sábado, 26 de novembro de 2011

Na Terra da Guitarra



Em Sevilha, a pretexto de voltar a ver o Mestre em formato trio, com a inesperada surpresa de ter sido encantado por fantasmas. Arrepiei-me e emocionei-me mais do que as vezes que consegui contar no Teatro de La Maestranza, belo palco Andaluz.

Não me lembro de aqui ter estado antes. Talvez durante a minha infância aqui tenha vindo. É difícil sentir que nos falta a quem perguntar. A chuva só deu tréguas no fim do concerto, caiu grossa durante todo o fim de semana. Mas esteve muito longe de nos estragar o programa.



Na Andaluzia petisca-se com prazer e qualquer hora serve para estar na rua a conviver. Circular de scooter pela cidade também faz parte do cardápio sevilhano. 











Estreei uma nova máquina digital de bolso em Sevilha. O ecrã LCD da minha velha Nikon L16 correu a cortina negra. Mas fê-lo de pé, pois ainda cumpriu a sua função no Brasil. Tenho que lhe agradecer o facto de me ter feito retornar à também estranha sensação de voltar a fotografar sem ver o resultado imediatamente a seguir. Só que sem sair do digital, e sem ter sequer um visor, por pior que fosse, para enquadrar a fotografia. E como eu gosto de um bom visor óptico. 


Até foi um divertido exercício no Rio. Correu espantosamente, obrigando-me a cálculos adicionais imaginativos para acertar a forma de maço de tabaco e rezar para que, do outro lado, o objecto fotografado estivesse focado, dentro do corte que tinha imaginado e à distância pretendida. Não se perderam imagens importantes e também é reconfortante perceber que conseguimos ultrapassar estas pequenas contingências com um pouco de imaginação e adicionar-lhe ainda divertimento. 


Registar imagens fixas é um dos meus hobbies de eleição. É verdade que se perdeu alguma da magia ao passarmos da química para a electrónica. Aliás, a química é magia. Mas as possibilidades essenciais para um fotógrafo continuam lá, e até temos novas.


Encanta-me fotografar com um bom corpo pesado e regular manualmente todas as variáveis do desafio. Mas também me dá gozo retirar tudo o que uma pequena e básica câmera fotográfica de bolso tem para dar. Ser fotógrafo amador no momento actual é um privilégio. É inacreditável a qualidade que se consegue extrair até de uma pequena câmera.


Escolhi uma Fuji AV200, penso até que era a mais barata da loja. Custou-me cinquenta e três euros. Leram bem, cinquenta e três euros. Tem um sensor de uma dimensão inimaginável há sete ou oito anos atrás, e produz ficheiros com cerca de cinco megas, cuja qualidade reduzi substancialmente para inserir no blog. Mesmo assim, reparem nesta imagem.




quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Sobre o Rio





O Rio de Janeiro foi, para mim, uma janela que se abriu fora de época. Julgo, no entanto, que qualquer altura do ano é adequada para conhecer os cariocas no seu ambiente. O pulsar da cidade maravilhosa faz-se entre morros e oceano, entre florestas e lagoas, entre edifícios coloniais e torres de cinquenta pisos. É uma tarefa que se leva ao ritmo de bossa nova, de um pagode ou de um samba, entre gargalhadas francas, entre amigos. Enquanto se bebe um suco de um fruto tropical desconhecido, ou se sobe no trem ao Cristo redentor. Ou seja, a vida flui com empatia. 

Como é fácil adivinhar, a viagem ao Rio foi muito mais do que scooters. Tivemos o privilégio de contar com a companhia, o entusiasmo e a disponibilidade dos nossos amigos Leo Dueñas - autor do blog Motonetas e Afins - e Rafaela, que nos ajudaram a afinar uma fotografia mais nítida, mais real e completa do que é viver (n)o Rio. Aliás, agradecer-lhes só será verdadeiramente possível se pudermos retribuir  em Lisboa.




Porém, este foi um encontro que seguramente não ocorreria se as scooters não simbolizassem um entusiasmo comum. E é este ponto de partida que tantas vezes aprecio nesta paixão pelas máquinas. Arrancar daqui, das scooters, para outros universos diferentes, simultaneamente enraizando amizades e enriquecendo-nos como indivíduos, acumulando experiências novas e gratificantes.  




Sendo este um blog que se centra na temática das scooters e das viagens através delas, não é alheio às soluções de mobilidade nas cidades. E como é o Rio neste aspecto ?

A cidade do Rio abriga seis milhões e meio de almas, onze milhões na área metropolitana. Dependendo das zonas, uma viagem de vinte quilómetros no Rio de Janeiro facilmente dura duas horas num veículo de quatro rodas.


Apesar disso, são escassas as scooters que vemos na rua. E dentro desta espécie rara, a probabilidade de ver uma clássica a circular é pouco maior do que a de encontrar um dinossauro no Corcovado. O que é ainda mais extraordinário se pensarmos que a Vespa produziu scooters no Brasil, através da MotoVespa. E que a Lambretta também teve fábrica por aqui.
 
É por isso que é tão meritório e respeitável o carinho que o Leo Dueñas dedica a esta causa, esforçando-se por não deixar morrer a cena scooterística clássica no Rio.


É muito fácil para mim, ou para qualquer lisboeta, aderir a um clube, no meu caso com décadas de história e participar e usufruir dos eventos, quando tudo está bem rodado e organizado, em velocidade de cruzeiro. No fundo, beneficiar do trabalho de quem dedica parte do seu tempo livre à vida do clube, para que os seus sócios desfrutem das suas scooters nas suas várias valências.


Muito mais difícil é vencer a inércia desde parado, erguer do zero uma confraria Vespa numa cidade como o Rio, o que implica plantar de raiz e esperar que floresça, sem a certeza de que vá crescer. Apesar do clima e da proximidade da maior floresta urbana do mundo...


Esse mérito pela persistência pertence ao Leo, e a alguns dos seus divertidos e entusiastas confrades que tive oportunidade de conhecer no Baixo Gávea, onde foi possível reunir três PX200S brasileiras. O número de Vespas com punhos rotativos aqui é inversamente proporcional ao nível do entusiasmo dos seus proprietários.














O único verdadeiro templo das scooters clássicas no Rio é esta oficina, na Rua do Ceará, visitada em dia de descanso, e fotografada do lado de cá das grades.




Conhecida entre os fiéis entusiastas como Oficina do Careca, desfilam por aqui algumas espécies clássicas destinadas aos mercados sul americanos. Por vezes também flutuam pela oficina, e não vos falo em sentido metafórico, uma vez que o espaço é vulnerável a inundações, já que se situa na zona mais baixa da cidade.







Mas existem motos. As bem conhecidas CG125 da Honda e várias trails de baixa cilindrada são as preferidas dos cariocas, limitados a máquinas produzidas no Brasil. A razão é simples: o condicionamento industrial que beneficia quem ali tem fábricas, impondo um garrote fiscal aos produtos importados, como por exemplo a Vespa GTS Super 300. Esta - tal como qualquer Vespa actual - custa uma exorbitância que, aparentemente, só a classe alta pode e está disposta a pagar.


Entre as scooters, algumas Burgman 125, Honda Lead, e várias Dafra Citycom 300, que eu próprio, involuntária e modestamente, acabei por ajudar a semear no Brasil, com um muito visitado teste de longa duração à original SYM Citycom 300, pouco antes do seu lançamento no Brasil sob a chancela da Dafra.


E as PX200 brasileiras ? O Leo entregou-me uma Vespa de corpo e alma, autêntica. Tem alguns detalhes curiosos e distintos, de que é expoente máximo  o farol em rectângulo ligeiramente abaulado, que tão bem a identifica, e que é justamente símbolo da Confraria Rio Vespa Clube. Mas também o completo e rico painel de instrumentos ou o banco se demarcam em pormenores que os especialistas se dedicam a identificar, como nos desenhos para descobrir diferenças. 








Na estrada, a PX200S brasileira é uma PX200. Nas mãos, tudo é familiar, nada a distingue de forma evidente de uma europeia. O exemplar do Leo está praticamente imaculado, uma scooter em estado original sem restauro e com menos de uma dezena de milhar de quilómetros.








Nada está fora do lugar, não há folgas anormais, nem desvios à originalidade verde amarela. A embraigem é suave e deixa-nos libertar força para as rodas apenas na medida em que dela precisamos. As mudanças trocam-se sem falhas. O motor responde sem soluçar nem evidenciar especial preferência por bandas de regime demarcadas. Mesmo em ambiente urbano, o único que tive oportunidade de experimentar, é bem notado o acréscimo de disponibilidade face, por exemplo, às 150cc. Resulta melhor e mais fácil até no tráfego, sendo simultaneamente divertida. Para mim, estaria melhor com  outro amortecimento à frente, mais firme. 




A única nota insuficiente ocorre-me na hora de travar e de recorrer ao preguiçoso tambor frontal. Em andamento vivo, convém ter na ponta da língua uma prece ao Cristo redentor. Para os ateus, usem-na como o Leo. Calmamente, gozando a brisa, do Leme a Copacabana pela Avenida Atlântica, Ipanema e Leblon até à Gávea, para um chopp no Hipódromo, berço da Confraria Rio Vespa Clube. Fazê-lo é um bom começo para sentir e perceber por que motivo o Rio é a cidade maravilhosa.



Imagens nº 7 e 14: Leo Dueñas

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Quarantasei



O segredo foi bem guardado pela Piaggio, e as imagens da Quarantasei só saíram às portas da EICMA 2011. É um protótipo de Salão, com os genes do modelo primitivo, que saiu do lápis de Corradino D´Ascanio para se tornar um objecto em 1946. No constante lastro de homenagem que cada Vespa nova carrega sobre si, esta tem responsabilidades um pouco diferentes: apenas mostrar e sondar os caminhos do futuro próximo. Como todos os protótipos, é leve e livre. Não precisa de vender, de ser prática, nem sequer de andar. Basta-lhe alimentar o sonho da eterna recriação.  

Imagem: Piaggio