Confesso-me adepto de tiradas longas em scooter. Quando digo longas não estou a falar de fazer Lisboa-Zurique. Mas aqueles passeios de quarenta quilómetros com uma bucha a meio caminho, tão típico dos numerosos encontros de scooters entre a Primavera e o Outono, sabem-me a muito pouco. Quando ouvi falar do Guimarães-Lisboa, prova de regularidade, a ideia pareceu-me tentadora. Falhei o primeiro, mas lancei o desafio ao meu bom amigo Júlio, que não foi nada difícil de convencer, para voltarmos a reunir a Scuderia Granturismo para o 2º Guimarães-Lisboa.
A prova previa a ligação em percurso secreto até entrega do road book, ligando Guimarães a Fátima, no sábado, e desta cidade até à capital, no domingo. O que nos obrigava a sair sexta-feira à noite de Lisboa, para chegar à cidade berço previsivelmente já de madrugada.
Apesar de um imponderável profissional de última hora, que nos obrigou a sair de Torres Vedras e não de Lisboa como previsto, o plano era simples: N8 até Leiria, N1 até estarmos cansados da nacional. Alternando o ritmo, ora rápido, ora contemplativo, chegámos à Mealhada às 21.45. Boa hora para abastecer o estômago. Seguimos pela N1 até Estarreja e chegámos à conclusão que era melhor opção acelerar a cadência, sob pena de ninguém nos guiar em Guimarães até à Penha.
Chegámos perto da uma da manhã, com um frio algo inesperado. Infelizmente o cenário no alojamento da Penha alternava entre o surreal e o trágico-cómico. Explicaram-nos que se tratava de uma solução de recurso, o que compreendemos. Claro que a organização tudo fez com boa vontade e muito empenho, mas é decididamente um ponto a rever em próximas edições. Noite (muito) mal dormida, especialmente quando já tínhamos 400kms em cima de um dia de trabalho e tudo o que esperávamos era um bom banho quente e um sono retemperador.
No sábado a saída da Penha estava agendada para as 8.30. Estão a ver um road-book tradicional? Esqueçam isso. Aqui impera a orientação mais intuitiva e a economia de palavras e referências. Aliás, viajei sempre sem road-book, o meu era o do Júlio.
Passagem rápida por Felgueiras e Amarante, saindo da terra de Amadeo de Sousa Cardozo em direcção a Mesão Frio, numa estrada que muitas vezes fiz nos saudosos Ralis de Portugal, a caminho dos troços da Aboboreira e Carvalho de Rei. Num deles vi com alguma nostalgia que o acesso ao início do troço já largou as cores da terra. Foi-se o rali, chegou o asfalto. No topo do planalto, cortada à direita em direcção a Baião. Poucos (quase nenhuns) fizeram este pedaço de estrada, passando por Baião, mas estava lá no Road-Book a Fundação Eça de Queirós. Contem com pelo menos uma hora de caminho. Bela estrada, com óptimas curvas a antecipar o cenário de sonho da descida até ao Peso da Régua.
Aqui, confesso que desliguei o "relógio". Parámos para contemplar a magnífica simbiose das vinhas abraçando o Douro nas suas margens. Não me canso desta terra. Quando aqui volto descubro sempre novos motivos de interesse. Vir de GT também permite relaxar, apurar os sentidos e revela-nos outras abordagens da paisagem, novos pontos de observação. Passámos pela Régua sem cuidar de procurar o controlo de passagem- tal era o atraso - e viemos a saber que até já estava fechado, pois encontrámos o Rui Tavares e seus colegas de equipa em Lamego, também com atraso idêntico.
A partir daqui seguimos em grupo e com a companhia do incansável Paulo Salgado e dos simpáticos socorristas de Felgueiras com a mítica ambulância de prova, a cumprir funções simultâneas: médica e de carro vassoura…
Paragem rápida em Castro Daire para um retempero de forças, arrancando em seguida para S.Pedro do Sul. Não me recordo da última vez que ali estive, mas deve ter sido há muitos anos, porque de nada me lembrava. O cansaço aqui pesou-me. Abria a viseira para refrescar nas zonas entre árvores, o piso era sofrível e as curvas muito repetitivas. Apanhámos o LTB e o Hugo que após uma soneca em estrada se juntaram até Anadia.
Antes ainda, tangente a Sever do Vouga. Impressionou-me observar, ainda que de passagem, as instalações fabris colossais, abandonadas há anos, de várias empresas cuja produção deve ter sido importante noutros tempos. Pela imponência das fábricas, Sever do Vouga deverá ter sido um pólo industrial dinâmico. Custa ver o abandono. Tive pena de não parar aqui para fotografar com calma, pois era um óptimo target. Anadia (ou Mealhada) e Leitão são palavras gémeas. Paragem para duas maravilhosas sandes do dito, acompanhadas pela auto-combustão da T5 do Rui Tavares, doutamente dominada pelo LTB. Aqui recuperámos algum ânimo para o troço final, passando por Ansião e Ourém, em direcção a Fátima.
Curioso que repetimos parte do percurso do Lés-a-Lés deste ano, entre o cruzamento para Alcabideque (não confundir com Alcabideche...) e Rabaçal. Já nessa zona tinha havido um calafrio com a Indian Scout do nosso amigo Luís Pinto, com uma saída de estrada felizmente sem consequências. Desta vez foi um amigo de uma GTS que desafiou os limites da física, sendo que a areia desempatou a favor da gravidade (de física, claro!)... Um joelho esfolado e uma nova aerodinâmica na lateral esquerda da Vespa foram os prejuízos a lamentar. A ambulância demorou 15 segundos a chegar ao local (!), tal era a proximidade.
Em Fátima esperava-nos uma Residencial que chegou e sobrou para as necessidades. Confesso que estava bem cansado, com 800 kms em dois dias e uma noite praticamente sem dormir pelo meio. Quarto duplo, banho e descanso, com um jantar simpático de permeio, soube-me a cinco estrelas superior.
O domingo foi dia de passeio a rolar, em direcção ao Cartaxo com passagem por Santarém. Também aqui algumas paisagens inéditas em viagem. Já no Cartaxo, recepção acolhedora e simpática, à semelhança dos Vespa Clubes que colaboraram na Organização da viagem. Até à entrada em Lisboa a principal dificuldade foi tornar o grupo compacto, para entrarmos juntos na capital. Aqui a ambulância deu muito jeito, tornando a caravana rainha de rotundas, cruzamentos e entroncamentos.
Após paragem na Torre de Belém para as fotografias da praxe, controlo final no VCL para o almoço e para as despedidas. 1000kms depois, regresso a casa com a GT inteira. Cansado, mas soube-me a passeio. Dos longos.
2 comentários:
Boa noite,Vasco.
O comentador é o presunçoso que se atraveu a desafiar as leis da física e,simultâneamente,duvidava da qualidade e prontidão dos serviços "médicos". Não repito, não gosto de perder, mas voltarei em 2009 para percorrer um traçado ainda mais tentador a julgar pelo que o Miguel Ângelo foi deixando escapar hoje, durante o passeio "25 de Abril" organizado pelo Vespa Club do Minho.
Espero que também compareça. Está prometida uma organização "profissional" com road book e tudo!
Poderemos marcar encontro novamente em Lamego ou Castro d´Aire ou onde o acaso entender e motivos para uma crónica tão fiel e saborosa como a que acabo de ler não faltarão, aposto.
Está convocado.
Um abraço.
Viva, Alexandre! Espero que o orgulho ferido da GTS, que eu destapei sem pudor na foto de abertura, já esteja bem recomposto. Gostava de repetir o Guimarães-Lisboa com boa companhia na estrada como este ano, mas ainda é muito cedo para aceitar essa convocatória. Um abraço.
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