quarta-feira, 13 de outubro de 2021

F(r)actura


Sexta feira 13. Depois de uma manhã inteira a andar de Bianca, trazendo-a finalmente para Lisboa, decido dar um salto à Oldscooter para marcar uma revisão de rotina.

A desesperar do calor insuportável, deixo o blusão em casa. Quando regresso para ir guardar a Vespa na nova garagem lisboeta, preciso de boleia para regressar. É-me oferecida pelo Zé, meu amigo de infância, que me disponibiliza a minha antiga GT200. Iríamos os dois fazer o percurso de não mais de três ou quatro quilómetros. Sou eu que tiro a GT da garagem e continuo aos comandos quando o actual dono-passageiro sobe.

A viagem é curta e acabará mal: circulamos devagar, a meio da tarde de uma sexta feira de Agosto. Não há trânsito. Vamos a conversar boa parte do caminho, em ritmo de passeio, realmente devagar. Não vou concentrado no que estou a fazer. 

Ao passar num cruzamento entre duas avenidas da capital não reparo que vou colocar a roda da frente em cima de uma tampa de esgoto e... crrrreeezzzzzzzzhhhhrrrr*/&%...

GT200 no chão, a deslizar sobre o lado esquerdo até se imobilizar. A queda não foi aparatosa, a velocidade era baixa, não mais de quarenta. Mas o peso do meu corpo recaiu quase todo no meu ombro esquerdo, "protegido" apenas pela t-shirt. Resultado, fractura da clavícula e umas escoriações ligeiras, para além do orgulho em baixo. O dono da Vespa, felizmente, sofreu apenas uns arranhões. Quanto à GT, em breve voltará à estrada com renovado brilho.

Seguiu-se cirurgia que demorou muito mais a marcar do que seria desejável. Com o país a banhos, nunca fracturem nada a meio de Agosto. Dores, noites sem dormir e incapacidade para trabalhar levaram-me a umas chispas de desespero ocasional.

Cirurgia feita com sucesso e aí está a placa de titânio e respectivos parafusos, garbosamente exibidos no negativo em forma de raio-x.  

Seguem-se meses de fisioterapia, uma experiência nova para mim, e que já percebi que é um exercício de persistência e muita paciência. Comecei nos alvores de Outubro e parece que já lá ando há meses.

Mas as scooters não estão esquecidas. Pelo contrário. Tenho aproveitado este período de paragem forçada para melhorar o meu equipamento de segurança. Um casaco novo de verão (que me teria sido muito útil caso o tivesse vestido naquele dia insuportavelmente quente), umas botas, umas calças de ganga com protecções.

Moral da história: nunca descurar o equipamento. Nunca conduzir distraído. Eu sei bem que é mais fácil dizer do que fazer. Mas aprendê-lo através da pele e do osso é a maneira mais difícil de aprender.

 



    

terça-feira, 11 de maio de 2021

Três Scooters e Um Filme

 



Três. É um número. Porque razão é tão diferente ter três em vez de quatro scooters? 

Quando comprei a Honda Integra, sempre soube que teria que reduzir a três, vendendo a própria Honda ou a X8. 

Mas porquê? Porque não descer de duas para uma? Ou de três para duas? Qualquer delas mais racional, por ordem decrescente, do que reduzir de quatro para três. 

Talvez porque três é mais uma do que as duas especiais. E permite-me usar uma sem grandes limitações ou preocupações. O que chega. Se fossem três especiais talvez o número ideal fossem quatro scooters. 

Mas não há nenhuma razão universal para ser assim. Para muitos, uma scooter seria sempre uma scooter a mais. 

Para alguns dos amigos que compreendem esta adição, três é até um número relativamente modesto. Há quem tenha duas, três, quatro... mais de dez scooters. E se lhes perguntarmos se são coleccionadores a resposta é invariavelmente não. Há um certo horror ao termo coleccionador. Ou talvez seja um estigma. Um rótulo pejorativo que significa que (quase) não rolas na tua scooter. Que talvez quisesses secretamente ter um museu de scooters, sacrilégio último e letal. 

Curioso é que me parece que existe um espírito de coleccionador maior entre os proprietários  Lambretta, do que entre os proprietários Vespa. Nunca percebi bem porquê, mas basta atentar num encontro Lambretta ou num encontro Vespa. Nos encontros da casa de Milão, muitos chegam de atrelado, sendo excepção os que aparecem a rolar. Nos encontros das máquinas de Pontedera é exactamente o inverso.

Eu não sou um exemplo raro e muito menos único no facto de ter simultaneamente uma Lambretta e uma Vespa. Muitos amigos e conhecidos têm ambas. Mas a minha abordagem a este fenómeno é um pouco diferente. Sempre quis ter scooters que andassem, isto é, aptas a sair desde que estivesse disposto a dar uma volta, sendo necessário apenas rodar a chave. Esse critério é definido simultaneamente por convicção e por oportunidade. 

Convicção porque não sendo mecânico amador, nem tendo espaço, tempo ou ferramentas, não me serve de muito ter um projecto a ocupar espaço físico. E também mental. 

Oportunidade porque verdadeiramente nunca procurei um projecto, nem nunca me deparei com um "barn find" suficientemente aliciante.  Quando e se isso acontecer logo se vê se a convicção resiste à oportunidade.




Curiosamente, o facto de querer ter sempre as scooters operacionais não quer necessariamente dizer que queira andar nelas sistematicamente até que me doa a espinha. 

Pelo contrário. 

Apesar de ter a minha dose de viagens improváveis e longas com scooters lentas, a verdade é que comprei uma Vespa nova em 2010 com a intenção de envelhecer com ela e - estranho - usá-la muito pouco. Exactamente o mesmo tipo de abordagem que um coleccionador adoptaria. Só não compraria novo. 

E quanto à Lambretta? Adoro andar nela, mas tivesse eu espaço e oportunidade e talvez estivesse exposta na minha sala de jantar, nem sequer na garagem ficaria.

Isso faz de mim um coleccionador? 

E se não faz, por que razão é que esta relação com estas duas scooters é assim? Preservar até ou mesmo para lá do razoável, usando muito pouco, mas não deixando de usar? 

Eu diria que não deixo de usar em primeiro lugar por uma questão pragmática, porque tenho a noção de que se estragam mais paradas, como qualquer veículo a motor. 

Em segundo lugar porque sendo tão diferentes entre si, ambas me proporcionam sensações e ligações emocionais que me conectam à minha história, ao meu filme. Ao que é ou foi importante para mim, às razões pelas quais as comprei. Porque me fazem sentir cada ocasião em que as uso como especial. Ou simplesmente porque me demoro a olhar para cada uma delas com uma certa ternura algo embaraçosa de explicar. 

Não é tanto o que elas são ou fazem enquanto scooters, mas a percepção que eu tenho do que elas fazem e, sobretudo, como fazem. Isso é o que me faz não abdicar de (me) ligar (a) cada uma delas, e de querer, simultaneamente, preservar o seu estado de uma forma intransigente.

Porque, no fundo, o filme delas se entrelaça no meu filme emocional.


domingo, 4 de abril de 2021

Xis. Vendida.




Vendida! A X8 já não faz parte do meu acervo. O que me permite voltar a reduzir (?!) - finalmente - para três o número de scooters à minha guarda. 

Durante quase quatro anos a X8 serviu-me de veículo de deslocação diária, exactamente a principal razão que me levou a comprá-la em 2017. Na altura o caderno de encargos era simples, pois tinha a Vespa GTS 300 e também a LML 221, que envelheceria muito rapidamente se ficasse na rua. Precisava de uma scooter prática, com bastante protecção para andar todo o ano na cidade, relativamente ágil, com capacidade de carga e suficientemente desvalorizada para não criar grande impacto económico na aquisiçao. Por último, tinha que ser pouco apetecível para os amigos do alheio pois iria dormir na rua todos os dias, ao sol e à chuva.





A X8 cumpriu com distinção a missão e acabou por ultrapassar essa expectativa inicial, pois permitiu-me também viajar em várias ocasiões. Quer a solo, quer com o VCL à neve, quer com o grupo 4onTour, com quem fez um Lés a Lés e a viagem anual de 2020. No total, fez quase vinte e cinco mil quilómetros. Cumpriu bem, embora tenha tido uma relação mais próxima com a Oldscooter do que eu tinha antecipado inicialmente. Melhor para a Oldscooter, pior para a minha carteira. 














Desde que comprei a NC Integra, em Junho de 2020, sabia que uma das duas teria de sair. É que entretanto já tinha acrescentado a Lambretta em 2019! A Honda foi comprada depois de uma viagem à Serra com a X em 2020, em que senti que estava a recuperar bem da minha coluna, e me apetecia ter uma moto/scooter mais polivalente. Que me pudesse satisfazer em sentido prático no quotidiano lisboeta, mas simultaneamente me desse a possibilidade de viajar mais rápido e mais longe em alcance, quando tenho oportunidade para isso. Claro que uma scooter/moto com suspensões não tão comprometidas também ajudaria no capítulo do conforto. 

A decisão acabou por ser mais rápida até do que tinha antecipado. A escolhida para sair era a X8. Demorou alguns meses a vender, dificuldade a que também não foi alheio o confinamento. No final de Março foi entregue ao novo proprietário, que pretende renová-la.

É mais uma scooter vendida, com aquela sensação reconfortante de  que fiz tudo o que queria fazer com ela. Longa vida à X8. 












Agora é tempo de gozar mais a Integra, com que fiz apenas dois mil quilómetros em nove meses. Em breve escreverei sobre isso.


Fotografia nº 7: Paulo Simões Coelho

domingo, 24 de janeiro de 2021

Bianca - O Filme (legendado)

Bianca (subtitled) from montanhacima on Vimeo.


O short film Bianca, filmado há sete anos atrás pelo Daniel Silva, está agora legendado em inglês.

O tempo voa. A Bianca continua comigo. 

Ainda bem que guardámos este pedaço de história para a posteridade.

Obrigado, Daniel.


terça-feira, 12 de janeiro de 2021

Certificar a Lambretta



Ainda em Dezembro tive oportunidade de finalmente certificar a minha Lambretta através do Museu do Caramulo.

Trata-se de reconhecer a qualidade de conservação e originalidade da Lambretta através de entidade certificadora reconhecida.

Para além desse reconhecimento independente que chancela a condição em que a Lambretta se apresenta, e que já por si justifica a certificação, existem ainda outras vantagens: o reconhecimento da qualidade de veículo com interesse histórico junto de seguradoras, em caso de conflito; e mais duas que por enquanto não têm aplicação a motociclos, mas que é uma questão de tempo até se tornarem obrigatórias: a circulação em zonas de emissões reduzidas e a dispensa de inspecção periódica. 

Para quem valoriza o património histórico, como é o meu caso, a certificação da Lambretta seria sempre obrigatória. Quando comprei a Lambretta tentei logo certificá-la. Porém, o Museu do Caramulo ainda não o fazia para motociclos. Assim que isso mudou pude rapidamente satisfazer essa pretensão, que recomendo a quem tenha motociclos com interesse histórico em estado de conservação original ou com restauro de qualidade e sem alterações significativas das suas características.

Certificar é valorizar e quem sabe se, no futuro, não será mesmo um passaporte único para podermos utilizar as nossas clássicas.   

terça-feira, 15 de dezembro de 2020

2030 é Amanhã



A mobilidade eléctrica continua a ganhar terreno e as metas anunciadas por Alemanha e Reino Unido apontam para a morte do motor de combustão interna, tal como o conhecemos, já em 2030. Que é daqui a nove anos.


Neste contexto, o que fazer com as clássicas ? Motores a combustão com mais de trinta, quarenta ou cinquenta anos, alguns a dois tempos ?


Confesso que tenho curiosidade mas nunca vi (deve ser culpa minha) estatísticas sólidas a esse respeito em Portugal. Suspeito que os números de veículos clássicos, como tal reconhecidos na ordem jurídica portuguesa, serão insignificantes.


Insignificantes por duas ordens de razões: no número relativo de unidades face ao contexto global dos veículos existentes em circulação. E na utilização real destes veículos, uma vez que é apenas a sua circulação que gera poluição, e estes veículos, por razões de preservação, desadequação a uso intensivo e até valor histórico, têm uma utilização anual praticamente irrisória.


A minha Lambretta, por exemplo, fará por ano não mais de duas ou três centenas de quilómetros. Em dez anos talvez percorra três mil quilómetros. Não fiz as contas, mas suspeito que deve ser o equivalente à pegada ecológica da viagem de um passageiro num vôo Açores-Lisboa.  


Apesar do racional que justificará um regime de excepção dos veículos clássicos – que talvez fique para outro post, com mais dados - , não é de excluir que se venham a criar as condições políticas e sociológicas para a turba ecológica irracionalizar o debate e levar tudo a eito. Já se está a imaginar a tentação da não distinção legal entre o velho táxi a diesel e os veículos que vale a pena preservar, e como tal são reconhecidos pelas três entidades actualmente competentes para esse efeito: o Clube Português de Automóveis Antigos, o ACP Clássicos e o Museu do Caramulo.


Apesar destes receios, que tenho ainda esperança que sejam infundados, parece-me que a melhor estratégia é certificar, tão depressa quanto possível, os veículos que sejam susceptíveis de ser certificados.


Já o fiz há quatro anos com um automóvel e recentemente solicitei a certificação da Lambretta junto do Museu do Caramulo.


Acredito que é um processo que no médio e longo prazo pode trazer benefícios sérios em termos de habilitação para a utilização destes veículos. Talvez menos evidentes neste momento para os motociclos, atenta a inexistência de inspecções periódicas obrigatórias no continente, e a desnecessidade de os motociclos cumprirem as zonas Euro 1 e Euro 2 nas cidades.


Mas para a batalha dos eléctricos, não vou ficar à espera que a indústria crie combustíveis sintéticos para a minha Lambretta.




quarta-feira, 2 de dezembro de 2020

Confinar o Scooterismo



Dois mil e vinte tem sido um ano de trevas. A frente sanitária trouxe-nos perguntas a que não sabíamos responder. Acima de tudo é um ano marcado pela perda. De vida, de afecto, de economia, de emprego, de oportunidade. O conceito de previsibilidade, tal como o conhecemos, se não desapareceu sofreu pelo menos uma mutação substancial. Os efeitos da pandemia, nas suas várias e complexas vertentes, vão perdurar por anos. Talvez décadas.


Este é um blog sobre scooters. E 2020 prometia ser um ano em grande. O Vespa World Days em Portugal organizado em Guimarães era o evento bandeira, mas vários outros projectos estavam na calha.


Quase nada se realizou.


No meio de tão atípicas circunstâncias, consegui mesmo assim salvar o ano com dois passeios: um a solo, na X8, até à Serra da Estrela, em dois dias que me souberam como se nunca tivesse viajado, e que me levaram indirectamente a comprar a Integra. E outro, com o grupo de amigos 4onTour, em quatro dias por Espanha e Portugal, na fase menos aguda da pandemia.


Em boa hora o fizemos, a provar que oportunidades destas não devem ser desperdiçadas. É por isso que apesar de todas as condicionantes, me sinto grato por ter tido estas oportunidades, e por ter sabido aproveitá-las. Manter a chama do entusiasmo pelas scooters, mesmo estando boa parte do tempo confinados, é condição essencial para podermos redobrar o gozo nos dias que, se tudo correr como esperamos, não deixarão de vir.


Até lá, resta ir aproveitando os dias de semi-confinamento para apreciar a Lambretta por Lisboa, aqui na companhia da DL do Paulo. Enquanto não se lembram de as proibir de circular. Dentro em breve terei mais novidades sobre isso.