiabilidade feita de dezassete anos de leais serviços na estrada, chegou quase aos setenta mil quilómetros em forma, e a derreter pneus como uma moto de competição...   

Contrariando as previsões mais maldosas :), não houve avarias - apenas o aquecimento excessivo da Transalp no troço espanhol - e a presença do Hugo Oliveira em substituição forçada do Rui Tavares não se revelou problemática. O Hugo aguentou muito bem as exigências de uma primeira participação, embora benzida por duas quedas em terra sem consequências físicas. A sua motivação e a sua disponibilidade para aceitar o desafio do Lés a Lés, tal como a Scuderia Sereníssima o tem concebido, fizeram-se notar ao longo do asfalto, terra, gravilha e alguma água que compuseram os mil quilómetros de dois mil e onze. Veremos que desafio nos espera em dois mil e doze...



     

segunda-feira, 20 de junho de 2011

Ainda a Propósito de Números



Como uma vertigem, o Portugal de Lés a Lés está a aproximar-se na agenda. Quando se começa a falar do evento, lá para Janeiro, estamos a meio ano de subir o palanque. Ou seja, falamos de uma miragem de verão.

O tiro de partida para o frenesim é dado pela saída da lista de inscritos, com atribuição de dorsais. A partir desse momento, a rotação vai em crescendo e os dias imediatamente anteriores à partida são consumidos pela profissão como se o amanhã não existisse. O que significa que praticamente tudo o que diz respeito à preparação da viagem de cerca de dois mil quilómetros é tratado na véspera, à noite.

A excepção é a revisão à scooter, habitualmente feita com cerca de um mês de antecedência. Em 2011 adicionei uma outra excepção.: preparei para mim e para a Vespa T5 do Rui uma numeração vintage em vinil, círculo branco em fundo, e números toscos e negros, em homenagem às antigas provas de regularidade.  







As imagens podem anunciar a intenção de levar a Bianca à maratona, mas é falso alarme. A Bianca limitou-se a ser fiel depositária dos vinis, enquanto procedia à sua colagem na Honda CN Helix, que espero apresentar no prólogo em Mogadouro.   

De facto, este ano esteve para concretizar-se levar ao Lés uma quarta scooter diferente em quatro anos - não, não era a Bianca - , mas o timing acabou por se revelar inexequível. Talvez no próximo ano. Precavendo imponderáveis, tinha inscrito e preparado previamente a Helix. Ei-la, portanto, em modo regularidade "anos cinquenta".  



Não se pode dizer que o fundo branco circular se harmonize com as linhas rectas e angulosas da CN, mas também parece óbvio que não era essa a intenção. Como se usa dizer em linguagem automobilística, já fiz um rápido shakedown, testando o material novo, como pastilhas, pneus, e a por vezes problemática junta de escape. 


 





Entretanto, o Rui Tavares, amigo e companheiro de equipa na Scuderia Serenissima, viu-se impossibilitado de participar no Lés a Lés 2011 por ponderosas razões pessoais. É uma baixa difícil de colmatar na equipa, mas estou certo que o nosso piloto de reserva, Hugo Oliveira, no seu estilo, se esforçará por manter presente o mesmo espírito que o Rui sempre empresta à dinâmica da Scuderia.

Por fim, recebi no correio uma encomenda especial cortesia do meu amigo Paulo Salgado. Ofereceu-me esta réplica  hand made do seu suporte de leitor de road book, para aplicação na CN. Obrigado, Paulo ! Ainda não está montado, mas tradição é tradição: ainda não cheguei ao prólogo... Vêmo-nos em Mogadouro! 
  


sexta-feira, 17 de junho de 2011

100



É um número duplamente redondo. Cerca de dois anos e meio depois o blog chegou aos 100 posts. Um curioso número com duas rodas. É uma cifra baixa, uma média fraca em números. Mas os algarismos são actores secundários neste espaço, sempre foram. E, tanto quanto consigo ver daqui, assim continuarão a ser enquanto houver Offramp... Uma página avessa à frieza dos números. Que prefere a imagem e a palavra escrita. Que opta pela ausência de publicidade no ecrã.  Que privilegia as emoções. Que pratica a contemplação sem complexos.  Que valoriza as belas estradas, percorrendo-as de scooter. Que encosta e pára para absorver, através delas, o mundo que gravita em seu redor. Ao seu ritmo. Sempre que possível, longe da velocidade dos dias.

Não sei ao certo que juízo farão os leitores que param na berma e se ligam a esta janela. Sei que, por agora, apetece-me baixar a viseira e arrancar para mais cem posts.  

quarta-feira, 1 de junho de 2011

Até ao Fim do Mundo


Para quem gosta de viajar a solo em scooter, as aventuras épicas do Rui Agent Jordão e da sua inseparável Vespa ajudam a pôr as coisas em perspectiva, e a relativizar a dimensão dos passeios de muitos, incluindo obviamente este escriba.

Depois de duas viagens a Marrocos envoltas em peripécias narradas em estilo novelesco e servidas a conta gotas no scooterpt, o nosso amigo Agent, figura que gera simpatia por onde passa, decidiu desculpar-se com um pretexto para ir à Noruega em cerca de trinta dias na sua Vespa P: o Vespa World Days, encontro que no ano passado visitou Portugal.

Já que estava na Noruega, e num raciocínio comum aos viajantes mais dependentes deste vício, esticou a rota até ao Cabo Norte, unindo o Cabo da Roca, ponto mais ocidental da Europa Continental, em Portugal,  ao extremo norte do Velho Continente.

Com uma média quilométrica difícil de acompanhar por quem não tenha um forte ritmo de endurance, o Rui foi percorrendo o mapa como uma formiga em campanha. Trabalhou tão bem que não foram raros os dias em que acrescentou ao baço odómetro da sua fiel confidente de estrada oitocentos novos quilómetros. O que lhe permitiu relaxar e descontrair apenas com quase metade da maratona cumprida, já nos países nórdicos.  







Os números, os factos e as emoções da odisseia ainda estão por desfiar, permanecendo alojados no disco rígido que o Rui usa dentro do capacete laranja fluorescente. Mestre do suspense no seu estilo peculiar de narração, a sua imagem de marca consiste em misturar-se com facilidade com os locais, olvidar carregadores de telemóveis, e incompatibilizar-se com máquinas fotográficas e seus adereços, o que torna especialmente relevante o que nos possa transmitir através da palavra.

Então e a Vespa ? Foi e veio. Desumanamente carregada e submetida a trabalhos forçados, não renegou a sua imagem de solidez e fiabilidade. Tossiu a espaços. Mas não gripou.

  


Imagens: Rui Jordão