sábado, 26 de março de 2016

Serra Prometida (II)





Se fotografar é conferir importância, então estes pedaços de realidade são importantes. Pelo menos para mim. Valorizá-los, mostrando de caminho algumas das faces belas da maior das nossas serras continentais, é só parte desse gosto pessoal.  





















sexta-feira, 18 de março de 2016

Serra Prometida





O encontro é cada vez mais com a Serra. Com a espera de meses, semanas e dias pelas terras onde quase tudo está em bruto. Onde a natureza quase sempre se impõe ao Homem. Onde estamos mais perto dos nossos limites naturais, da percepção da finitude. Onde nos sentimos atraídos para a comunhão com a natureza que ainda subsiste aqui, na pureza dos rios e dos vales que são um lugar de paz. Onde ainda há pastores, como nos conta o filme de Jorge Pelicano. 

Ao contrário de outras viagens de scooter com o Vespa Clube de Lisboa, em que interessa mais a viagem e menos o destino, aqui a paragem final tem, para mim, uma dimensão reflexiva ou introspectiva importante. Encher os pulmões deste ar, observar a natureza, as cores naturais desta linha de horizonte. Cruas, não editadas. É um alimento para a alma.

Deslocar-me até aqui de scooter é só a metáfora perfeita do respeito pela grandiosidade da Serra. Podia ser de cavalo. Ou de bicicleta. Mas para isso precisaria de muitos dias, que não tenho. Prefiro a scooter. Que é o mais frágil dos veículos motorizados. Tão fraco e tão forte. No fundo, como o Homem.   


















sábado, 20 de fevereiro de 2016

Um Longo Inverno





Nas últimas semanas tenho dedicado muito pouco do meu tempo às duas rodas a motor. Razão mais do que suficiente para me abster de escrevinhar novas entradas no blog. Este facto não significa que não haja alguns projectos em andamento neste sector. Bem como outros, até com bom potencial, que nasceram e entretanto... morreram.

No primeiro caso esteve a primeira ida da Bala, a minha LML 221, à Oldscooter para a revisão dos três mil quilómetros. Como se antevia, a Bala suscitou alguma curiosidade entre a equipa, que queria saber até que ponto o kit Polini e os seus periféricos se comportavam quando instalados numa LML 200 4T. As reacções foram em linha com o que eu esperava. É um tractor em força, mas falta-lhe alegria na parte final da gama de rotações, e a velocidade máxima também não impressiona. Claro que num motor com estas características é normal que tenhamos que fazer escolhas. Afinal, isto não é um VTEC ! A verdade é que, para já, estou bastante confortável com este set up mais touring, sem grandes alaridos nem velocidades de radar. De resto, a revisão correu sem supresas para uma scooter com tão imberbe quilometragem. Óleo e filtro, acrescidos da afinação de válvulas, que de acordo com o Manel (e o manual), é essencial a cada revisão. 





Enquanto a Oldscooter tratava da Bala, desloquei-me em Lisboa durante o dia na própria P125 do Manel. É uma máquina com várias camadas de patine (literalmente) e estranhamente aditiva de guiar. Mas não em ambiente urbano, por culpa de uma embraiagem com molas cuja força rivaliza com algumas máquinas de musculação. Exactamente ao contrário da Bala. Esta P125 monta um T5 com uns segredos bem guardados. E é uma fisga quando lhe instigamos a rotação certa. Desde que seja alta. Para estrada aberta, antevejo que seja o que eu gosto de chamar um motor de chocolate: delicioso. Mas por vezes algo enjoativo, quando usado em doses exageradas.




Está também à porta o primeiro evento do ano, e um dos mais acarinhados no Vespa Clube de Lisboa: a Serra da Estrela. Já estamos na fase em que o tempo se conta em semanas, esperemos que continue a nevar no cume até lá. O ideal mesmo é que neve até às vésperas, para podermos andar lá em cima com estrada desimpedida, idealmente seca, e paredes de neve em volta da estrada, acima das nossas cabeças.

Ora, para as agruras meteorológicas da Serra, que scooter será a ideal ? Piaggio MP3. Foi mesmo uma das primeiras que estive a algumas horas de trazer para a garagem, não fosse um comprador mais afoito se ter antecipado à negociação muito avançada que tinha em curso com o vendedor. Há muito que gostava de ter uma MP3, em bom rigor desde que experimentei uma das primeiras em 2007, logo quando saíram. Essas 250, hoje com alguns quilómetros, começam agora a aparecer a preços mais convidativos. Era um negócio demasiado bom para resistir e constituiria uma adição interessante ao line up actual. A ideia seria gozá-la durante uns tempos e até já estava pré-autorizada pelo desorganizador-mor, o Ernesto, para fazer o Lés a Lés este ano. Que pena. Esta foi mesmo por muito pouco. 
  



Imagem nº 4 - Vespa Clube de Lisboa
Imagem nº 5 - Piaggio


domingo, 31 de janeiro de 2016

Décimo Sétimo Dia (II)





Regresso às imagens da primeira saída do ano para completar um álbum dedicado a esta tarde na estrada. Vinte e quatro imagens nos dois posts, um clássico rolo de duas dúzias de chapas. No tempo da película, em que cada disparo do obturador tinha uma consequência na carteira, havia quase sempre um desafio auto imposto: um rolo tinha que saber contar uma história. Mais curta (24) ou mais longa (36), mas sempre uma coerência estrutural. Em alternativa, um enquadramento de histórias com um fio condutor comum. 

O digital ceifou um pouco esta regra disciplinadora. Em compensação, hoje temos uma liberdade de experimentação que não tínhamos. E a verdade é que ainda temos a película, para quem gosta de fazer as coisas com outro sabor, e obter as recompensas que só a química e o trabalho manual sabe dar. 

Vejo aqui um paralelo: entre a Vespa GTS, a Nikon SLR digital. E a LML, a Nikon 35mm de película.    
































sábado, 23 de janeiro de 2016

Décimo Sétimo Dia




E ao décimo sétimo dia dei a primeira volta do ano. Frio e alguma chuva tímida levaram-me até às praias desertas da região Oeste. Uma atrás da outra, antes de chegar a Peniche.

Gosto de ver estes grandes espaços vazios. Uma praia só para mim. Seja uma praia, um teatro, um estádio, uma fábrica. Convidam a alguma introspecção, ou a imaginar cenários com os olhos fechados de plateias cheias. E silêncios.

É só um dos motivos por que me agrada andar de scooter no inverno. Com o equipamento certo o frio está fora do nosso corpo. Em tudo o que vemos mas distante de nós. Ao alcance da mão. 

A Bala é uma companhia perfeita neste cenário frio. Deixa-se levar e fotografar, mostra-se em sintonia com a paisagem. Melhor até do que a LML verde anterior, pelo contraste do negro. 

Dobrou agora os três mil quilómetros e a apreciação global corresponde à melhor expectativa. Divertida quanto baste, as modificações que tem fazem-na mais cheia em baixos e médios regimes para uma condução fácil e progressiva, sem espalhafato. O ruído é mais do que razoável, sendo embora mais encorpado que o original. O pior defeito é a autonomia, que com a conjugação de um depósito tão pequeno com as vitaminas Polini concorrem para pouco mais de cem quilómetros até à reserva.  

Numa recta longa e sem trânsito nem vento empranchei e consegui ver no velocímetro cento e quinze. Pareceu-me que ainda tinha mais para dar.  O pior é a leveza da frente nessas condições. Pouco recomendável se não quisermos injecções involuntárias de adrenalina. 


































quinta-feira, 31 de dezembro de 2015

Uma Heinkel de 1965 para o Lés a Lés






Este texto corresponde à versão longa que o Paulo Simões Coelho escreveu para a Topos & Clássicos de Agosto de 2015. A versão que seguiu para a revista para publicação era mais curta, portanto esta é a primeira vez que o texto original longo é publicado. A leitura da odisseia do Paulo serve não só para fechar com chave de ouro o ano de 2015, mas também como inspiração para os projectos de restauros e viagens de 2016 nas vossas scooters.   


Foi na madrugada da segunda etapa - cerca de 4 anos depois de a ter comprado - que a Heinkel deixou de ser “o restauro” e se transformou na minha scooter. 

Frescos da dormida em Castelo Branco, descíamos a bom ritmo as curvas que levam à barragem de Vila Velha de Ródão quando me dei conta que tinha parado de monitorizar a moto e estava só a gozar a condução, a vista e o fresco da manhã. 

Algures nesse troço que eu tão bem conhecia, desligou-se aquela atenção constante e intensa que procurava distinguir, de entre o manancial de sensações produzidas por qualquer moto em movimento, o primeiro pré-aviso de um problema.

Começava a entranhar a moto e, 2.500kms depois de ter fechado e montado o motor pela primeira vez, tinha começado a acreditar nela: já não precisava de a vigiar a cada segundo como um namorado nervoso que procura os indícios do abandono que tanto teme.

De um problema à espera de acontecer, a Heinkel tinha passado a ser uma scooter confortável, com uma passada larga e uma imperturbabilidade imperial em curva. Foi nesse tombar de uma curva para a próxima ao ritmo da estrada, e na companhia dos que compreendem essa libertação em movimento, que me permiti reconhecer que tinha acabado bem o restauro da máquina que me transportava.

O caminho que me levou até Ródão começou com a compra algo impulsiva de uma Heinkel que estava restaurada de chapa mas bastante cansada de mecânica. Há anos que tomava conta das minhas motos, culminando na “preparação” (na sala de jantar de nossa casa…) do motor da Vespa PX que me acompanha desde sempre. Fruto desse projecto, a PX – Luíza de seu nome - renasceu como uma PX “GT” muito razoável, e veio a acrescentar 2 Lés-a-Lés à sua variada carreira de quase 30 anos nas minhas mãos.

Comparado com projectos anteriores, a Heinkel foi um passo muito maior, quase maior do que as pernas que o deram, mas eu queria mesmo compreender, com as mãos e não só com a cabeça, um motor tradicional a 4 tempos. Por alguma razão decidi que enquanto não soubesse recuperar e manter cames, balancetes, válvulas, platinados e tudo o que os rodeava não me poderia considerar competente como mecânico amador.













O rejuvenescimento da Heinkel avançou sempre por soluços intensos intervalados por longos interregnos, consoante a intensidade do trabalho que paga as peças, e a minha própria energia. No 1º ano, por exemplo, não aconteceu grande coisa à parte gastar dinheiro a acumular peças. Mais tarde, quando ganhei um bom espaço onde trabalhar, houve um ciclo mais intenso de desmontagem geral que acabou com tudo “arquivado” em tupperwares com notas mais ou menos claras e muitas fotografias de pequenos bocados de metal.

“Cortei-me” a começar pelo motor, e refiz primeiro toda a electricidade no quadro nu. Sabia ainda menos de electricidade do que daquele motor, mas a resistência a começar foi menor. É claro que, quando mais tarde vim a pôr o motor no sítio, a montagem eléctrica estorvou um pouco.
 
A reconstrução do motor tão pouco seguiu um ritmo regular. A desmontagem e rectificações necessárias foram relativamente rápidas. Já a parte de baixo do motor só foi fechada após um longo período de estudo para ganhar balanço. O conjunto da caixa de velocidades e mecanismo de selecção era a complexidade máxima que tinha tocado até então. Passei dias a olhar para aquilo, a separar e juntar os carretos; semanas a pensar no conjunto. Quando se tem os desenhos e o manual, o grosso da informação está lá. O problema é quando nos pomos a pensar “e aquilo que não está no manual?”.

De certa forma, o desafio principal do restauro é mais uma questão de persistência, um exercício mental e psicológico, do que de destreza ou habilidade mecânica. É preciso escolher e, sobretudo manter ao longo do tempo, um nível de exigência na qualidade. A seguir é “só” encontrar em nós resistência à frustração quando algo corre mal e temos um martelo à mão. (Ou uma ferramenta com cabo longo, ou um daqueles produtos mágicos que colam tudo, vedam tudo, arranjam tudo…).

Afinal de contas, apertar e desapertar, separar e juntar, ler e seguir as instruções ou especificações do manual eu sabia fazer. Foram sempre as dúvidas que gastavam o tempo: este encaixe é para martelar com força? Ou aqueço? Repasso estas roscas gastas com o macho ou é demasiado arriscado? Esta montagem é para lubrificar ou é a seco? Com ou sem freio? etc., etc...

Aliás, é só quando se aperta a última porca de um conjunto qualquer que começam as dúvidas sérias, as que nos deixam parados dias, semanas... Será que pus as anilhas pela ordem certa? Apertei bem aquela porca vital que agora está fechada lá dentro? Não me lembro! Abro para verificar? Mas depois tenho de refazer tudo! Decide!

E depois temos as tarefas que nos são novas. A remontagem da culassa foi um marco épico, por exemplo, porque eu nunca tinha rodado válvulas. Li tudo o que encontrei e, sim, o YouTube tem dúzias de videos a mostrar como se faz mas não é a mesma coisa que já ter feito. Um dia, finalmente comecei e fiz tudo como nos livros. Quando as montei na culassa e testei, percebi que não fizera o suficiente: não vedavam. Desmonta e repete.

Há muito “desmonta e repete” quando nunca se fez. Há o montar para descobrir e ensaiar o encaixe das coisas e a sequência pela qual se juntam. A seguir, desmontar e verificar. Se tudo parecer bem, tem de se remontar mas agora “como deve ser”. É depois da montagem “definitiva”, e não na verificação anterior, que entra o Murphy e se descobre um erro. Nos piores casos, descobre-se quando já se montou mais um conjunto qualquer por cima. “Desmonta os dois e repete...”

Para finais de Novembro, ainda hoje não sei bem como, percebi que me tinha comprometido com a equipa do costume em como faria o próximo Lés de Heinkel. O Rui Tavares traria a dele e seria a primeira vez que duas Heinkels participavam na prova. Convinha bastante que elas chegassem ao fim se queríamos mesmo demonstrar (a nós próprios? aos restantes 1.138 participantes?) que fazer o Lés com motos com menos de 50 anos de idade e mais de 10 cavalos é para meninos...

O motor ainda estava por fechar em cima da bancada e só tinha 3 meses para acabar se queria testar, rodar e resolver tudo antes de Junho. Daí para a frente, foi intenso e constante, já não havia tempo para ter dúvidas.

Ouvi a voz da Heinkel pela 1ª vez a 1 de Março. Faltava “só” rodar e afinar a moto mas a embraiagem estava pesadíssima, quase impossível embraiar e passar as mudanças. Infelizmente, passar as mudanças é “o” desafio notório das Heinkels que requerem muito treino no comando das velocidades, mesmo quando está tudo bem.

“Desmonta e repete”: lá tirei o motor e reabri para chegar à embraiagem e verificar a montagem seguindo os conselhos e diagnósticos telefónicos do Rui e do Ribeiro, “o mago das Heinkels” da Motocentral. Sem a teimosia e conhecimentos, e as frequentes doses alternadas de pressão, consolo, descascas, encorajamento e apoio destes dois, a scooter ainda hoje estaria em bocados numa estante da minha oficina.

Havia mais para “melhorar” na Primavera: o travão traseiro mal se podia apelidar de abrandador; a peça que comanda o semfim da bicha do conta-quilómetros partiu duas vezes; havia 2 anilhas a mais no apoio da frente do motor que ocupavam indevidamente 2 milímetros de espaço e faziam com que este batesse no quadro quando passávamos por buracos maiores; a luz dos mínimos e do conta-quilómetros...

Em Abril, a Heinkel andava e até já tinha umas centenas de quilómetros, mas para fazer o Lés-a-Lés é preciso mais do que “estar a andar”. Tem de estar tudo bem assente, acamado, ajustado, afinado, apertado, rodado, estável, sólido... Tomei uma das melhores decisões do projecto: levei-a para a Póvoa do Varzim para que o Ribeiro pudesse inspeccionar o meu trabalho, corrigir e resolver o que faltasse. Funcionou; disseram que era pouca coisa que era só preciso saber um pouco mais, ter experiência e conhecimento de segredos das Heinkels. Aprendi tanto com eles…

Voltei a rolar para Lisboa num sábado com bom tempo. Vim lento mas feliz com a homogeneidade geral da condução (finalmente!), e porque já não era necessário ter o braço do Tarzan Taborda para embraiar. Comecei a rodagem a sério, e tudo correu bem quase até ao fim quando, já curto de tempo, fui e vim à Beira - 600kms em 2 dias. No regresso, por alturas de Vila Franca, o dínamo começou a falhar na carga das baterias. Faltavam 3 semanas para o Lés e eu a trabalhar dias compridos.

Estava tão perto de alinhar à partida que não consegui desistir. No sábado seguinte repeti a peregrinação ao Ribeiro. Lá saiu uma vez mais o motor, e mais uma vez o mago operou a sua magia: enterrado nas entranhas de um dos suportes das escovas do dínamo descobriu-se um papel isolador rasgado, o suficiente para permitir a massa onde ela não deve acontecer.

Já não havia tempo para voltar para Lisboa. A scooter ficou no Porto à guarda do Rui, e foi a casa dele que a vim buscar para seguirmos com a equipa até ao palanque da partida.


Paulo Simões Coelho
Lisboa, Julho 2015

















Fotografias nº 1, 5, 12: Paulo Ministro
Fotografias nº 2, 3 e 4: Paulo Simões Coelho