sábado, 19 de setembro de 2009

Metamorfose do Ape



Dos escombros da Itália do pós-guerra nasceu um fenómeno que revolucionaria o transporte individual, a Vespa. Nas palavras do seu criador, o Engenheiro D´Ascanio, a Vespa era a resposta certa aos anseios da Itália da segunda metade dos anos quarenta: um veículo moderno, popular como uma bicicleta, com as prestações de uma moto e a comodidade e elegância de um automóvel.

Quase a par da Vespa, a Piaggio lançou em 1947 o Ape, destinado a satisfazer as necessidades de uma economia em expansão fulgurante. Um pequeno veículo de três rodas, muito versátil, leve mas com assinalável capacidade de carga, manobrável, funcional e robusto. Talhado para o transporte de mercadorias de dimensões contidas e também de pessoas, era ideal para motorizar o empreendorismo próprio da reconstrução.

Durante as seis décadas seguintes, e através de inúmeras versões de três e quatro (!) rodas, com guiador ou com volante (!), o Ape cumpriu, por todo o mundo, e com inegável sucesso, a sua missão de parceiro de empresas e negócios nas mais diversas tarefas, com uma relação qualidade/preço difícil de igualar.

Entretanto, a partir da segunda metade dos anos 90 - a que também não será alheia uma latente cultura revivalista que perdura até hoje - acentua-se uma crescente aproximação da Vespa a um posicionamento menos popular e mais elitista no mercado das scooters. As Vespa são deliberadamente empurradas para o topo. O produto Vespa é apetecido, moderno aos olhos da convenção vigente e de qualidade comprovada. Consequentemente apresenta-se com preço consentâneo com esse estatuto, desnivelado face a propostas cada vez mais numerosas e agressivas, especialmente as provindas dos tigres asiáticos.

O Ape não escapou a esta lógica de reposicionamento comercial. Já no século XXI, em 2006, a Piaggio lançou o Calessino, um triciclo a diesel muito particular, exclusivamente virado para o lazer, na configuração e no acabamento. Destinava-se a coleccionadores e a exclusivos clubes de praia e hotéis, desejosos de proporcionar uma experiência de transporte diferente, em determinados contextos, aos seus clientes.

O passo lógico a seguir seria a motorização eléctrica e o resultado do esforço da Piaggio é o agora apresentado Ape Calessino Electric Lithium.

O contacto com a natureza sem o ruído do motor diesel, ou o acesso às crescentes zonas interditas aos motores de combustão interna parecem ser argumentos de modernidade e de demonstração de capacidade tecnológica difíceis de negar. Com essa mensagem em mente, alarga-se o leque de utilizações do agora burguês Ape, e simultaneamente agita-se a bandeira verde na estratégia de marketing da Piaggio, um dos pilares em que assenta a imagem do Grupo de Pontedera.

Tecnicamente, o Calessino Electric Lithium tem um alcance de 75 quilómetros entre cargas, com uma anunciada vida útil das novas baterias de cerca de 15 anos ou 60.000kms. O novo sistema Aenerbox apresenta ainda a vantagem de a bateria não descarregar quando o Calessino não é utilizado. Ah, e usa os espelhos iguais aos da minha Granturismo...

Estranha e infelizmente será produzido apenas em 100 unidades, com um preço estimado de cerca de Eur.20.000, o que faz dele, desde já, um objecto para coleccionadores. Pena. Mas quem arriscará que esta seja a última metamorfose do Ape ?...

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