sábado, 31 de dezembro de 2011

Carris de Férias



Tenho tido poucas oportunidades para sair da garagem em duas rodas, mas hoje tudo se conjugou para uma tarde de conversa na estrada com a Bianca. Até Sintra, no último dia do ano, para desenhar linhas paralelas à linha do eléctrico. Numa ponta a Praia das Maçãs. Na outra, o início da vila de Sintra.










A ligação faz-se há mais de cem anos, desde 1904, embora com interrupções do serviço e diferentes extensões de linha ao longo do tempo. Lembro-me de vir para Sintra passar períodos de férias em criança, e de ver a linha ao abandono. Em 1975 a linha foi encerrada, ultrapassada pelo autocarro. Só em 1997, após requalificação, foi reaberto o troço Ribeira de Sintra  -Praia das Maçãs, mais próximo da configuração de 1904.
  

  








Este verão tentei trazer a  pequena Beatriz para viver as sensações do eléctrico aberto à brisa, ao longo dos doze quilómetros do percurso, mas deparámo-nos com filas maiores do que a capacidade do eléctrico. É uma viagem que exige tempo. Há que contar com quarenta e cinco minutos para cada lado. E se não houver lugar vago na carruagem, a espera pelo próximo eléctrico é de mais uma hora. 

Apesar de acompanhar a desilusão e frustração da Beatriz, fiquei secretamente contente por verificar que a procura pode exceder a oferta num serviço ferroviário com mais de cem anos em Portugal.   






Hoje não havia circulação, pelo que pude deambular à vontade pela linha. Mas não pelas novas oficinas. Tentei fotografar a frota que descansava debaixo do alpendre, mas não me foi permitido. Pude ver apenas três unidades ao longe. 

É impossível comparar a elegância de objectos industriais com largas décadas de diferença.

De um lado as mais belas carroçarias de eléctricos abertos, de bancos corridos e entrada lateral, de fabrico norte americano do início do século XX.          

Do outro, a Vespa.

Na falta dos eléctricos só pude fotografar a Bianca, mas no habitat natural da ferrovia.







quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

Uma Imagem, Duas Histórias





Fiz esta fotografia em Outubro de 2009, em Atenas. No fim-de-semana da última eleição legislativa, que haveria de conduzir ao poder Papandreou, entretanto demissionário.
 
Sem sequer suspeitar, testemunhei o dia zero do até aí impensável ataque criminoso às dívidas soberanas na Europa.
 
Pouco tempo depois a Grécia entraria na espiral ascendente dos juros da dívida pública, fenómeno que rapidamente se alastrou a países periféricos do Euro, Irlanda e Portugal, também já intervencionados pela troika, e que promete fazer mais vítimas entre as nações sob a mira dos mercados.

Ao voltar por acaso a esta imagem, de uma Vespa gasta numa rua estreita de Atenas, detive-me na observação dos detalhes, num exercício em que gosto de ligar a fotografia a aspectos e realidades que nela aparentemente não estão. Pelo menos directamente. Revi, então, vários sinais da história.

A de uma Europa velha, mas cheia de charme, representada pela Vespa.

A de uma sabedoria milenar, simbolizada pela língua grega na placa toponímica e pelo pedaço de Parténon na loja, também esta caduca.

A de um modelo económico já sem soluções, ultrapassado, como o autocolante no vidro da datada Kodak.

A dos europeus de rosto fechado, como o cadeado na porta.

Resta saber se a charmosa e velha Vespa se submeterá a restauro para resistir.  E se, ainda assim, resistirá.



segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

Vespa Side



Um brinquedo de Natal. À invulgar escala 1:6, recebi este belo exemplar licenciado pela Piaggio Vespa representando uma Vespa 150 de 1955 com um apetecível side car.


Com chassis em metal, como convém, é uma peça interessante até pelas dimensões. Nunca tinha tido um modelo nesta escala, nem posso ter muitos até por razões de espaço. Estou neste momento a negociar uma garagem cá em casa para o ter exposto.








Um pormenor curioso é o facto de este exemplar em concreto ter estado muitos anos longe da vista de potenciais compradores, esquecido num armazém de uma livraria torreense. Foi ressuscitado na sequência de um pedido da compradora: não tem aí nada sobre a temática Vespa ? Ao que o vendedor terá respondido: passe por cá amanhã porque julgo que no armazém temos por lá qualquer coisa. E tinham. Numa caixa cheia de patine, desgastada provavelmente por uma prolongada exposição solar anterior, é um verdadeiro artigo new old stock.   






As vantagens destes brinquedos são várias: assim de repente, consigo desbobinar algumas: não avariam, (ainda) não pagam imposto de circulação, não precisam de seguro, não descarregam a bateria (as que a têm). Podemos ter modelos de sonho, e dar algum fôlego à imaginação por um preço simpático. Ou até podemos ser surpreendidos sob a forma de presente. Quantos de vós receberam uma Vespa 150 com side car de presente ? 





quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

Embarque para 2012



Agora que a poeira assentou sobre o Salão de Milão de 2011, é altura de partir as brasas e olhar para as novidades no segmento de topo, o das scooters-avião. É uma categoria em que as scooters raramente fazem sentido, mas apetecem. Apresentam motores com um cilindro a mais do que era suposto. Têm mais cilindrada do que a classe raínha das corridas de Grande Prémio a dois tempos. São tão ou mais caras do que verdadeiras motos com a mesma ou mais capacidade. Mas são especiais. E noutros tempos acabavam por desencadear uma conversa evitável com o gerente do banco.

As atenções centram-se nas duas BMW novas, evoluções do protótipo do ano passado, e que marcam o regresso ao mercado da marca da hélice. Se o meu raciocínio estiver correcto, e o preço proposto não for meteórico, é uma boa cartada. O downsizing é uma cartilha para levar a sério em tempos de crise. No fundo, trata-se de partir ao meio a capacidade da eterna GS 1200, retirar-lhe o pó e as malas, acrescentando-lhe estilo e sentido prático como só uma scooter sabe fazer. Inclino-me para conceder a minha preferência à mais desportiva da linhagem, a C600 Sport, a que veste de azul. Não tenho dúvidas que será uma scooter competente, capaz de envergonhar algumas pseudo-desportivas. E digna de qualquer candidato a Top Gun no século XXI.




A Aprilia - ai, este Grupo Piaggio... - lançou uma Gilera submetendo-a a cirurgia plástica e alterando-lhe o nome no registo civil. Eu sei que a já bem conhecida Gilera GP 800 é um poço de agressividade. 


 


Na prima Aprilia a tensão não é menor. Só de olhar de perfil para a SRV 850  cerro os meus dentes, começo a suar na testa e os meus músculos ficam alerta. Intimida. Vai-me obrigar a confessar que nunca serei um Freddie Spencer. Não é bem isso que pretendo e procuro numa scooter.




E a raínha T-Max ? Acrescentaram-lhe 30cc, injectaram-lhe cavalos e emagreceram-na, para continuar a reinar. Está quase perfeita. Mas para além de impessoal e incrivelmente cara, é demasiado rápida para me permitir observar para lá das bermas. 




Sobra a Honda Integra. Ultrapassando a infelicidade da repetição do nome, a evolução do protótipo que vi em Milão em 2010 consegue ser, aos meus olhos, bem mais bela do que essa Mid Concept. O que já não é pouco. A comparação, para mim, é simples: se a VFR 1200 fosse uma scooter seria a Integra. Há muito de VFR nesta scooter. O grupo óptico frontal, a secção traseira esguia, a sobriedade dos vincos e traço geral do design, que lhe dão um toque de sofisticação depurado, muito apanágio das melhores Honda. Finalmente uma scooter de roda alta elegante! Desde que sem malas. No capítulo técnico, a dupla embraiagem com três modos (manual, e dois modos automáticos) ajuda a abrir o apetite por experimentá-la. Se estivesse comprador de um avião, seria a minha escolha para descolar em 2012.






 
Imagens: Catálogos e Videos Marcas

sábado, 26 de novembro de 2011

Na Terra da Guitarra



Em Sevilha, a pretexto de voltar a ver o Mestre em formato trio, com a inesperada surpresa de ter sido encantado por fantasmas. Arrepiei-me e emocionei-me mais do que as vezes que consegui contar no Teatro de La Maestranza, belo palco Andaluz.

Não me lembro de aqui ter estado antes. Talvez durante a minha infância aqui tenha vindo. É difícil sentir que nos falta a quem perguntar. A chuva só deu tréguas no fim do concerto, caiu grossa durante todo o fim de semana. Mas esteve muito longe de nos estragar o programa.



Na Andaluzia petisca-se com prazer e qualquer hora serve para estar na rua a conviver. Circular de scooter pela cidade também faz parte do cardápio sevilhano. 











Estreei uma nova máquina digital de bolso em Sevilha. O ecrã LCD da minha velha Nikon L16 correu a cortina negra. Mas fê-lo de pé, pois ainda cumpriu a sua função no Brasil. Tenho que lhe agradecer o facto de me ter feito retornar à também estranha sensação de voltar a fotografar sem ver o resultado imediatamente a seguir. Só que sem sair do digital, e sem ter sequer um visor, por pior que fosse, para enquadrar a fotografia. E como eu gosto de um bom visor óptico. 


Até foi um divertido exercício no Rio. Correu espantosamente, obrigando-me a cálculos adicionais imaginativos para acertar a forma de maço de tabaco e rezar para que, do outro lado, o objecto fotografado estivesse focado, dentro do corte que tinha imaginado e à distância pretendida. Não se perderam imagens importantes e também é reconfortante perceber que conseguimos ultrapassar estas pequenas contingências com um pouco de imaginação e adicionar-lhe ainda divertimento. 


Registar imagens fixas é um dos meus hobbies de eleição. É verdade que se perdeu alguma da magia ao passarmos da química para a electrónica. Aliás, a química é magia. Mas as possibilidades essenciais para um fotógrafo continuam lá, e até temos novas.


Encanta-me fotografar com um bom corpo pesado e regular manualmente todas as variáveis do desafio. Mas também me dá gozo retirar tudo o que uma pequena e básica câmera fotográfica de bolso tem para dar. Ser fotógrafo amador no momento actual é um privilégio. É inacreditável a qualidade que se consegue extrair até de uma pequena câmera.


Escolhi uma Fuji AV200, penso até que era a mais barata da loja. Custou-me cinquenta e três euros. Leram bem, cinquenta e três euros. Tem um sensor de uma dimensão inimaginável há sete ou oito anos atrás, e produz ficheiros com cerca de cinco megas, cuja qualidade reduzi substancialmente para inserir no blog. Mesmo assim, reparem nesta imagem.




quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Sobre o Rio





O Rio de Janeiro foi, para mim, uma janela que se abriu fora de época. Julgo, no entanto, que qualquer altura do ano é adequada para conhecer os cariocas no seu ambiente. O pulsar da cidade maravilhosa faz-se entre morros e oceano, entre florestas e lagoas, entre edifícios coloniais e torres de cinquenta pisos. É uma tarefa que se leva ao ritmo de bossa nova, de um pagode ou de um samba, entre gargalhadas francas, entre amigos. Enquanto se bebe um suco de um fruto tropical desconhecido, ou se sobe no trem ao Cristo redentor. Ou seja, a vida flui com empatia. 

Como é fácil adivinhar, a viagem ao Rio foi muito mais do que scooters. Tivemos o privilégio de contar com a companhia, o entusiasmo e a disponibilidade dos nossos amigos Leo Dueñas - autor do blog Motonetas e Afins - e Rafaela, que nos ajudaram a afinar uma fotografia mais nítida, mais real e completa do que é viver (n)o Rio. Aliás, agradecer-lhes só será verdadeiramente possível se pudermos retribuir  em Lisboa.




Porém, este foi um encontro que seguramente não ocorreria se as scooters não simbolizassem um entusiasmo comum. E é este ponto de partida que tantas vezes aprecio nesta paixão pelas máquinas. Arrancar daqui, das scooters, para outros universos diferentes, simultaneamente enraizando amizades e enriquecendo-nos como indivíduos, acumulando experiências novas e gratificantes.  




Sendo este um blog que se centra na temática das scooters e das viagens através delas, não é alheio às soluções de mobilidade nas cidades. E como é o Rio neste aspecto ?

A cidade do Rio abriga seis milhões e meio de almas, onze milhões na área metropolitana. Dependendo das zonas, uma viagem de vinte quilómetros no Rio de Janeiro facilmente dura duas horas num veículo de quatro rodas.


Apesar disso, são escassas as scooters que vemos na rua. E dentro desta espécie rara, a probabilidade de ver uma clássica a circular é pouco maior do que a de encontrar um dinossauro no Corcovado. O que é ainda mais extraordinário se pensarmos que a Vespa produziu scooters no Brasil, através da MotoVespa. E que a Lambretta também teve fábrica por aqui.
 
É por isso que é tão meritório e respeitável o carinho que o Leo Dueñas dedica a esta causa, esforçando-se por não deixar morrer a cena scooterística clássica no Rio.


É muito fácil para mim, ou para qualquer lisboeta, aderir a um clube, no meu caso com décadas de história e participar e usufruir dos eventos, quando tudo está bem rodado e organizado, em velocidade de cruzeiro. No fundo, beneficiar do trabalho de quem dedica parte do seu tempo livre à vida do clube, para que os seus sócios desfrutem das suas scooters nas suas várias valências.


Muito mais difícil é vencer a inércia desde parado, erguer do zero uma confraria Vespa numa cidade como o Rio, o que implica plantar de raiz e esperar que floresça, sem a certeza de que vá crescer. Apesar do clima e da proximidade da maior floresta urbana do mundo...


Esse mérito pela persistência pertence ao Leo, e a alguns dos seus divertidos e entusiastas confrades que tive oportunidade de conhecer no Baixo Gávea, onde foi possível reunir três PX200S brasileiras. O número de Vespas com punhos rotativos aqui é inversamente proporcional ao nível do entusiasmo dos seus proprietários.














O único verdadeiro templo das scooters clássicas no Rio é esta oficina, na Rua do Ceará, visitada em dia de descanso, e fotografada do lado de cá das grades.




Conhecida entre os fiéis entusiastas como Oficina do Careca, desfilam por aqui algumas espécies clássicas destinadas aos mercados sul americanos. Por vezes também flutuam pela oficina, e não vos falo em sentido metafórico, uma vez que o espaço é vulnerável a inundações, já que se situa na zona mais baixa da cidade.







Mas existem motos. As bem conhecidas CG125 da Honda e várias trails de baixa cilindrada são as preferidas dos cariocas, limitados a máquinas produzidas no Brasil. A razão é simples: o condicionamento industrial que beneficia quem ali tem fábricas, impondo um garrote fiscal aos produtos importados, como por exemplo a Vespa GTS Super 300. Esta - tal como qualquer Vespa actual - custa uma exorbitância que, aparentemente, só a classe alta pode e está disposta a pagar.


Entre as scooters, algumas Burgman 125, Honda Lead, e várias Dafra Citycom 300, que eu próprio, involuntária e modestamente, acabei por ajudar a semear no Brasil, com um muito visitado teste de longa duração à original SYM Citycom 300, pouco antes do seu lançamento no Brasil sob a chancela da Dafra.


E as PX200 brasileiras ? O Leo entregou-me uma Vespa de corpo e alma, autêntica. Tem alguns detalhes curiosos e distintos, de que é expoente máximo  o farol em rectângulo ligeiramente abaulado, que tão bem a identifica, e que é justamente símbolo da Confraria Rio Vespa Clube. Mas também o completo e rico painel de instrumentos ou o banco se demarcam em pormenores que os especialistas se dedicam a identificar, como nos desenhos para descobrir diferenças. 








Na estrada, a PX200S brasileira é uma PX200. Nas mãos, tudo é familiar, nada a distingue de forma evidente de uma europeia. O exemplar do Leo está praticamente imaculado, uma scooter em estado original sem restauro e com menos de uma dezena de milhar de quilómetros.








Nada está fora do lugar, não há folgas anormais, nem desvios à originalidade verde amarela. A embraigem é suave e deixa-nos libertar força para as rodas apenas na medida em que dela precisamos. As mudanças trocam-se sem falhas. O motor responde sem soluçar nem evidenciar especial preferência por bandas de regime demarcadas. Mesmo em ambiente urbano, o único que tive oportunidade de experimentar, é bem notado o acréscimo de disponibilidade face, por exemplo, às 150cc. Resulta melhor e mais fácil até no tráfego, sendo simultaneamente divertida. Para mim, estaria melhor com  outro amortecimento à frente, mais firme. 




A única nota insuficiente ocorre-me na hora de travar e de recorrer ao preguiçoso tambor frontal. Em andamento vivo, convém ter na ponta da língua uma prece ao Cristo redentor. Para os ateus, usem-na como o Leo. Calmamente, gozando a brisa, do Leme a Copacabana pela Avenida Atlântica, Ipanema e Leblon até à Gávea, para um chopp no Hipódromo, berço da Confraria Rio Vespa Clube. Fazê-lo é um bom começo para sentir e perceber por que motivo o Rio é a cidade maravilhosa.



Imagens nº 7 e 14: Leo Dueñas

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Quarantasei



O segredo foi bem guardado pela Piaggio, e as imagens da Quarantasei só saíram às portas da EICMA 2011. É um protótipo de Salão, com os genes do modelo primitivo, que saiu do lápis de Corradino D´Ascanio para se tornar um objecto em 1946. No constante lastro de homenagem que cada Vespa nova carrega sobre si, esta tem responsabilidades um pouco diferentes: apenas mostrar e sondar os caminhos do futuro próximo. Como todos os protótipos, é leve e livre. Não precisa de vender, de ser prática, nem sequer de andar. Basta-lhe alimentar o sonho da eterna recriação.  

Imagem: Piaggio

sábado, 22 de outubro de 2011

Maçã com 330cc ?



No Salão de Milão de 2011 (EICMA) a Piaggio irá apresentar um novo motor a quatro tempos, de quatro válvulas por cilindro e injecção electrónica de 330cc de capacidade.

Ao fazer crescer o seu bloco com a cilindrada mais em voga nas scooters actuais (300cc), a Piaggio eleva a fasquia para um patamar incomum. É que mais relevante do que o aumento de 43cc - recorde-se que o actual 300 é, na verdade, um 287cc - , a potência dispara cinquenta por cento (!), de 22,2 para uns bem expressivos 33,3 cavalos. 

Este motor equipará inicialmente a topo de gama das scooters de roda alta da Piaggio, a nova Beverly Sport Touring 350, que será a evolução de um modelo já muito popular na Europa, em especial para lá dos Alpes. A par da nova motorização, a Beverly ST passará a contar com ABS e controlo de tracção (desligável), este último a limitar a alimentação quando a electrónica detecta a rotação anormalmente elevada da roda traseira, em comparação com a dianteira. 

A questão será saber se a Piaggio vai resistir à tentação de encaixar estes trinta e três equídeos noutros modelos do grupo. Como, aliás, tem feito até aqui com as cilindradas comerciais de 200cc, 250cc e 300cc. Sim, estou a pensar no quadro de aço da Vespa GTS Super.

Imaginar a minha Bianca, sem controlo de tracção, com as suas rodas de doze polegadas, com um bónus de punch de onze cavalos talvez seja um bilhete para transformar o seu condutor em passageiro. De dono que passeia a Bianca, a Bianca que passeia o dono. Uma declinação da frase publicitária Power is nothing without control. É difícil imaginar mais veneno numa maçã.




sábado, 8 de outubro de 2011

Linha Tua (V)



(continuação)

Caminhar pelas linhas de comboio exige uma cadência diferente do nosso passo comum. As travessas têm um espaçamento que se desencontra com o passo de um adulto. Uma travessa por passo é demais, o que obriga a descer e subir a cada avanço. Tal como para um ciclista que enfrenta a montanha, o segredo está no ritmo. A par da importância deste, anotem o calçado adequado para trekking.

Ignorar os avisos que proibem a caminhada também faz parte. Mesmo em carris desactivados, ainda resiste a tradicional sinalização vertical metálica  que interdita o passeio ao sabor da linha. Claro que convém estar atento a zonas de perigo efectivo, como riscos de desmoronamento ou a utilização de explosivos. Felizmente que no fim de semana em que me desloquei ao Tua, não estava em curso nenhuma manobra com TNT.




O acesso ao Viaduto e Túnel das Presas já tem um tapete de madeira central que antecipa a metáfora da auto-estrada do progresso. É um sinal de trabalhos na linha, com vista ao seu desmantelamento. Aliás, bem visível já ao longo dos primeiros quilómetros do vale, onde são vários os troços já sem carris.





Ultrapassar o viaduto a pé já não é um acto que nos faça medir ao centímetro os movimentos de pés, atentas as regras de segurança agora impostas por força do trabalho dos operários. Mas estar lá em cima é daqueles momentos em que nos sentimos vivos. Em que preferíamos que o nosso sangue circulasse a uma temperatura mais baixa.







O Túnel das Presas é relativamente curto e não oferece grande sensação de claustrofobia. Não sei se por causa dos trabalhos em marcha, o facto é que não me cruzei com nenhum morcego, embora a existência de colónias nos túneis seja frequentemente relatada.








À saída do túnel, o som do silêncio domina-nos. E só se quebra com os esparsos diálogos dos habitantes que ainda resistem ao longo do vale. Todos eles representantes tímidos de uma fauna que seguramente já foi exuberante. Imagino que o mesmo se pudesse dizer da flora. 







O aparato de máquinas amarelas junto ao rio denuncia a revolução. Embora estejam imóveis hoje, têm vindo a desenhar novas formas para este habitat natural. Esta acção humana tem um nome. E não é bonito: chama-se crime.




Esta foi uma das razões que me fez vir até aqui. Antes que as ruidosas máquinas amarelas afoguem o vale no silêncio definitivo.




 
O calor do final de Julho não convida a caminhadas. A estação quente aliou-se à curta disponibilidade de tempo para me impedir de avançar tanto quanto gostaria. Nem sequer vinha preparado com um farnel que me permitisse descer ao rio e desfrutar de uma refeição em comunhão com a natureza. Regressei, por isso, quase ao início da linha, para voltar a alcançá-la mais à frente: na Brunheda.


 


A Brunheda oferece alguns planos muito próximos do paraíso. A imagem que se segue pode materializar o conceito. Pelo menos tal como eu o vejo.   




Na forma e na cor, perpassa da imagem um cenário idílico, de rio e linha. Tal qual aqueles cenários de brinquedos construídos com abundantes peças e acessórios com que na minha infância sonhava. Tão perfeitos que quase dispensam o manuseamento pela criança. Só a simples observação já é estimulante.





A Brunheda não é um brinquedo. É real. Infelizmente estamos prestes a destrui-la, tal como todo o troço de linha para sul, pois este é o limite norte previsto para a barragem.




Foi a algumas centenas de metros daqui que se deu o último acidente na Linha, em Agosto de 2008, a última pá de terra atirada sobre o carril em par. 





















Se dúvidas ainda restassem, a tomada de vistas a sul revela a supremacia política da estrada de alcatrão sobre a estrada de ferro.








A Brunheda foi o último destino planeado desta viagem ao Tua. Em jeito de flashback, podem ver como era a vida da Linha na década de oitenta do século passado.


O azimute deslocou-se  então do Tua para o almoço, já que a manhã cheia secundarizou a necessidade do pequeno almoço, que acabei por nem tomar. Carrazeda de Ansiães recebeu-me para abastecer o estômago da Helix e, mais importante, o meu. Desse almoço retenho a quase redundância da faca. Ainda que fosse de papel não deixaria de cortar o genuíno bife mirandês que degustei em troca de oito euros.


A saída de Carrazeda assinalou o início do regresso. O calor tórrido fez-me optar por acompanhar o Douro até à Régua, estrada que para além de mais fresca é bonita. A partir daqui o plano era atingir rapidamente o Vouga até meio da tarde, para encontrar amigos que por ali deambulavam em passeio de scooters. Parei em Viseu, à sombra, para beber água e sair da A24.


Quando retomei a marcha pareceu-me ter a frente instável, o que me fez encostar. Desloquei o tronco para a esquerda, baixando a cabeça na esperança de não ver um pneu com pouca pressão. Uma rápida inspecção lateral não acusou anomalias. Tanto melhor. Retomo a estrada e entro na N16, depois de um SMS em que pedia coordenadas para o encontro. Dois quilómetros adiante sinto nova instabilidade, agora na traseira da comprida Helix. É um furo, não tenho dúvidas ! Berma da estrada. Rogo pragas ao esquecimento da garrafa anti-furo, que anda sempre na mala da Helix, excepto quando é necessária. Uma inspecção ao pneu mais atenta permitiu-me ver a dimensão do problema:





Trata-se de um Metzeler ME7, com menos de três mil quilómetros, e menos de um mês de uso (!) Fez um Lés a Lés e esta viagem. Pese embora a utilização tenha sido intensiva, com temperaturas altas e peso considerável atrás, parece-me que não chocarei consciências se disser que a durabilidade é curta. Corrijo e adjectivo: ridiculamente curta. Este pneu não é de competição, embora se desgaste como tal. A riscar em futuras aquisições.

De volta a Viseu. Viseu não. Travanca da Bodiosa. Perto de Viseu. Ligo ao Duarte que julgava estar por perto, mas estava por Aveiro. Ligo à assistência em viagem e fico a saber que o rebentamento de um pneu não dá direito a reboque. Só um acidente ou uma avaria. E o rebentamento de um pneu não é, diz-me a Logo, uma avaria. Bonito. Resta-me estabelecer contacto com alguma alma, talvez um habitante de Travanca.

Curiosamente não fiquei irritado, nem com vontade de pontapear a Helix. Simplesmente percebi que não seria um furo - mesmo que impedisse a continuação da viagem - que iria apagar o quão gratificante tinha sido o fim de semana. Lembrei-me também de uma frase do meu amigo Zé Paulo, que uma vez me disse que o melhor que lhe aconteceu em Marrocos foi ter ficado uma vez sem gasolina no meio do nada. E eu nem sequer estava em Marrocos, estava a meia dúzia de quilómetros de Viseu!  


Olhei em volta e do outro lado da estrada vejo uma vivenda. Interpelo então o senhor Ferreira. Depois de me apresentar, e de ter assistido ao habitual franzir do sobrolho que se segue à resposta à pergunta clássica "de onde vem e para onde vai (nisso)", convenci-o a fazer sair o seu Mercedes azul do quintal, em busca de um anti-furo. Não custava tentar. Regressámos então com o anti-furo comprado na estação de serviço. O resultado já estão a imaginar qual foi. Todo o ar que entrou no Metzeler tubeless saiu lenta e desoladoramente pela tela em carne viva. O que esvaziou a minha esperança de finalizar a viagem em cima da Helix. Sr. Ferreira, tenho que lhe fazer um pedido: importa-se que deixe aqui a scooter à sua guarda por um ou dois dias ? O homem encolheu os ombros e anuiu.

Faltava saber como sair de Travanca da Bodiosa: Pouco passava das cinco e meia da tarde. Ligo à minha mulher, que graças a São Google  me diz que tenho um autocarro que parte de Viseu para Lisboa às seis da tarde. O que tornava obrigatório fazer um terceiro pedido ao Sr. Ferreira, que estava nesta altura a dar uma mangueirada dominical ao seu Classe C azul. "Eu levo-o lá". A curta viagem  que se seguiu incluiu alta rotação no Mercedes, rotundas ao estilo "eu já cá estava", e as minhas unhas cravadas nas laterais do banco direito. Cheguei ao terminal dos autocarros vivo e ainda faltavam dois minutos para as seis! Obrigado, Sr. Ferreira!






A viagem parou aqui para a Helix. O autocarro levou-me tranquila e lentamente até Lisboa, onde cheguei ao cair da noite. Aproveitei para fazer um telefonema ao meu amigo Paulo Salgado que deu início a uma outra viagem. A de um pneu para a Helix que saiu, no dia seguinte, de Guimarães para Mangualde. A recolhê-lo estaria o Duarte, que me levou o novo pneu e a Helix, de carrinha, de Travanca para a oficina em Mangualde. Obrigado, amigos!

No final da tarde da sexta feira seguinte viajei até Aveiro, onde tinha à minha espera o Duarte e sua deslumbrante Lambretta Li 150 artilhada até aos dentes, acompanhados pelo restante gang de Aveiro, onde jantámos. Ceámos já em Mangualde, onde recolhi a Helix com sola nova já passava da meia noite.

A conversa ia longa, o petisco entusiasmava, e já eram duas da manhã quando me despedi e saí para casa, a solo. A noite estava clara em Mangualde, que dormia serena quando a deixei para trás. Não chegava a trezentos quilómetros e a quatro horas a distância para a minha cama. Quase nada para fechar a viagem da semana anterior. Afinal, até gosto de viajar no fresco da madrugada.

Tenho dúvidas que furar, perder o blusão e o cartão multibanco tenham sido o melhor que me aconteceu na viagem. Mas seguramente que nenhuma destas peripécias foi negativamente importante. Só abriu chavetas de oportunidades que gosto de manter abertas. O blusão apareceu, foi-me enviado intacto por correio por um habitante de Verride que o recolhera, assim como o cartão multibanco, que entregou ao balcão do Banco na segunda-feira seguinte. Que sorte que tenho. A generosidade pura dos amigos e a genuína ajuda dos desconhecidos. Que viagem.