domingo, 31 de janeiro de 2010

Leveza Alada do Viajante - Serra da Estrela



Não sou um solitário mas preciso, a espaços, de solidão. Estas trinta e seis horas serviram-me para me despojar de algumas preocupações quotidianas, para me suspender de algumas funções.

Como quem cumpre um ritual, aproveitei para me dedicar a duas das actividades que mais me dão paz e carga à bateria: fotografar e deslocar-me de scooter.

Na véspera, à noite, peguei no mapa em papel e decidi o alvo: Serra da Estrela.

Felizmente, fora de épocas festivas ou de fim-de-semana, a Serra está soberba. Já nevou mas a neve não incomoda na estrada. Não se vislumbram turistas ou curiosos. Apenas alguns praticantes de esqui dispersos nas pistas na Torre.

Esta conjuntura feliz permite-me fazer o que mais gosto, sem incomodar nem ser incomodado. Parar, recuar, subir, descer. Por vezes também avançar. Fotografar e respirar. Sair da estrada, galgar o monte para sentir a paisagem de outra perspectiva.

Como é diferente o ar que se respira aqui. Apetece-me abraçar-me aos pinheiros e agradecer a quem marcou este caminho pedestre a tinta vermelha.

Estou no meu bosque preferido, para mim um lugar mágico, o mais belo de toda a Serra. Felizmente pouco conhecido e ainda menos concorrido. Nas Penhas Douradas. Emociono-me sempre aqui.

A Vespa guiou-me, sinto-me leve, não dou pelo frio e as botas de montanha não me pesam. Secretamente, peço à minha memória que se encarregue de escolher bem a sucessão de imagens que vai guardar…










quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

Lastros de Chumbo



De repente tenho trinta e seis horas livres, arrancadas a ferros, sem compromissos de qualquer ordem.

Estamos em Janeiro, em pleno inverno, entre frio insistente, nevões e até pequenos furacões por terras pouco habituadas a estes rigores. Alivia-me saber que os furacões estão ausentes da carta meteorológica que acabo de consultar.

Imagino-me de imediato a noventa à hora, mesmo que com uma chuva miúda, com as mãos firmes em cima do guiador da Vespa, desenhando linhas secas atrás das rodas. À espera que o vento, que se desvia ao bater-me no peito, me esvazie suficientemente das más rotinas quotidianas, daquelas que nos consomem energia sem nos dar nada em troca.

É desse lastro de chumbo que vou aproveitar para me desligar nas próximas trinta e seis horas. Levo comigo a Nikon e tenho uma vaga ideia do meu azimute. Então, até já... Vamos, Vespa?

domingo, 17 de janeiro de 2010

O Futuro. Há 60 anos.




Este anúncio da Bohn Aluminium and Brass Corporation data de Setembro de 1947. É um dos últimos em que a companhia apostou para mostrar a sua visão dos equipamentos de vanguarda que poderia produzir.

A Bohn era uma companhia norte americana dinâmica que acreditava num futuro em que as ligas nobres, como o alumínio e o magnésio, inundariam a tecnologia americana. Na indústria naval, automóvel, aeronáutica, ferroviária, mas também em objectos do quotidiano americano. De um carrossel a um frigorífico.

Para projectar essa imagem de inovação e solidez lançou mão de uma poderosa e criativa campanha publicitária, nos anos 40, com ilustrações futurísticas que eram, elas próprias, toda uma visão de um futuro que nunca se chegou a nós. Em certo sentido, é pena que muitas das ideias avançadas na campanha não tenham ultrapassado o suporte de papel das ilustrações de Arthur Radebaugh. Com o distanciamento de 60 anos, imagina-se como teria sido excitante levar à prática alguns dos conceitos então explorados.

A única ilustração conhecida de Radebaugh que tem como tema uma moto é um conceito híbrido com vários elementos que podemos atribuir a uma scooter de grande porte. Estrado para os pés, alguma protecção para as pernas, rodas semi-carenadas. Se esquecermos os desajustados pneus de automóvel, trata-se de um design que, ainda hoje, faz sonhar.

sexta-feira, 1 de janeiro de 2010

Utopias Urbanas



Com menos de seis meses em vigor, ainda é cedo para medir o impacto estrutural da transposição da directiva das 125 em Portugal. Numa cidade como Lisboa vêem-se mais motos e scooters desta cilindrada, mas é difícil ter uma percepção exacta da extensão dos ganhos por mera observação de rua. Essa foi uma das razões pelas quais se inventou a estatística e os primeiros dados apontam para um forte impulso nas vendas do segmento em causa.

Pela primeira vez na história, o Top 6 das motos mais vendidas no nosso país é composto exclusivamente por 125cc. O curioso é que destas seis apenas duas são scooters. Esta tendência não se verificou em nenhum outro país da Europa que beneficiasse de legislação semelhante.

Há quem interprete estes dados no sentido de o consumidor estar a adquirir menos com a razão e mais com o coração, optando por motos tradicionais em vez de scooters, sendo que estas são, teoricamente, mais práticas em circuito urbano. Não sei se a leitura é acertada, mas não me espanta que haja um fundo de verdade nessa ilação.

Embora talvez seja abusivo e perigoso extrapolar – quase todas as 125cc são utilitárias – não podemos escamotear que, genericamente, o cidadão português médio tem especial atracção pela ostentação de veículo próprio, de preferência de marca e estatuto suficientemente sonante para impressionar o vizinho. Porque não haveria de ser assim nas motos ?

Pensando nisto, há dias li no Público uma notícia que dava conta do sucesso da implementação do programa de automóveis partilhados Cambio, em várias cidades da Bélgica. Trata-se de uma ideia para a mobilidade urbana que merece atenção.

Em traços gerais, contra o pagamento de uma taxa mensal de quatro euros recebe-se um cartão electrónico que permite ao utilizador alugar um automóvel por telefone ou internet, vinte e quatro horas por dia, sete dias por semana, pelo tempo que quiser. Pode optar-se por centenas de automóveis, de várias gamas, disponíveis em parques específicos (em Bruxelas são mais de cinquenta) junto a paragens de metro ou autocarro da empresa de transportes de Bruxelas, proprietária da Cambio.

Ao que parece, os preços do aluguer começam nos dois euros por hora, vinte e três euros por dia, ou cento e quarenta por semana, sem qualquer outro encargo. O cartão dá acesso ao veículo reservado e a chave acciona o sistema que (des)bloqueia o estacionamento em local próprio. Com este programa, prosseguia a notícia, muitos belgas já haviam optado por vender o seu automóvel próprio, decisão que não espanta para quem do automóvel faça um uso residual.

A verdade é que o conceito tem potencial. Talvez pareça utópico e pouco consentâneo com a tal mentalidade portuguesa, mas façam este exercício: imaginem o conceito Cambio aplicado numa grande cidade lusa. Sim, com muito menos dinheiro envolvido. Em vez da partilha de automóveis, imaginem a partilha de scooters…