domingo, 25 de outubro de 2009

Elogio da (Des)organização - ScooterPT Camping

 


 




O Scooterpt Camping teve lugar no final de Setembro, no Outeiro do Louriçal, e continua a ser um acontecimento sui generis. Talvez seja o único evento no calendário que, ultrapassando a dúzia de participantes, não tem o mais pequeno esboço de programa. É isso que o torna tão espontâneo e genuíno. É uma espécie de “jam session”. Cada um constrói o seu programa ao longo do dia, com o grau de improviso com o ponteiro no máximo, quase encostado ao livre arbítrio puro. Claro que uma (des)organização destas tem limites. Esse limite tem rosto, chama-se Paulo Salgado & Family. Colocam na ordem o grelhador e asseguram que nada faltará de essencial. Organizam para que outros se dêem ao luxo cada vez mais raro da desprogramação.


Provavelmente o Camping não poderá funcionar nos mesmos moldes se crescer muito mais. Mas enquanto se mantiver assim, este Woodstock dos encontros de scooters vai sendo imperdível.

sábado, 17 de outubro de 2009

Culto da Vibração - Lambretta SX 200

 


 


 

 


 


Comecemos por uma declaração de interesses: a Lambretta SX 200 é uma scooter que me hipnotiza. Desde o ano passado, quando para ela olhei pela primeira vez com a atenção que merece. Até já dei por mim a imaginar-me na Itália dos anos 60, a espremer aquela inesgotável terceira velocidade, entre os carvalhos, na bela estrada de serra que liga Bologna a Firenze…


Imagino-a frenética, com apetite pela rotação, orgânica, vibrante. E branca com estofo vermelho. Tal como este exemplar que o incansável Paulo Salgado colocou, com fé, nas minhas mãos, trazendo-a de propósito de Guimarães para o Tamanco – obrigado, Paulo!


Em Janeiro de 1966, quando a SX 200 viu a luz do dia, não havia no catálogo da rival Vespa um modelo directamente concorrente no degrau das duas centenas de centímetros cúbicos. Sim, podia comprar-se uma rápida 180SS (´64-´68), mas ainda estávamos longe da mais completa Rally 200 (´72-´79).


Como todas as Lambrettas tardias, é muito mais do que uma Vespa fininha. Esta Special X 200 (também existiu uma versão 150) era o topo da gama Innocenti, com sensíveis e contínuas melhorias mecânicas face à experiência anterior com as TV e Li, mesmo durante a sua curta produção de três anos. É uma scooter com muita atenção nos detalhes. Embora conjugue com harmonia a simplicidade e a sofisticação, não deixa de ostentar com vaidade alguns pormenores exclusivos e arrebatadores que ajudam a vincar-lhe a personalidade. De entre eles, salta à vista a grande seta estilizada no balon lateral, um prenúncio da sensação de movimento para que nos transporta quando para ela olhamos de perfil. Se seguirmos a scooter com o olhar, do início do banco até ao farolim traseiro, respiramos velocidade! E ainda está parada à minha espera…


Exortado a sentar-me no duríssimo banco rubro, convenço-me a parar de a contemplar estática. Como boa clássica que é, estranhou logo a minha ausência de intimidade ao rodar o motor com o kick starter. Balon fora. Um rápido acerto de carburação pelas mãos certas e o dois tempos ganha vida num som estridente que arrepia. A vibração que o bicho transmite em cima do frágil descanso é um aviso que levo a sério.


Contava com uma embraiagem dura e difícil, mas encontrei o inverso. O arranque é surpreendentemente suave, se assim quisermos que seja. A selecção das relações de caixa no punho esquerdo também resulta fácil e fluida, muito mais do que, por exemplo, na Heinkel Tourist 103A1. Apesar disso, a SX não foi feita para ser guiada a 30 quilómetros/hora. Não que o motor se sinta anémico, embora também não seja redondo. Mas se o levarmos assim por algum tempo irá mostrar-se irascível, com soluços e solavancos que prometem sufocá-lo se não lhe enchermos o Dell´Orto com néctar.


Assim que a estrada se me depara livre experimento pegar algum fogo à peça, explorando outros territórios sensoriais. Estico a segunda e o empurrão obriga-me a agarrar com decisão os dois punhos. Clank, terceira. O som do dois tempos é inebriante, a agulha do velocímetro italiano salta, em esticões alucinados, entre os 60 e os 110kms/h, a scooter vibra como uma cana de pesca com isco mordido. A terceira é longa… Ainda vou em terceira. Ainda está a subir regime, mas começo a temer pelo grupo térmico e clank!, quarta! Ainda não vejo o fim da longa recta, o motor grita-me ao ouvido e ainda está a reclamar mais ar, mais gasolina, mais velocidade. Nesta altura juro que me enganei a ler a ficha técnica, não pode ter só 11cv às 6200rpm. Entretanto vem-me ao espírito que a SX tem travões de tambor. Como serão eles a esta velocidade ? Pois, são bastante macios, em total contraste com a agressividade do motor. Na realidade, são abrandadores. Confesso que também não me adaptei convenientemente ao travão traseiro, demasiado à esquerda na plataforma e “fora de pé”. Felizmente que a caixa é intuitiva no trato e o travão-motor uma delícia, bem ao meu gosto, livre de inércia. O amortecimento é também muito brando à frente e apenas regular atrás, embora se possa considerar suficiente se atendermos ao contexto histórico. Em curva não perde a compostura, desde que não seja necessário o recurso ao travão frontal. Os pneus contemporâneos montados nesta SX ajudam – e muito - a disfarçar as naturais insuficiências neste capítulo.


Em suma, é uma scooter pouco comum, belíssima, de forte temperamento e de divertimento garantido na estrada, um valor seguro. Apesar disso (ou talvez por isso…) é muitíssimo provável que nenhum dos 20.783 exemplares construídos da Special X 200 venha a figurar na minha garagem, probabilidade que lamento. A raridade deste modelo e a sua procura no mercado casam com uma cotação alta, e a sua manutenção também é exigente no contexto das scooters clássicas. Estas são características que reputo como suficientes para me manter afastado da corrida. Não, não terei uma. Mas… vibrei numa!


domingo, 4 de outubro de 2009

Caos em Atenas




Paro no semáforo vermelho junto à Praça Syntagma. Ao meu lado começam a imobilizar-se outras scooters ou motos utilitárias. Em pouco mais de um minuto, cerca de uma dezena e meia de motos planta-se à frente da primeira fila de automóveis. Quando cai o verde já três scooters arrancaram, embora o façam ainda sob o vermelho. Finalmente arranco. Abro o acelerador sem rodeios, o variador faz o seu trabalho e a scooter vai avançando decidida deixando uma nuvem de fumo branco atrás de si. Em menos de quarenta metros, e com uma dois tempos de 100cc, já fui ultrapassado por metade das motos e scooters. Pela esquerda e pela direita.

No meio do caos há uma ordem e já vou aprendendo a lidar com ela. Os mandamentos de um scooterista neste território são simples: não abrandes nem aceleres bruscamente, não mudes de direcção de modo inusitado e imprevisível, mantém o teu rumo e ritmo que todos te passarão em segurança. Pelo menos aparente. Bem-vindos a Atenas de Scooter !

Definitivamente não é a cidade mais adequada para quem se sinta inseguro em duas rodas. Fiz questão de experimentar neste regresso a Atenas por dois motivos. Porque não me atrevo a alugar um carro aqui por ser evidente a sua inutilidade. E porque, apesar do risco calculado, me pareceu tentadora a experiência. Sobretudo queria perceber até que ponto este tráfego colossal se distingue, em termos de regras práticas no terreno, de outras grandes cidades como Roma ou Barcelona por exemplo. A conclusão a que chego é que dificilmente são comparáveis.

Desde logo porque os gregos têm uma altíssima taxa de incumprimento das mais elementares regras de trânsito, como nunca vi na Europa. A começar no obrigatório uso do capacete, cerca de metade dos condutores ou não o usam, ou levam-no no cotovelo. Quando levantei a scooter tive que pedir um, porque o funcionário não mo daria se o não pedisse. Um sentido proibido é desrespeitado com enorme facilidade, ninguém pára numa passadeira, é muito frequente ver motos a circular nos passeios perante a passividade da polícia, não se vê quem respeite limites de velocidade.

Depois porque o volume de tráfego e o número de motos é substancialmente maior do que nas cidades que atrás referi. Pode parecer exagero, mas o trânsito aqui, em termos de regras e volume, talvez seja mais parecido com uma grande cidade no Vietnam do que com uma cidade como Lisboa.

Por último, aqui quase só se vêem motos utilitárias e isso depõe a favor dos gregos. A moto não é encarada como um indicador de status. É apenas um modo prático de resolver o problema da mobilidade. Quase todos os atenienses têm nem que seja uma pequena scooter. É muito raro encontrar uma sem marcas claras de uso intensivo e descuidado. O que tem também uma outra implicação importante: uma larga franja dos automobilistas está familiarizada com a condução em duas rodas e com as suas fragilidades. Aqui nunca me senti "encostado" por um automobilista, mesmo em auto-estrada com uma frágil 100cc, algo que é comum acontecer em Lisboa.

Em Atenas talvez nove em cada dez motos sejam scooters, na sua larga maioria maxis, com enorme enfoque na Piaggio Beverly nas sua várias declinações de cilindrada, curiosamente uma scooter que quase não se vende em Portugal. Nas scooters mais pequenas o modelo rei é a Honda Innova - outro fracasso em Portugal -, mas ainda é possível encontrar a circular, por exemplo, largas dezenas de Hondas Cub originais.

Enquanto devolvia a pequena scooter que aluguei por alguns dias, e que me acompanhou sem queixumes dentro e fora de Atenas, dizia-me o funcionário – e não me pareceu que me estivesse a gozar - que o tráfego na cidade é normal. “No more than any other big city”. Não só discordei como senti algum alívio por ter sobrevivido à experiência com os ossos inteiros.

sábado, 26 de setembro de 2009

Railroad Crossing (II)


 


 
















Explorando ambientes próximos da ferrovia em busca de cenários simbióticos com as minhas scooters. "Pode fotografar à vontade que o próximo comboio só passa daqui a hora e meia", diz-me o prestável funcionário da CP enquanto caminha pela linha e sobe a um poste para uma verificação técnica. Trocamos impressões sobre acessos a cruzamentos de linha que tenho assinalados e despeço-me, de volta à Nikon. Railroad Crossing...

sábado, 19 de setembro de 2009

Metamorfose do Ape



Dos escombros da Itália do pós-guerra nasceu um fenómeno que revolucionaria o transporte individual, a Vespa. Nas palavras do seu criador, o Engenheiro D´Ascanio, a Vespa era a resposta certa aos anseios da Itália da segunda metade dos anos quarenta: um veículo moderno, popular como uma bicicleta, com as prestações de uma moto e a comodidade e elegância de um automóvel.

Quase a par da Vespa, a Piaggio lançou em 1947 o Ape, destinado a satisfazer as necessidades de uma economia em expansão fulgurante. Um pequeno veículo de três rodas, muito versátil, leve mas com assinalável capacidade de carga, manobrável, funcional e robusto. Talhado para o transporte de mercadorias de dimensões contidas e também de pessoas, era ideal para motorizar o empreendorismo próprio da reconstrução.

Durante as seis décadas seguintes, e através de inúmeras versões de três e quatro (!) rodas, com guiador ou com volante (!), o Ape cumpriu, por todo o mundo, e com inegável sucesso, a sua missão de parceiro de empresas e negócios nas mais diversas tarefas, com uma relação qualidade/preço difícil de igualar.

Entretanto, a partir da segunda metade dos anos 90 - a que também não será alheia uma latente cultura revivalista que perdura até hoje - acentua-se uma crescente aproximação da Vespa a um posicionamento menos popular e mais elitista no mercado das scooters. As Vespa são deliberadamente empurradas para o topo. O produto Vespa é apetecido, moderno aos olhos da convenção vigente e de qualidade comprovada. Consequentemente apresenta-se com preço consentâneo com esse estatuto, desnivelado face a propostas cada vez mais numerosas e agressivas, especialmente as provindas dos tigres asiáticos.

O Ape não escapou a esta lógica de reposicionamento comercial. Já no século XXI, em 2006, a Piaggio lançou o Calessino, um triciclo a diesel muito particular, exclusivamente virado para o lazer, na configuração e no acabamento. Destinava-se a coleccionadores e a exclusivos clubes de praia e hotéis, desejosos de proporcionar uma experiência de transporte diferente, em determinados contextos, aos seus clientes.

O passo lógico a seguir seria a motorização eléctrica e o resultado do esforço da Piaggio é o agora apresentado Ape Calessino Electric Lithium.

O contacto com a natureza sem o ruído do motor diesel, ou o acesso às crescentes zonas interditas aos motores de combustão interna parecem ser argumentos de modernidade e de demonstração de capacidade tecnológica difíceis de negar. Com essa mensagem em mente, alarga-se o leque de utilizações do agora burguês Ape, e simultaneamente agita-se a bandeira verde na estratégia de marketing da Piaggio, um dos pilares em que assenta a imagem do Grupo de Pontedera.

Tecnicamente, o Calessino Electric Lithium tem um alcance de 75 quilómetros entre cargas, com uma anunciada vida útil das novas baterias de cerca de 15 anos ou 60.000kms. O novo sistema Aenerbox apresenta ainda a vantagem de a bateria não descarregar quando o Calessino não é utilizado. Ah, e usa os espelhos iguais aos da minha Granturismo...

Estranha e infelizmente será produzido apenas em 100 unidades, com um preço estimado de cerca de Eur.20.000, o que faz dele, desde já, um objecto para coleccionadores. Pena. Mas quem arriscará que esta seja a última metamorfose do Ape ?...

domingo, 13 de setembro de 2009

A Eleita



Não sei se alguma vez a venderei. Sei que muitas vezes, quando a conduzo, ou simplesmente quando olho para ela, ainda sorrio com aquele entusiasmo infantil que me faz feliz.


Sempre que posso vou experimentando outras scooters. Velhas, novas, estafadas, restauradas, icónicas ou desconhecidas. O círculo de experiências vai-se alargando, mas se tiver que apontar a scooter de topo na minha lista, a que reúne o equilíbrio mais completo sem deixar de carregar a tradição, a que é fiel às origens sem deixar de ter personalidade, a que é envolvente sem deixar de ser pragmática no quotidiano, essa scooter é a Granturismo.


As restantes Vespa automáticas large frame, a GT60, a GTV, a GTS, a Super, todas são excelentes scooters. Qualquer delas seria bem recebida na minha garagem. As duas primeiras, embora belas, são um tanto barrocas. Nunca morri de amores pelo barroco. As últimas estão mais próximas do meu gosto pessoal mas, no que toca ao desenho (os motores são outra história) quase tudo o que as distingue da Granturismo lhes pesa. É lastro sobre um desenho polido. Cada pormenor acrescentado não diminui o brilho da solução original. Realça-o. No fundo, no design todas elas mais não são do que sucedâneos da Granturismo. Para mim – sacrilégio! - , a verdadeira herdeira da Rally 200 de 1972.

domingo, 6 de setembro de 2009

Perdido e Achado




Uma das mais divertidas vantagens de viver onde vivo actualmente é a possibilidade de, com alguma frequência e sem grande dispêndio de tempo, poder optar por uma estrada que me é desconhecida. Não raramente essa estrada não sinalizada, ou com placas com o nome de pequenos lugares de que nunca ouvi falar, desemboca noutra, em pior condição de asfalto, que por sua vez dá acesso a uma estrada florestal. Em menos de quinze minutos, e num raio de vinte ou trinta quilómetros, no sentido de qualquer um dos pontos cardeais, estou a rolar em terreno verdadeiramente desconhecido e não sinalizado. Frequentemente em locais em que o horizonte é quase exclusivamente rural numa perspectiva de 360 graus.


Em pequena escala, é certo, mas é uma sensação de alguma adrenalina, pelo menos até encontrar alguma referência que me seja familiar. Não deixam de ser momentos saborosos, de descoberta, de revelação do desconhecido. Por vezes a rasgar lugares de meia dúzia de casas, noutras esventrando um quintal que - venho a saber - é de Dª Ermelinda, atravessado em servidão pela própria estrada pública. Simples curiosidades. Pequenos prazeres. Como parar debaixo de uma enorme figueira para me proteger do calor e colher um figo maduro. Ou mergulhar sem aviso num largo de coreto azul e observar quatro velhotes a jogar à sueca. O estranho aqui é que estou perto de casa. E ao mesmo tempo... perdido.