sábado, 21 de novembro de 2009

LML, a Revolução Indiana



Há cerca de um ano e meio atrás começaram a chegar ao nosso mercado as scooters indianas LML. Para quem não sabe, trata-se de réplicas, com ligeiras diferenças, do modelo PX da italianíssima Vespa. O termo réplica aqui tem um significado bem nobre, uma vez que a LML manteve, na década de 90, uma parceria com a Piaggio que previa a produção na Índia das genuínas PX. Utilizando grande parte da mesma maquinaria e o know-how então adquirido com os italianos, a LML lançou-se na produção do seu próprio modelo (Star, na Europa), incorporando-lhe alguns melhoramentos técnicos cirúrgicos. De entre estes destacam-se um motor a dois tempos teoricamente com mais performance que os últimos PX e, simultaneamente, mais amigo do ambiente. E um majorado disco de travão Grimeca ancorado no monobraço dianteiro.


Mas, mais relevante do que estes pequenos toques de modernidade no clássico PX, o que verdadeiramente constitui o íman das LML é a conjugação harmónica, numa só scooter, de várias características que fazem as delícias dos scooteristas old school por todo o mundo, e que estavam ausentes do mercado desde o fim da produção do mito Vespa PX (2008) que, convém lembrar, era vendido nos últimos anos a um preço quase unanimemente considerado excessivo face ao que oferecia.


Assim, não inventando nenhum conceito novo, limitando-se a produzir algo que já tem mais de trinta anos de sucesso na estrada, a LML teve o mérito de devolver aos entusiastas algo que eles aparentemente nunca deixaram de querer: a possibilidade de adquirirem, por preço bem abaixo das últimas PX, uma scooter com (i) caixa de velocidades manual, (ii) chassis monobloco em painéis metálicos, (iii) design clássico imediatamente conotado com a Vespa e reconhecível em qualquer parte do mundo e (iv) um motor a dois tempos.


A princípio o mercado respondeu com alguma timidez, mas à medida que as primeiras unidades iam sendo escoadas, o movimento bola de neve foi ganhando forma e actualmente já circulam largas dezenas de LML no nosso país. O fenómeno, aliás, nem sequer é português, pois por toda a Europa mediterrânica e ilhas britânicas há réplicas do terramoto LML. A carruagem, que já estava em velocidade de cruzeiro, beneficiou ainda, a partir do fim do verão, de um overboost comercial com a transposição para Portugal da directiva comunitária das 125cc. A este factor legal acrescem outros impulsos mais difíceis de medir, de índole cultural, ancorados no renascimento da imagética do movimento mod e numa certa moda retro mais difusa que parece arrastar um largo espectro de indivíduos, ávidos por serem possuidores de um veículo diferenciado, com alma, e de certa forma marcado no e pelo tempo.


No fundo, a LML conseguiu abraçar várias sensibilidades e perfis, que vão desde o scooterista inveterado até ao caçador de tendências de moda, passando de caminho pelo empedernido utilizador racional.


No Salão de Milão 2009 (EICMA), a LML acaba de lançar no mercado europeu a nova Star 4T, exactamente igual à já conhecida, mas com motor de ciclo quatro tempos. Estará à venda em Portugal, segundo se julga, talvez ainda em Dezembro. É a primeira grande viragem rumo ao futuro. Se for bem sucedida do ponto de vista técnico, isto é, se o motor for competente nas áreas fundamentais da fiabilidade e economia, e se atingir níveis minimamente satisfatórios de performance, de modo a não esmagar o factor divertimento, julgo que trará mais gente do que aquela que se sentirá afastada.





Sobrará então o factor preço. Recorde-se que inicialmente, quando os preços das LML começaram a estabilizar - o que coincidiu com a comercialização por parte da Original Vespa –, fixaram-se em torno dos Eur.2.000. Actualmente estaremos na órbita dos Eur.2.500 e comenta-se que as novas 4T estarão perto dos Eur.3.000, já com documentos. Neste nível de preço estamos em território de uma Vespa LX, e quase no de uma Vespa S125. Quase o dobro de uma competente SYM Fiddle II 125. Veremos se o preço não matará a 4T.


Pessoalmente, a LML Star tem-me despertado impulsos contraditórios. Por um lado reconheço-lhe um inegável apelo, é quase um desejo de consumo. Como alguém dizia com graça, dá vontade de comprar um rebuçado (uma LML) de cada cor. No fundo, para muitos é a última oportunidade de comprar nova uma scooter com sabor a anos 70, agora que é inevitável o fim dos motores de ciclo dois tempos por razões ambientais. E esse é um argumento que me parece fazer sentido e difícil de contrariar.


Por outro lado continuo a achá-la demasiado limitada em performance e em sentido prático, destacando-se aqui o seu factor mais marcante que é a caixa de velocidades manual, face a uma boa proposta automática. A verdade é que nem sempre me apetece estar aos comandos de uma scooter em que tenho que seleccionar marchas e accionar embraiagem manualmente, que dificilmente atingirá cem quilómetros hora, sem espaço de bagagem, com cheiro a dois tempos e com uma embalagem de autolube por perto. Estas duas últimas características estarão sanadas, é certo, com a nova quatro tempos, o que lhe mitiga as desvantagens no meu rol de prioridades.


Fico, no entanto, sempre com a sensação de que estou a ser injusto para com estas scooters indianas. No balanço, sopesados prós e contras, a LML talvez não fosse mais do que a scooter divertida, ideal para ir à quinta-feira ao clube. O que é pouco, eu sei. Se é suficiente para um dia vir a ter uma, só o tempo o dirá.


(imagens de catálogo LML Itália)

domingo, 15 de novembro de 2009

Finalmente, Quatro Pneus.



Façam como eu digo, não como eu faço. Os pneus da GT e da CN estavam uma vergonha difícil de esconder. Com a estação das chuvas na estrada já me sentia a abusar da sorte, o que é sempre má ideia.


Depois de vários adiamentos e justificações mais ou menos fundamentadas, lá me resolvi a tratar do assunto em bloco, ou seja, encomendar quatro pneus.






Optei por soluções fora das tradicionais propostas, que por sinal são muito pouco variadas.

À GT comprei uns sapatos desportivos, Michelin Pilot Sport SC, a gama mais agressiva do Bibendum. A CN calçou-se com casual Pirelli SL26, uma das poucas alternativas aos caros Bridgestone ML que tinha montados.

Não percebo bem porquê, mas as scooters estão ostracizadas quando se fala em pneus.

Bem sei que muitos scooteristas com jeito para a bricolage não se queixam do mesmo, pois trocam pneus com a mesma naturalidade com que eu calço as luvas e aperto o capacete. Como sempre, o facto de não me aventurar sozinho na manutenção das minhas scooters traz-me despesas.

Mas a verdade é que o leque de opções em pneus proposto por oficinas e concessionários é muito reduzido. Os pneus ou não existem em stock, ou são demasiado caros, ou demoram tempo em excesso a chegar. O que nos obriga a optar pelo que existe – que é sempre o mesmo - , ou então a comprar na net, o que fiz desta vez.

Acresce que quase ninguém calibra rodas de 10” ou 12” para scooters. Muito poucas oficinas têm calibragem manual, a maior parte dos concessionários Piaggio, por exemplo, não calibram rodas. Nem sequer sabem o que é a famosa calibragem manual. E quem não tem calibragem manual mas sabe o que é garante que esta não é eficaz.

Feita a montagem, o pisar das scooters é indiscutivelmente outro. A GT já não parece uma moto de enduro à frente, doença de que padecia fruto do desgaste irregular do rasto central do Sava que ainda lá estava. Por sua vez, o Michelin Pilot City traseiro durou nove mil quilómetros, mas à custa de um novo “look slick”. Em rigor, deveria ter sido trocado aos seis mil.




Quanto à CN, tem um desgaste curioso dos pneus. Desfez o da frente muito antes de derreter o traseiro, que ainda não estava em modo SOS. Duração: 10.000 quilómetros.

O odómetro de cada uma já está a contar. Vamos ver quanto duram agora. Entretanto, o meu ritmo cardíaco aos comandos baixou. Finalmente.

domingo, 8 de novembro de 2009

Chita em Pele de Vespa - Vespa 50S Brinquedo Amarelo



Dizem as regras de segurança que os felinos mais exóticos devem manter-se sob vigilância apertada. Quando em repouso, o controlo visual é francamente recomendável. No seu habitat natural facilmente transcendem a capacidade de antecipação dos humanos, o que frequentemente torna imprevisíveis os movimentos do felino. Se se tornar essencial transportar o animal, é aconselhável que viaje sedado e bem amarrado. Como podem verificar, foi neste estado indefeso que o animal, embora de pequeno porte, foi alvo da investida do fotógrafo.


Esta chita com nome de insecto é uma criação da paciência e saber do seu dono, Paulo Marrazes. Como é habitual neste espaço, não vou deter-me a discorrer sobre os dados biográficos da chita, até porque as vitaminas de que beneficiou fariam rachar os alicerces do seu código genético.

A espécie de origem desta chita é até bastante comum, designação técnica “50S”. Mas não nos enganemos. Da espécie manteve apenas a silhueta. Actualmente exibe com orgulho significativos reforços musculares ao nível dos membros, bem como reflexos incomparavelmente melhorados permitindo-lhe deter-se do seu novo pico máximo de velocidade – que dobra o original - em muito menos tempo do que a espécie de que deriva. Mas o que mais impressiona é o seu transplante cardíaco. Um coração que respira alegre à medida que a chita acelera passo, parecendo que o seu conforto está numa velocidade com que as suas primas, com cerca de um terço da sua capacidade, nem podem sonhar.




Do reino animal para as sensações na estrada, as regras são estas: sento-me na tabuita forrada a napa preta e escuso de procurar a chave de ignição porque não existe. Contudo, dar vida ao 130cc é fácil. Pé firme no starter e ela apresenta-se imediatamente aos meus ouvidos. O problema seguinte é que o meu esqueleto vai tremer, porque o animal parece ter vida própria. E tem mesmo. O Marrazes avisou: “quando engatas primeira, ela começa logo a andar, mesmo com a embraiagem apertada”. Lá está a chita a não obedecer, pensei. Ainda estava a começar a dizer-lhe (à chita) ao que vinha e já rodávamos à ordem de um acelerador nervoso. A partir daqui a natureza do transplante revelou-se. Só me lembrava do meu motor Parilla de Kart. A resposta é a mesma, o som é igual, o apetite voraz presumo que seja idêntico. É a antítese de um motor de scooter, cheira a competição, a vertigem, a tempo curto. O quadro é tão pequeno que a scooter não se guia com o corpo, mas com a mente. Pensar executar a manobra parece suficiente, porque quando processamos a ordem do cérebro, preparando o corpo para a tarefa, esta já está concluída. Palpita-me que venha daí o cognome de brinquedo amarelo. Aliás, parece-me que os papéis estão trocados. De facto, há aqui um brinquedo. Mas não é amarelo nem é a chita. Somos nós nas mãos dela.

O Marrazes ouvira-me à distância – esqueçam os décibeis legais – e não estava satisfeito. Na verdade, eu não estava a enrolar suficientemente, precisava de trocar a relação de caixa ainda mais acima para atingir o regime-limbo, em que a sapatada produzida pelo pulmão da chita nos faz tremer a espinha. Voltaria à estrada para confirmar que o nirvana do brinquedo estava ali, naquela faixa estreita de utilização, tão rápida e exigente que – felizmente - nem me dá espaço para pensar que estamos em cima de um frágil quadro de 50S. Na verdade, os remédios tomados na travagem e na suspensão são todos eles de topo, o que ajuda a alavancar o nível ciclístico do brinquedo para patamares mais próximos do equilíbrio com as prestações do motor. Contudo, e para a minha curta experiência com o bicho, a maneabilidade do quadro, que é consequência da sua diminuta dimensão, é também o seu maior handicap. É que acaba por tornar a condução mais delicada, nervosa e reactiva, talvez adequada para uma estrada sinuosa ou uma pista de karting. Mas para termos verdadeiro equilíbrio de conjunto nesse ambiente o carácter do motor teria que ser outro, menos explosivo em alta - céus, como empurra! - e mais redondo e amigável. Como está, intimida. Não convida à intimidade. Exige quilómetros de adaptação para perceber bem as suas reacções e explorá-la convenientemente. Para que não seja ela a levar-me mas eu a dominá-la.

Provavelmente o objectivo perseguido aqui nem foi o de encontrar esse maior equilíbrio e harmonia, uma vez que é um projecto extremo encarado como um brinquedo. Como todos sabemos, os brinquedos raramente são racionais...

sábado, 31 de outubro de 2009

Dolce Vespa

 





A pretexto de um concurso promovido por um centro comercial, liguei ao meu bom e velho amigo João Ruas, que aceitou o desafio de vestir a Vespa tendo como mote o tema Dolce Vita. Os esboços no Mac entusiasmaram mas rapidamente percebi que não tinha tempo para executar qualquer um daqueles projectos. As doses cavalares de vinil prometiam duas coisas: uma segunda pele à Vespa e dores de cabeça por várias noites, tempo que nenhum de nós tinha disponível. Havíamos combinado a antevéspera para olharmos para a scooter. Mas antes disso jantaríamos. E a seguir ao jantar tínhamos “missa”, Brad Mehldau Trio no CCB.  Para não nos deixar hesitantes, Mr. Mehldau deu-nos cinco encores que enterraram em definitivo qualquer hipótese de darmos atenção à Vespa. Thanks, Brad!


Na véspera do concurso decidimos alterar radicalmente a ideia inicial – na verdade abandonámo-la sem pudor - produzindo algo incomparavelmente mais simples. Mas exequível. Os óptimos vinis ficaram a cargo da Catarina – obrigado, Cata! - , e a Granturismo lá ganhou uma nova graça de cor por cima do xaile negro.

No dia seguinte, passeio até Cacilhas e regresso a Lisboa por barco envoltos num sebastiânico manto de nevoeiro. Atravessar Lisboa foi divertido e algo anárquico, até porque julgava que o centro comercial se localizava perto do rio, mas afinal era na… Amadora.

Depois do cheirinho a maresia e a um pouco de alcatrão, tempo para apreciar as máquinas na parada. Muito imaginativos e trabalhosos alguns projectos, deu gosto ver. Os prémios ficaram bem entregues. E o convívio com os amigos foi o melhor do dia. É sempre assim, quando vamos de Vespa…

domingo, 25 de outubro de 2009

Elogio da (Des)organização - ScooterPT Camping

 


 




O Scooterpt Camping teve lugar no final de Setembro, no Outeiro do Louriçal, e continua a ser um acontecimento sui generis. Talvez seja o único evento no calendário que, ultrapassando a dúzia de participantes, não tem o mais pequeno esboço de programa. É isso que o torna tão espontâneo e genuíno. É uma espécie de “jam session”. Cada um constrói o seu programa ao longo do dia, com o grau de improviso com o ponteiro no máximo, quase encostado ao livre arbítrio puro. Claro que uma (des)organização destas tem limites. Esse limite tem rosto, chama-se Paulo Salgado & Family. Colocam na ordem o grelhador e asseguram que nada faltará de essencial. Organizam para que outros se dêem ao luxo cada vez mais raro da desprogramação.


Provavelmente o Camping não poderá funcionar nos mesmos moldes se crescer muito mais. Mas enquanto se mantiver assim, este Woodstock dos encontros de scooters vai sendo imperdível.

sábado, 17 de outubro de 2009

Culto da Vibração - Lambretta SX 200

 


 


 

 


 


Comecemos por uma declaração de interesses: a Lambretta SX 200 é uma scooter que me hipnotiza. Desde o ano passado, quando para ela olhei pela primeira vez com a atenção que merece. Até já dei por mim a imaginar-me na Itália dos anos 60, a espremer aquela inesgotável terceira velocidade, entre os carvalhos, na bela estrada de serra que liga Bologna a Firenze…


Imagino-a frenética, com apetite pela rotação, orgânica, vibrante. E branca com estofo vermelho. Tal como este exemplar que o incansável Paulo Salgado colocou, com fé, nas minhas mãos, trazendo-a de propósito de Guimarães para o Tamanco – obrigado, Paulo!


Em Janeiro de 1966, quando a SX 200 viu a luz do dia, não havia no catálogo da rival Vespa um modelo directamente concorrente no degrau das duas centenas de centímetros cúbicos. Sim, podia comprar-se uma rápida 180SS (´64-´68), mas ainda estávamos longe da mais completa Rally 200 (´72-´79).


Como todas as Lambrettas tardias, é muito mais do que uma Vespa fininha. Esta Special X 200 (também existiu uma versão 150) era o topo da gama Innocenti, com sensíveis e contínuas melhorias mecânicas face à experiência anterior com as TV e Li, mesmo durante a sua curta produção de três anos. É uma scooter com muita atenção nos detalhes. Embora conjugue com harmonia a simplicidade e a sofisticação, não deixa de ostentar com vaidade alguns pormenores exclusivos e arrebatadores que ajudam a vincar-lhe a personalidade. De entre eles, salta à vista a grande seta estilizada no balon lateral, um prenúncio da sensação de movimento para que nos transporta quando para ela olhamos de perfil. Se seguirmos a scooter com o olhar, do início do banco até ao farolim traseiro, respiramos velocidade! E ainda está parada à minha espera…


Exortado a sentar-me no duríssimo banco rubro, convenço-me a parar de a contemplar estática. Como boa clássica que é, estranhou logo a minha ausência de intimidade ao rodar o motor com o kick starter. Balon fora. Um rápido acerto de carburação pelas mãos certas e o dois tempos ganha vida num som estridente que arrepia. A vibração que o bicho transmite em cima do frágil descanso é um aviso que levo a sério.


Contava com uma embraiagem dura e difícil, mas encontrei o inverso. O arranque é surpreendentemente suave, se assim quisermos que seja. A selecção das relações de caixa no punho esquerdo também resulta fácil e fluida, muito mais do que, por exemplo, na Heinkel Tourist 103A1. Apesar disso, a SX não foi feita para ser guiada a 30 quilómetros/hora. Não que o motor se sinta anémico, embora também não seja redondo. Mas se o levarmos assim por algum tempo irá mostrar-se irascível, com soluços e solavancos que prometem sufocá-lo se não lhe enchermos o Dell´Orto com néctar.


Assim que a estrada se me depara livre experimento pegar algum fogo à peça, explorando outros territórios sensoriais. Estico a segunda e o empurrão obriga-me a agarrar com decisão os dois punhos. Clank, terceira. O som do dois tempos é inebriante, a agulha do velocímetro italiano salta, em esticões alucinados, entre os 60 e os 110kms/h, a scooter vibra como uma cana de pesca com isco mordido. A terceira é longa… Ainda vou em terceira. Ainda está a subir regime, mas começo a temer pelo grupo térmico e clank!, quarta! Ainda não vejo o fim da longa recta, o motor grita-me ao ouvido e ainda está a reclamar mais ar, mais gasolina, mais velocidade. Nesta altura juro que me enganei a ler a ficha técnica, não pode ter só 11cv às 6200rpm. Entretanto vem-me ao espírito que a SX tem travões de tambor. Como serão eles a esta velocidade ? Pois, são bastante macios, em total contraste com a agressividade do motor. Na realidade, são abrandadores. Confesso que também não me adaptei convenientemente ao travão traseiro, demasiado à esquerda na plataforma e “fora de pé”. Felizmente que a caixa é intuitiva no trato e o travão-motor uma delícia, bem ao meu gosto, livre de inércia. O amortecimento é também muito brando à frente e apenas regular atrás, embora se possa considerar suficiente se atendermos ao contexto histórico. Em curva não perde a compostura, desde que não seja necessário o recurso ao travão frontal. Os pneus contemporâneos montados nesta SX ajudam – e muito - a disfarçar as naturais insuficiências neste capítulo.


Em suma, é uma scooter pouco comum, belíssima, de forte temperamento e de divertimento garantido na estrada, um valor seguro. Apesar disso (ou talvez por isso…) é muitíssimo provável que nenhum dos 20.783 exemplares construídos da Special X 200 venha a figurar na minha garagem, probabilidade que lamento. A raridade deste modelo e a sua procura no mercado casam com uma cotação alta, e a sua manutenção também é exigente no contexto das scooters clássicas. Estas são características que reputo como suficientes para me manter afastado da corrida. Não, não terei uma. Mas… vibrei numa!


domingo, 4 de outubro de 2009

Caos em Atenas




Paro no semáforo vermelho junto à Praça Syntagma. Ao meu lado começam a imobilizar-se outras scooters ou motos utilitárias. Em pouco mais de um minuto, cerca de uma dezena e meia de motos planta-se à frente da primeira fila de automóveis. Quando cai o verde já três scooters arrancaram, embora o façam ainda sob o vermelho. Finalmente arranco. Abro o acelerador sem rodeios, o variador faz o seu trabalho e a scooter vai avançando decidida deixando uma nuvem de fumo branco atrás de si. Em menos de quarenta metros, e com uma dois tempos de 100cc, já fui ultrapassado por metade das motos e scooters. Pela esquerda e pela direita.

No meio do caos há uma ordem e já vou aprendendo a lidar com ela. Os mandamentos de um scooterista neste território são simples: não abrandes nem aceleres bruscamente, não mudes de direcção de modo inusitado e imprevisível, mantém o teu rumo e ritmo que todos te passarão em segurança. Pelo menos aparente. Bem-vindos a Atenas de Scooter !

Definitivamente não é a cidade mais adequada para quem se sinta inseguro em duas rodas. Fiz questão de experimentar neste regresso a Atenas por dois motivos. Porque não me atrevo a alugar um carro aqui por ser evidente a sua inutilidade. E porque, apesar do risco calculado, me pareceu tentadora a experiência. Sobretudo queria perceber até que ponto este tráfego colossal se distingue, em termos de regras práticas no terreno, de outras grandes cidades como Roma ou Barcelona por exemplo. A conclusão a que chego é que dificilmente são comparáveis.

Desde logo porque os gregos têm uma altíssima taxa de incumprimento das mais elementares regras de trânsito, como nunca vi na Europa. A começar no obrigatório uso do capacete, cerca de metade dos condutores ou não o usam, ou levam-no no cotovelo. Quando levantei a scooter tive que pedir um, porque o funcionário não mo daria se o não pedisse. Um sentido proibido é desrespeitado com enorme facilidade, ninguém pára numa passadeira, é muito frequente ver motos a circular nos passeios perante a passividade da polícia, não se vê quem respeite limites de velocidade.

Depois porque o volume de tráfego e o número de motos é substancialmente maior do que nas cidades que atrás referi. Pode parecer exagero, mas o trânsito aqui, em termos de regras e volume, talvez seja mais parecido com uma grande cidade no Vietnam do que com uma cidade como Lisboa.

Por último, aqui quase só se vêem motos utilitárias e isso depõe a favor dos gregos. A moto não é encarada como um indicador de status. É apenas um modo prático de resolver o problema da mobilidade. Quase todos os atenienses têm nem que seja uma pequena scooter. É muito raro encontrar uma sem marcas claras de uso intensivo e descuidado. O que tem também uma outra implicação importante: uma larga franja dos automobilistas está familiarizada com a condução em duas rodas e com as suas fragilidades. Aqui nunca me senti "encostado" por um automobilista, mesmo em auto-estrada com uma frágil 100cc, algo que é comum acontecer em Lisboa.

Em Atenas talvez nove em cada dez motos sejam scooters, na sua larga maioria maxis, com enorme enfoque na Piaggio Beverly nas sua várias declinações de cilindrada, curiosamente uma scooter que quase não se vende em Portugal. Nas scooters mais pequenas o modelo rei é a Honda Innova - outro fracasso em Portugal -, mas ainda é possível encontrar a circular, por exemplo, largas dezenas de Hondas Cub originais.

Enquanto devolvia a pequena scooter que aluguei por alguns dias, e que me acompanhou sem queixumes dentro e fora de Atenas, dizia-me o funcionário – e não me pareceu que me estivesse a gozar - que o tráfego na cidade é normal. “No more than any other big city”. Não só discordei como senti algum alívio por ter sobrevivido à experiência com os ossos inteiros.