quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

Lastros de Chumbo



De repente tenho trinta e seis horas livres, arrancadas a ferros, sem compromissos de qualquer ordem.

Estamos em Janeiro, em pleno inverno, entre frio insistente, nevões e até pequenos furacões por terras pouco habituadas a estes rigores. Alivia-me saber que os furacões estão ausentes da carta meteorológica que acabo de consultar.

Imagino-me de imediato a noventa à hora, mesmo que com uma chuva miúda, com as mãos firmes em cima do guiador da Vespa, desenhando linhas secas atrás das rodas. À espera que o vento, que se desvia ao bater-me no peito, me esvazie suficientemente das más rotinas quotidianas, daquelas que nos consomem energia sem nos dar nada em troca.

É desse lastro de chumbo que vou aproveitar para me desligar nas próximas trinta e seis horas. Levo comigo a Nikon e tenho uma vaga ideia do meu azimute. Então, até já... Vamos, Vespa?

domingo, 17 de janeiro de 2010

O Futuro. Há 60 anos.




Este anúncio da Bohn Aluminium and Brass Corporation data de Setembro de 1947. É um dos últimos em que a companhia apostou para mostrar a sua visão dos equipamentos de vanguarda que poderia produzir.

A Bohn era uma companhia norte americana dinâmica que acreditava num futuro em que as ligas nobres, como o alumínio e o magnésio, inundariam a tecnologia americana. Na indústria naval, automóvel, aeronáutica, ferroviária, mas também em objectos do quotidiano americano. De um carrossel a um frigorífico.

Para projectar essa imagem de inovação e solidez lançou mão de uma poderosa e criativa campanha publicitária, nos anos 40, com ilustrações futurísticas que eram, elas próprias, toda uma visão de um futuro que nunca se chegou a nós. Em certo sentido, é pena que muitas das ideias avançadas na campanha não tenham ultrapassado o suporte de papel das ilustrações de Arthur Radebaugh. Com o distanciamento de 60 anos, imagina-se como teria sido excitante levar à prática alguns dos conceitos então explorados.

A única ilustração conhecida de Radebaugh que tem como tema uma moto é um conceito híbrido com vários elementos que podemos atribuir a uma scooter de grande porte. Estrado para os pés, alguma protecção para as pernas, rodas semi-carenadas. Se esquecermos os desajustados pneus de automóvel, trata-se de um design que, ainda hoje, faz sonhar.

sexta-feira, 1 de janeiro de 2010

Utopias Urbanas



Com menos de seis meses em vigor, ainda é cedo para medir o impacto estrutural da transposição da directiva das 125 em Portugal. Numa cidade como Lisboa vêem-se mais motos e scooters desta cilindrada, mas é difícil ter uma percepção exacta da extensão dos ganhos por mera observação de rua. Essa foi uma das razões pelas quais se inventou a estatística e os primeiros dados apontam para um forte impulso nas vendas do segmento em causa.

Pela primeira vez na história, o Top 6 das motos mais vendidas no nosso país é composto exclusivamente por 125cc. O curioso é que destas seis apenas duas são scooters. Esta tendência não se verificou em nenhum outro país da Europa que beneficiasse de legislação semelhante.

Há quem interprete estes dados no sentido de o consumidor estar a adquirir menos com a razão e mais com o coração, optando por motos tradicionais em vez de scooters, sendo que estas são, teoricamente, mais práticas em circuito urbano. Não sei se a leitura é acertada, mas não me espanta que haja um fundo de verdade nessa ilação.

Embora talvez seja abusivo e perigoso extrapolar – quase todas as 125cc são utilitárias – não podemos escamotear que, genericamente, o cidadão português médio tem especial atracção pela ostentação de veículo próprio, de preferência de marca e estatuto suficientemente sonante para impressionar o vizinho. Porque não haveria de ser assim nas motos ?

Pensando nisto, há dias li no Público uma notícia que dava conta do sucesso da implementação do programa de automóveis partilhados Cambio, em várias cidades da Bélgica. Trata-se de uma ideia para a mobilidade urbana que merece atenção.

Em traços gerais, contra o pagamento de uma taxa mensal de quatro euros recebe-se um cartão electrónico que permite ao utilizador alugar um automóvel por telefone ou internet, vinte e quatro horas por dia, sete dias por semana, pelo tempo que quiser. Pode optar-se por centenas de automóveis, de várias gamas, disponíveis em parques específicos (em Bruxelas são mais de cinquenta) junto a paragens de metro ou autocarro da empresa de transportes de Bruxelas, proprietária da Cambio.

Ao que parece, os preços do aluguer começam nos dois euros por hora, vinte e três euros por dia, ou cento e quarenta por semana, sem qualquer outro encargo. O cartão dá acesso ao veículo reservado e a chave acciona o sistema que (des)bloqueia o estacionamento em local próprio. Com este programa, prosseguia a notícia, muitos belgas já haviam optado por vender o seu automóvel próprio, decisão que não espanta para quem do automóvel faça um uso residual.

A verdade é que o conceito tem potencial. Talvez pareça utópico e pouco consentâneo com a tal mentalidade portuguesa, mas façam este exercício: imaginem o conceito Cambio aplicado numa grande cidade lusa. Sim, com muito menos dinheiro envolvido. Em vez da partilha de automóveis, imaginem a partilha de scooters…

domingo, 27 de dezembro de 2009

Ajuste do Tempo




Quando se tem filhos pequenos a gestão do nosso tempo muda. É uma espécie de ruptura silenciosa. O centro da nossa vida desloca-se, o que obriga a redefinir prioridades.

Infelizmente, a vertiginosa vida “moderna” acelera à medida que o tempo avança. Até agora, tanto quanto me é possível perceber no meu caso, esse ascendente expressa-se em duas linhas paralelas, sem que pareça possível, à vista, abrandar. Não o tempo, claro, mas o ritmo de vida.

Quando a família cresce julgo que é comum suceder que se vão abandonando hobbies ou mesmo vários interesses mais difusos, sem aviso ou despedida marcada. Talvez os retome mais adiante, gosto de acreditar nisso. Mas, pelo menos nos primeiros anos, o equilíbrio é (re)feito à custa de fortes tesouradas em alguns programas que nos fazem respirar melhor.

Um dos prazeres que menos sangria sofreu foi o de ver o mundo em cima de uma scooter. Agora que penso nisso talvez tenha alterado alguma coisa. Saio menos vezes. Muito menos. Mas aprecio cada vez mais os passeios longos, esticados no tempo. E mesmo os curtos, são mais saboreados.

Há menos tempo no relógio, mas sente-se mais urgência em beber o instante. Gozar o passeio, estar atento ao que existe lá fora, ao que se nos mostra ou simplesmente está à espera que nós descubramos.

Ver, para além de olhar. Ver talvez seja olhar sem displicência. Talvez com menos ingenuidade, é certo, mas com autenticidade.

Permitirmos adequar a velocidade do espaço físico à nossa velocidade, abrandando-a, é um bom primeiro passo. A scooter é um belo meio para o conseguir.

domingo, 20 de dezembro de 2009

Frio de Dezembro na Figueira




O Inverno que aí está costuma fazer desaparecer da estrada a maioria das scooters que habitam por paragens lusitanas. Apesar de, por norma, a estação fria não ser muito inclemente nos climas temperados do sul da Europa, no nosso belo rectângulo é comum verificar-se um fenómeno climático que combina garagens quentes com condutores friorentos.


Para provar que esta tendência não é uma fatalidade, alguns scooteristas marcaram rapidamente um encontro, com azimutes virados para a Figueira da Foz, a pretexto de um almoço que serviu para juntar à mesma mesa uma vintena de capacetes.
 
 
Vindos de Guimarães, Porto, Aveiro, Coimbra ou Lisboa, em comum traziam várias camadas de equipamento de Inverno e vontade de dar muitas voltas às diminutas rodas das suas scooters. Calor só mesmo nas pequenas cambotas, porque o domingo estava gélido, embora seco. Em Dezembro temos poucas horas de luz natural e as scooters são, por definição, um veículo lento. O que nos obriga a chegar, ver a Figueira de raspão e zarpar. Como é serena a Figueira, serra e mar abraçados. É que, na Serra da Boa Viagem, no topo da torre de vigia do guarda florestal, cabe tudo no visor da minha máquina.


 

sábado, 12 de dezembro de 2009

Gooolo do Marketing !! - Vespa GTS 300 Super Sport



Como boa parte de vós saberá, a Piaggio é um dos maiores construtores mundiais de motos. Com origens ainda no século XIX, começou por mergulhar na indústria naval, experimentou a ferrovia, lançou-se na aeronáutica e aterrou nas motos, actualmente o seu core business. Sob o chapéu do grupo transalpino abrigam-se hoje, nas duas rodas, emblemas como a lendária MotoGuzzi, a irreverente Aprilia, a jovem espanhola Derbi, ou a centenária Gilera. Contudo, a marca do portfolio que há mais tempo se encontra ligada ao grupo, e que muitas vezes com ele se confunde, não nasceu marca. Nasceu modelo que se transformou em marca, por força da sua projecção. De seu nome, Vespa. Um nome que nasce assim merece não só respeito, como um cuidado acrescido. Designadamente no lançamento criterioso de novos modelos. Na verdade, a Piaggio carrega um ónus, digamos, benévolo. Quando as decisões são correctas, existe uma boa probabilidade de desencadearem reacções fortemente positivas. Medidas no mercado mas não só. O potencial de impacto dessas decisões tem uma escala que só está ao alcance de um número muito restrito de marcas. A Vespa é uma delas.

Um parêntesis aqui para sublinhar que o que fica dito não significa que pugne especialmente pelo conservadorismo, ou pela nostalgia pura e dura. Pelo contrário. Há um traço de contemporaneidade característico da Vespa que só pode existir se ela se reinventar, aceitando o desafio de acompanhar o tempo presente ou até antecipar o futuro. Aprecio, por isso, a inovação. Especialmente se esta se fundir em harmonia com a melhor tradição de cada marca, com o que lhe traça os genes. Seja o V2 paralelo da Guzzi ou os painéis metálicos estampados do quadro da Vespa.

Vem isto a propósito do último lançamento comercial da Vespa. Está para muito breve a chegada aos stands da GTS 300 Super Sport. Que, no meu modesto entendimento, continua (é este o verbo certo) uma scooter belíssima e altamente cobiçada pelo meu subconsciente.

O conhecido chassis nascido em 2003, com a GT (Granturismo), surge agora na sua sexta roupagem o que, estatisticamente, lhe dá em média um fato novo por ano. Acontece que os modelos que sucederam à GT – GTS 250, GT 60º, GTV 250, GTS 300 Super – pareciam ter uma razão de ser concreta, para lá da cortina de fumo do marketing. Na verdade, todas estas evoluções trouxeram algo de novo, por pouco que fosse. Duas alterações no motor, que foi crescendo de capacidade, acompanhadas de alterações estéticas mais ou menos subtis, consoante se visava conferir maior exclusividade ou, em alternativa, superior pragmatismo.

Pela primeira vez na história da saga GT - e também contra a melhor tradição Vespa - , a nova 300 Super Sport não acrescenta uma única alteração digna desse nome em relação à versão precedente. Nem na motorização, nem nos componentes, nem no desenho. Zero. Ou quase. Temos novas pinturas (bem bonitas, não custa reconhecer o belo), estrias no banco e dois pares de autocolantes e logótipos. Muito pouco para lhe chamar, com propriedade, um novo modelo. Ainda mais se pensarmos no sufixo comercial escolhido: Sport. Nada, na essência ou na aparência, a torna mais ou menos desportiva do que a conhecida Super. E nem seria preciso muito para, dentro das limitações naturais do conceito, lhe atribuir um carácter realmente diferenciador, que traduzisse um acrescento sportivo à saída da fábrica de Pontedera. Combine-se, por exemplo, um banco ao estilo Corsa, um cuppolino exclusivo, um guarda lamas diferente ou suspensões de taragem mais agressiva. Para me cingir apenas a alterações que por certo não encareceriam significativamente o produto final. Respeitariam a boa tradição. Não menosprezariam o público, que não gosta de ver anunciado como novo modelo algo que não o é. E, provavelmente, serviriam melhor os clientes, que podiam optar entre duas versões vincadamente diferentes. Não seria mais entusiasmante ?


(imagem catálogo Vespa)

terça-feira, 1 de dezembro de 2009

Quilómetros à Chuva




Reconheço que é um exercício difícil. Explicar a alguém porque motivo faz sentido utilizar a scooter para fazer uma centena de quilómetros diários justamente agora que o frio parece querer gelar-me os ossos e a chuva teima em não deixar de cair. Fora de mim, para lá do meu fato de chuva.

A estrada esconde-se por debaixo da película de água e da viseira do meu capacete escorrem rios de gotas. Escondo-me também. No meu escudo, no meu mundo, no meu fundo. No meu silêncio disfarçado pelo ruído do escape. Estranhamente, é na aparente claustrofobia da imersão no equipamento, nesse silêncio para além da máquina, que muitas vezes encontro espaço para falar comigo.

Parece um absurdo, eu sei. Até porque é à chuva que a condução em duas rodas se torna especialmente delicada, exigindo ainda maior apuro dos sentidos. Tudo se torna mais difícil. O doseamento da travagem e da aceleração, o equilíbrio em curva, o vento, as marcas das passadeiras, as tampas de esgoto, as juntas das pontes e viadutos, a visibilidade reduzida, os automobilistas ainda mais distraídos. Tudo isto retira espaço à introspecção. A impressão que tenho talvez seja errada, mas é como se o cérebro processasse com outra rapidez a informação. Como se fosse outra a gaveta de cansaço, diferente daquela que costumo usar quotidianamente. É certo que as viagens, feitas assim, são objectivamente mais cansativas do ponto de vista da condução. Mas nunca dou comigo a pensar que preferia ter levado o carro. Isso basta-me. Eis as verdadeiras razões pelas quais os meus odómetros parecem rolar mais à chuva.