segunda-feira, 11 de novembro de 2013

Heinkel em Montjuic





Montjuic é o parque, a montanha mágica de onde se vê a velha Barcelona e o mar. Já foi aldeia olímpica, mas também circuito. Nos anos setenta, correu-se aqui  o GP de Fórmula 1, cuja última edição teve lugar em 1975, ensombrada por um fatal acidente. As corridas de motos duraram mais onze anos, e também elas não resistiram à conjugação trágica de um circuito rapidíssimo e traiçoeiro com sérias limitações de segurança.

As 24 Horas de Montjuic em moto eram a prova motorizada mais popular em Barcelona. Correram-se entre 1955 e 1986, com vasta difusão, e chegaram a integrar o Campeonato da Europa e do Mundo de Resistência.





Nos primeiros anos corria-se maioritariamente com motos ágeis, de cilindradadas baixas, até 250cc. Incluindo scooters ! José Maria Alguersuari correu em Montjuic na sua Lambretta TV175 de todos os dias, e em 1961 participaram nas 24 Horas duas Heinkel Tourist 103 A1, com 175cc. Terminaram em 10º e 12º da classificação. É precisamente uma delas, a de Albert Pfuhl e Roland Muller, que corresponde à Tourist número vinte e seis que fechou o top ten na montanha mágica nessa edição.





Há um par de anos voltei a Montjuic e fiz quase todo o circuito a pé. Era um circuito incrível, repleto de desafios, com relevos naturais e uma chama intensa. Para pilotos com coragem olímpica.


Imagens: Peprovira e Exposição do Museu da Moto de Barcelona

quinta-feira, 7 de novembro de 2013

Django






O mercado de motos nunca foi imune às tendências da moda e design dominantes. Julgo que está até na linha da frente para influenciar esses movimentos. A scooter, como subdivisão dentro das motos, e por ser um veículo especialmente prático, que traduz liberdade individual num sentido ainda mais nítido do que outros separadores nos catálogos de motos, é especialmente sensível à influência neo retro.

O êxito que a Vespa retomou no século XXI vem muito alicerçado nessa perspectiva ligada às referências do passado. Parece fácil no papel, mas a verdade é que a Piaggio manejou esses princípios como ninguém. Fundiu essa tradição em novos produtos através da adição de aspectos pragmáticos, que representam modernidade, mesclados com referências antigas, em especial as estéticas, atribuindo-lhes muitas vezes um sentido coerente e unitário, e não de mera soma de referências.

Muitos tentaram seguir essa tendência oferecendo modelos de scooter de inspiração retro. Mas muito poucos com o impacto e sucesso desejado. 

A Peugeot, com uma tradição nas motos tão antiga que já ninguém se lembra, apresentou na EICMA 2013 um modelo de scooter que me impressionou como nenhum outro este ano: a Django.
 




A escola francesa de scooters teve alguma expressão no passado através de muitos pequenos construtores - Motobecane, Griffon e Terrot -  que, porém, nunca lograram atingir escala que lhes permitisse verdadeira expansão. A Peugeot fez parte desse contributo gaulês nos anos 50, através dos modelos S55 e S57. Foi precisamente nestes modelos que a marca francesa se inspirou para criar a Django.

   
Salvaguardando o impacto que só uma visualização ao vivo pode causar, o design da Django é uma surpresa, e surge com uma frescura difícil de antecipar de um construtor histórico mas que tem dedicado pouca atenção ao fenómeno das scooters.  

A carroçaria sublinhada pelo enorme friso lateral cromado e pelas três entradas de ar laterais nos flancos, fazem lembrar os ornamentados carros americanos dos anos 50. Mas também a forma longa da carroçaria remete para algumas scooters viajantes da mesma época, de que são exemplo algumas alemãs com aptidão turística, como as Heinkel Tourist ou a Maicoletta. Esta Django tem um desenho comprido como as alemãs, mas mais gordo, e nesse sentido podem ser encontradas semelhanças com outra francesa, a Terrot VMS2, também ela da década de 50. O impacto aparente deste desenho da Peugeot vai, portanto, em várias direccões e relembrou-me vagamente a revolução que foi a primeira Aprilia Scarabeo maior, uma scooter ainda hoje sedutora.

Voltando à Django, a traseira é personalizável com o segundo banco ou a carroçaria sport, de banco único muito bem resolvido e bagageira de desenho simples. Aliás, este último elemento estilístico é recuperado da S55, embora nesta estivesse montado por cima da roda frontal. O remate atrás está a cargo de um esguio farolim traseiro, e é também exemplar a forma como resolveram o problema dos piscas, dissimulados na linha do friso.




Os detalhes também estão presentes à frente, onde se evidencia um farol de leds com uma linha bem original, sem cair na tentação do barroco. A instrumentação é menos audaz, um misto clássico da inspiração automobilística de meados do século XX, com um grande centro de contornos rectos com a informação em LCD. Os espelhos são distintos e originais.

E a mecânica ? Estão previstos motores pequenos, e esse talvez seja o seu maior pecado. Capacidades de 50, 125 e 150cc representam uma oferta curta, que faz suspirar por motores na gama entre os 200 e 300cc, disponíveis no banco de órgãos das scooters Peugeot. Talvez o volume e porte da scooter tivesse que ser corrigido, mas valeria a pena tentar, porque o desenho é demasiado bom para ficar por aqui.



 


Seguindo uma tendência do mercado já muito em voga nos automóveis,  que apela à personalização quase infindável do produto, a Peugeot propõe 118.000 (!) configurações possíveis, numa tentativa de proporcionar scooters únicas à saída da fábrica. Sinais dos novos milhões de mercados de dúzias de pessoas, que lentamente substituem o paradigma das antigas dúzias de mercados de milhões de pessoas.

Imagens: Peugeot

  

terça-feira, 5 de novembro de 2013

Segunda Primavera na Vespa




 
O Salão de motos mais importante do ano para construtores europeus, e até mesmo para alguns asiáticos, é a EICMA. Em Novembro de cada ano, as marcas acotovelam-se num espaço gigantesco em Milão para causar impacto com as suas novidades. É fundamental para as marcas deixarem uma boa primeira impressão junto do público e da imprensa internacional com os novos modelos. Porque é aqui, por um lado, que se lançam as novidades comerciais que importam para o ciclo de vendas do ano seguinte. E, por outro, é também na EICMA que se afere o capital de vitalidade de uma marca, pelo número e qualidade dos modelos novos que exibe.
 
A Piaggio lança como novidade no seu braço Vespa a Primavera, um nome clássico dos anos 70. Mantém, por isso, a receita revivalista pelo menos na designação. Prefiro nomes a números e siglas. Esta Primavera partilha apenas o nome clássico com a antecessora, já que é uma scooter automática, assumidamente a cumprir o caderno de encargos pragmático do século XXI.

Ainda não se sabe ao certo se a Primavera substitui a LX ou a S, ou se vai coexistir com estas. Mas é clara a inspiração da nova Primavera no desenho de alguns pormenores da exclusiva 946, que tem um porte semelhante. Os balons mais elegantes do que os da LX, e linhas menos suaves, com um vinco simulado no avental por uma grelha próxima da 946, são alguns dos pormenores perceptíveis pelas poucas imagens oficiais que a Piaggio libertou. Mas há também inspiração na GTS Super, pois o desenho do banco e pega traseira são idênticos, embora em escala reduzida.

O desenho não parece ter nada de revolucionário, nem de especialmente entusiasmante. Julgo que funcionará mais como uma scooter que capitaliza alguns traços do estilo lançado com a 946, mas a um preço que pode ser entendido pelo mercado como razoável. Em relação à muito bem sucedida LX - de cujo desenho nunca fui adepto - parece-me, do pouco que ainda foi divulgado, um traço mais feliz e equilibrado, embora não apaixone.
 
As mecânicas anunciadas são de 50cc, ciclo dois e quatro tempos, e também os recentes 125 e 150 cc de três válvulas. Alguma discussão ainda subsiste sobre a dimensão das rodas, que se pensa que serão de onze polegadas. Amanhã o espaço virtual estará cheio de imagens da Primavera, o que trará nova luz sobre esse detalhe.
 
A Piaggio está a dar grande publicidade aos números e ao crescimento que tem atingido consistentemente na última década. Em 2004 - ano do lançamento da série GT(S) - a Vespa vendeu 58.000 scooters. Em 2012 vendeu 165.000, e 2013 vai ser melhor, com os resultados dos mercados orientais a contribuirem cada vez mais para essa expansão. Modelos como a Primavera serão, na óptica da Piaggio, fundamentais para consolidar este crescimento. Goste-se ou não da Primavera e desta estratégia, a verdade é que não há muitas marcas de motos a crescer a este ritmo em época de crise aguda na Europa e EUA. 
 
imagem: Piaggio