quinta-feira, 31 de março de 2011

Um Fiasco com Estilo - Honda Juno



Reconhecido como alguém que sempre estimulou ideias frescas na sua empresa, Soichiro Honda criou e dirigiu os destinos da Honda Motor Corporation obstinado com a oferta de produtos tecnologicamente muito avançados, de grande rigor do ponto de vista da engenharia, mas que simultaneamente fossem acessíveis ao maior número possível de clientes. O que, parecendo pouco dito assim, está longe de ser simples.

Soichiro foi um visionário, chancelando com a sua argúcia inúmeros exemplos de peças de engenharia sublimes, quer em competição, quer na produção de automóveis e motos. A outra face desse seu vinco de personalidade era a sua lendária teimosia, dando o seu aval a máquinas que vieram a revelar-se fracassos do ponto de vista comercial, e a boas ideias que acabaram por não funcionar na prática. Um desses (raros) exemplos foi a scooter Honda Juno.

Em 1954 surgiu o primeiro modelo, a Série K, que ostentava uma silhueta original e imponente, com detalhes opulentos como um ecrã gigantesco, complementado por um deflectror que também  funcionava como pála, ou as laterais em lágrima pronunciada, com  vincos compridos que albergavam os piscas traseiros encastrados na carroçaria. Julgo que existirá alguma inspiração na indústria e imaginário norte-americanos dos anos 50. Talvez um prenúncio do ataque bem sucedido áquele mercado pouco mais de uma década depois.


Lendo de relance a ficha técnica, os números não impressionam especialmente. Para além do raro arranque eléctrico, a propulsão era garantida por um cilindro em ciclo quatro tempos, que disponibilizava sete cavalos e meio para a primeira versão de 189cc., e nove para a segunda, de 220cc. Uma caixa de velocidades com três marchas não permitia velocidades muito acima dos 70 kms/h, sendo que a massa a deslocar oscilava entre os 160 e os 195 quilos, consoante as versões K, KA e KB. 

Pesada, lenta e com problemas de sobreaquecimento frequentes, era cara de fabricar. A Honda importava dos EUA a matéria prima com que produzia os painéis da carroçaria, num inovador plástico reforçado com poliester e fibra de vidro (FRP). As dificuldades inerentes à produção de um veículo avançado e  um preço alto ditaram uma curta vida nas linhas de montagem, cerca de um ano e meio e menos de seis mil unidades produzidas.

Hoje, a Série K é lembrada como um útil laboratório de novas experiências, campo fértil de aprendizagens ou, noutra perspectiva, como uma excentricidade.




Em 1961 a Honda fez uma nova abordagem ao nome Juno, exibindo uma scooter sem ecrã, de linhas mais convencionais, mas com um motor de dois cilindros boxer (!), com as cabeças dos cilindros destapadas. O bicilíndrico boxer debitava doze cavalos, o que lhe permitia lançar a Juno M Type até a uns bem respeitáveis 100 kms/h.  

Em vez dos exóticos painéis de fibras compósitas da primeira Juno, a Série M vestia-se com os então mais vulgares chassis monocoque em aço. Este modelo estreou a transmissão hidráulica-mecânica automática com patente italiana da Badalini, que a Honda desenvolveu, procurando novas soluções que promovessem o conforto e a facilidade de utilização.

A Série M teve um sucesso comercial semelhante à Série K, o que faz de ambas verdadeiras raridades. Encontrar hoje uma Juno à venda é tarefa para quem tenha paciência de chinês. Se não consegue resistir às scooters Honda mais bizarras, recomendo a CN 250. Eu não consegui resistir...   

imagens e anúncio publicitário: Honda

quinta-feira, 24 de março de 2011

Branca de Neve (III)



À medida que o inverno se vai afastando no calendário, o corpo começa a pedir menos peso para se aquecer.

Aparentemente este fim-de-semana fez cair o pano sobre o rigor climático na zona inferior da escala de mercúrio.

Domingo e Segunda estive no Porto a trabalhar. Mas da janela do meu quarto de hotel, na baixa da invicta, dediquei dez minutos do meu tempo a contemplar o movimento do fim de tarde, enquanto a luz em tons de terra se ia colando aos edifícios que descem até ao Douro.

Cá em baixo, alaranjada pelo calor da réstia de luz horizontal, reparo numa Super trezentos branca. Podia ser a minha. Apercebo-me então que sinto já longínqua a ida à gélida Serra, de onde me cheira a cinzas, já não a brasas. Sabe-me bem, por isso, voltar ao álbum da neve para decretar o fim do inverno.





















quinta-feira, 10 de março de 2011

Interrogações da Arte

Fotografia de Jurgen Rosner


Da autoria de Stefan Rohrer, esta peça está actualmente exposta na Feira Internacional de Arte de Karlsruhe. A localização da Feira pode parecer uma provocação, pois trata-se do berço da arqui-rival Heinkel. Detenho-me, porém, no significado da peça, sem que nada tenha lido sobre o que dela disse o seu autor.

Aparentemente pode sugerir um caracol, mas talvez a ideia de espiral também se adeque. Se assim for, a espiral empurra-me para a ideia de velocidade, por oposição à lentidão do caracol. 

Ou talvez para a ideia de círculo, de pretensão do movimento perpétuo, em si mesmo perfeito. 

Ou de eterna viagem. A Vespa em si mesma uma viagem, ou como instrumento da viagem. Onde o fluxo partida-chegada se confunde no e com o próprio círculo. Que não é perfeito, pois como sabemos... a Vespa tem os seus defeitos. 

Ou...

segunda-feira, 7 de março de 2011

Branca de Neve (II)




O projecto era o de empreender uma viagem de quase trezentos quilómetros em scooter, numa gélida noite de inverno. A solo. Ao encontro de uma serra cuja estrada de acesso poderia estar coberta de um manto branco de neve: é o Vespa Clube de Lisboa na Serra da Estrela!

A previsão meteorológica era de forte nevão a partir das dez da noite de sexta-feira. Fazendo fé nos sites de meteorologia, teria que sair de casa pelas sete e meia, sob pena de ser obrigado a improvisar uma solução de recurso para pernoitar na Covilhã.

Sucede que só rodei a chave de contacto na garagem pelas oito e meia. O que implicou fazer figas para que a Helix suportasse trezentos quilómetros a fundo. E acreditar que os flocos de neve não se abateriam sobre a serra antes das onze da noite.

Passando pela Gardunha, uma estranha chuva que teimava em não escorrer pelo ecrã distraía-me. Mas ajudava-me a esmagar os últimos quilómetros até à Covilhã. Aqui, no sopé da Serra, e enquanto esperava o verde num semáforo, percebi que já não escaparia a uma subida difícil. Começava a nevar na Covilhã.

A minha preocupação era subir em segurança, mas em bom ritmo, tentando apanhar a estrada ainda aberta. Passei pela placa que indica o status das estradas, junto ao início da rampa que conheço bem, pois faço-a a pé com frequência aquando da Rampa Internacional Serra da Estrela. Nada como conhecer um caminho a pé! Esta leitura do terreno permitia-me antecipar o trajecto no meio do nevoeiro e da neve cortada, com flocos cada vez mais numerosos. Ajudava-me o tracejado central e a linha lateral, mas apenas quando as via...

Junto ao Sanatório passou por mim uma alma. Conduzia o limpa-neve e descia demasiado embalado para a minha percepção das condições da estrada. Desviei-me o mais que pude, ele passou pelo meio de faíscas emanadas pela pá de limpeza, enquanto eu procurava manter-me direito e em cima dos trilhos onde ainda tinha alguma tracção.

Fui descobrindo que abaixo dos 30-35kms/h não conseguia ter um nível de aderência mínimo, nem equilibrar-me devidamente, pelo que me esforcei por manter esta cadência regular. Cheguei finalmente à Pousada nas Penhas da Saúde, sem tombar a Helix, o que encarei como uma bem sucedida  primeira experiência na neve.

Estacionei no parque exterior junto à Heinkel do Rui, já esbranquiçada em cima do atrelado. A imagem da Heinkel em cima de duas rodas que não as suas foi a metáfora perfeita do fim de semana. Retida sem pisar alcatrão, amarrada pelos esticadores ao atrelado. Assim estivemos nós, presos à pequena urbe das Penhas da Saúde, com a estrada intransitável até à manhã de domingo.

A conversa ficou em dia, conhecemos novas caras e revimos velhos amigos. A gastronomia e a beleza natural do manto branco cobrindo a Serra reconfortaram-nos. Mas a neve e o gelo calaram-nos os motores. Menos estrada: mais fotos.