quarta-feira, 30 de maio de 2012

Pretendente ao Trono - Yamaha Majesty 400 2007




Majesty 400. O nome soa estranho para quem disputa um espaço no meu hangar. Como que anunciando alguma altivez, pela numeração e principalmente pela designação a apelar a uma nobreza que ainda não provou, decidi atribuir-lhe o lugar número dois, mantendo a Bianca no trono, e relegando temporariamente a Helix para a placa.


Ao lado da Helix, observo quase trinta anos de evolução. Esta Majesty é o modelo de 2007. Larga, comprida, baixa. Roda catorze, dois majorados discos à frente com ABS, um perfil que se desenha a 45 graus até ao topo do ecrã alto, mas muito inclinado, a procurar minimizar o arrasto aerodinâmico.




Espreito por trás do ecrã e vejo um painel com manómetros de inspiração na indústria automóvel. Tacómetro, velocímetro, luzes, parciais, ecrã de cristais líquidos, parafernália. Travão de mão e punhos aquecidos. Acciono comandos e pressinto que ali estarão para servir trinta anos, se preciso for.


Já agora sento-me. Banco algo duro, mas largo. Suficientemente confortável sem ser um sofá, e com apoio lombar. A plataforma é de skis, estico as pernas e os meus joelhos ficam bem abaixo da linha de cintura. Adequada para o meu metro e setenta. A scooter mantém-se larga atrás, com assento avantajado para o passageiro, bons apoios e uma linha que remata com um farolim rasgado, também em estilo automóvel. Do lado direito sobressai uma enorme saída de escape, a dominar as atenções. A zona inferior de toda a scooter é executada num plástico negro. Sólido e robusto mas pouco elegante. Levantando o banco descubro um espaço alcatifado, com luz e amortecedor, muito bem escavado, onde posso guardar dois capacetes integrais e outros pequenos objectos.  






Manobro a scooter desligada e o peso é evidente. Decido convocar o motor que responde à chamada num som grave. Enquanto aperto o capacete e calço as luvas o LCD vai mostrando o ponteiro da temperatura a trepar de nível, o ralenti baixa de modo tão suave que não repararia se não estivesse atento.







Antes de arrancar já esperava que o motor vibrasse mais do que o desejado a baixa velocidade. Apesar dos avisos, contava que fosse mais subtil. Até aos 50 kms/h bate e sente-se algo rude no trato, parecendo não se sentir bem quando tem que sair em reprise de tão baixa velocidade, ou vencer a inércia inicial quando parado. Não é um 400cc rápido. Será talvez veloz, mas rápido não é. E também aqui se sente o peso.


A partir deste nível de velocidade começa a ganhar suavidade de funcionamento, e embala desde os 80 kms/h. É nesta franja que se sente melhor até aos 130kms/h, a partir dos quais progride bem, mas já com mais esforço até perto dos 160kms/h. O que é uma velocidade respeitável para uma scooter. Digamos que é um falso lento.




E a travar ? O ABS aqui dita leis, auxiliando os três discos. É seguro e descansa a mente saber que numa emergência responderá, especialmente em condições de aderência difíceis. 


Levar a Majesty numa zona de serra com curvas encadeadas apela ao seu relativamente baixo centro de gravidade, e pode ser verdadeiramente divertido, contanto que o piso se apresente como numa mesa de bilhar. Ressaltos e irregularidades sacodem a seca suspensão traseira, que não me pareceu casar com grande harmonia com a demasiado mole suspensão frontal, o que só se torna mais evidente em modo ataque. Não é exactamente o que é suposto fazer-se com a Majesty. Não lhe peçam para ser uma atleta porque a gordura está lá, e vai mostrar-se quando sentirem a frente a varejar lateralmente em ritmos mais impetuosos e inadequados. 





Na cidade, pelo contrário, é dócil e relaxada, esgueira-se bem entre o trânsito, apesar do peso e de ser relativamente larga.


Antes de me sentar na scooter tinha-me lembrado da T-MAX que por aqui passou,  mas logo percebi que não faz qualquer sentido compará-las. A T-MAX é nervo, reage instantaneamente a cada ordem ou comando. Exige do condutor. A Majesty demora, incita a um temperamento mais calmo, contemplativo. Não discute o protagonismo. E é conveniente, diria até necessário, que o condutor interiorize esse registo. A Majesty não é uma moto, nem sequer é uma scooter rápida. Tem trinta e quatro cavalos para perto de duzentos quilos de peso, não convém esperar um porte atlético ou ultrapassagens a relembrar um trovão. Embalem-na - como num avião - , descontraiam, e mostrem-lhe estrada aberta. Dêem-lhe tempo e espaço e ela recompensar-vos-à com outras virtudes.


sábado, 26 de maio de 2012

Manobras no Hangar



Aterrou e manobrou no meu hangar uma espécie pertencente à classe maxi-scooter, de origem japonesa. Será submetida nos próximos dias a voos tripulados sobre os quais emitirei oportuno relatório. Vou interromper a emissão de seguida, para dar início ao procedimento de arranque. Ignição, contacto...




domingo, 29 de abril de 2012

Clássica Popular - Vespa 150 Sprint 1968








No princípio era um sonho. E sonhar ocupa grande parte do dia de um pré-adolescente. À porta da escola preparatória em Ílhavo, o menino Barreto cobiçava a 150 Sprint do senhor Élio. Era vermelha, facto que não o impedia de a desenhar a carvão nos cadernos e imaginar como seria ter uma Vespa só sua. A vida foi oferecendo outros rumos, o vermelho foi-se esbatendo e a Sprint do senhor Élio talvez já não exista. Mas ficou uma marca. Aos vinte e cinco anos, os astros alinharam-se: um chassis Vespa, os primeiros salários pós universidade, e uma visita na hora certa à conceituada oficina de Ílhavo rastilharam o sonho, que pôde assim começar a ganhar forma. Fora da imaginação. E em cor vermelha.



 
As clássicas populares são, por definição, engenhos que apresentam o encanto do antigamente e que não exigem que vendamos o apartamento para as adquirir.  
 
As regras implícitas do mundo das máquinas antigas ditam que o valor de um veículo é determinado pela conjugação de três vectores base fundamentais: antiguidade; raridade; conservação.

A Vespa 150 Sprint é, provavelmente, a mais comum das Vespa clássicas que pode ser encontrada no nosso país. No final dos anos 60, vendeu-se em Portugal em números que podem adjectivar-se como massivos.








Com frequência sucede que os fenómenos de popularidade têm razões objectivas que os justificam. No caso da Sprint, era um veículo competente e equilibrado, em utilização e custo. 

Ora, perante grande parte das suas primas, a Sprint tem dificuldade em garantir justamente o requisito da raridade para vir a atingir valores de mercado exorbitantes, embora alguns vendedores se esforcem para lá do razoável para contrariar esta regra.

Este facto histórico, que pode ser uma desvantagem para alguns, é visto por outros como uma oportunidade. A Sprint é um modelo relativamente acessível, com uma linha dos anos sessenta com classe, e uma performance suficientemente decente para não empatar o trânsito numa estrada nacional.

Acresce que por não ser tão rara ou exótica, muitas vezes é eleita como companheira de aventuras mais despreocupadas, o que faz dela uma das mais utilizadas entre as antigas.

A conjugação destes factores torna a Sprint num dos principais modelos de entrada no mundo Vespa pela porta da mágica palavra "clássicas".









Experimentar uma Vespa clássica é muitas vezes enganador. A verdade é que, na prática, a tendência é para cada Vespa ser diferente de outra, ainda que o modelo seja exactamente o mesmo. Os anos pesam, os materiais não são eternos. Por vezes a vontade de alterar ou melhorar alguns aspectos funcionais prevalece. Noutros casos, a dificuldade em encontrar algumas peças acelera alterações que o proprietário preferia evitar. 
   
Esta Sprint que vêm nas imagem foi resgatada das trevas em 2005, e é propriedade do Luís Barreto, o menino Barreto do início desta crónica, um entusiasta dedicado que vibra quando fala do seu Vespão, bem mais do que o coração da máquina italiana em andamento.

Ao contrário do habitual, este exemplar não sofreu alterações cardíacas de monta. O cilindro é o Piaggio original em ferro e o pistão está no limite, exibindo a cota máxima para um cilindro com 150cc. Como se trata de um modelo de 1968, os transféres, que se mantêm intactos, são dois e não três, como nas Sprint posteriores. Por um lado é limitativo na performance comparativa, mas por outro obedece ao critério da originalidade.




O escape, fundamental num motor a dois tempos, é um Sito Plus ligeiramente reforçado na curva e rebaixado no bocal e no aperto ao cárter. A embraiagem também foi modificada a pedido do proprietário.




A alimentação está a cargo da original e italiana Dell´orto, com a referência correcta, 18/20. É sabido que um motor a dois tempos é especialmente sensível aos mistérios da carburação. O Luís entrega os truques da ciência da sua afinação à conceituada cada de Ílhavo dos irmãos Vidal. 

A combinação de mistura combustível/óleo usada no depósito é de dois por cento, com preferência para o produto nacional mineral, Galp. Até à data sem incidentes, excepto um agarranço causado por um esquecimento num abastecimento apressado.

O teste à Sprint beneficiou de um pano de fundo cénico sinuoso, e que dificilmente poderia ser mais belo: a visita à Serra da Estrela, em Março. Estrada seca, temperaturas quase amenas, o que significa termómetros em alta para a época.




Estava preparado para alguma dose extra de mau génio por parte do motor, característica que quase sempre encontro em máquinas com esta idade. É justo reconhecer que fui surpreendido. O equilíbrio e afinação rigorosa da carburação tornam a condução bastante mais suave do que antecipei, solicitando menos a urgência da atenção do condutor. Este facto, para além de reflectir o bom trabalho feito, permite algum conforto adicional na viagem, quer físico, quer psíquico, pois sabemos que mão de obra qualificada certifica mais fiabilidade.




Não esperem sentir vibrações sónicas, nem acelerações dramáticas. A performance é muito linear, trepa rotações com alegria mas sem urgência nos regimes baixo e médio, e só fica mais afónico nas notas altas, que não é o seu habitat natural. Ainda assim, surpreendentemente solto para a minha expectativa, em face da suavidade e regularidade do funcionamento, em especial se não perdermos de vista que o grupo térmico atrás do balon direito é o original. Que não foi pensado para ser propriamente um motor de corrida, mas sim para levar o seu proprietário ao trabalho, ao campo e à praia, sem preocupações que não fossem a economia e a fiabilidade.

Globalmente, esta Sprint seria a clássica que aconselharia a quem quer uma Vespa de época, anterior aos anos 70, com o equilíbrio ideal entre design, fiabilidade, performance e economia na aquisição e na manutenção.  

O único capítulo em que se notam debilidades é o da travagem, ténue e tímida. O que é pena, pois acaba por limitar o prazer de explorar um motor tão honesto, e a agilidade típica de uma Vespa, pela Serra fora.

Estranhei também alguma dificuldade em ir buscar a quarta quando precisava de reduzir, pois a manete pareceu-me sempre demasiado escondida para baixo, sensação que nunca havia experimentado numa Vespa clássica. De resto, nota máxima para o banco Corsa, muito bonito, e que foi objecto da atenção do Luís que o afinou a seu gosto, de modo a que ficasse mais baixo e se ajustasse melhor à linha da Sprint. 






É mais uma alteração reversível simples, que confere personalidade extra a uma Sprint que tem muito do seu proprietário, mas que se mantém no equilíbrio certo, porque é impossível não ver nela, em simultâneo, uma clássica popular de pleno direito.   


   

quinta-feira, 22 de março de 2012

Na Pista



Parado à saída do pitlane, com o motor ao ralenti, e enquanto aguardamos ordem do comissário para avançar, estou estranhamente descontraído e relaxado.




Nas ocasiões em que me encontrei aqui neste mesmo pedaço de pista, em terreno quase sagrado para um devoto confesso do desporto motorizado, estava mais tenso e focado. Relembrei então ocasiões em que arranquei deste mesmo pitlane, em especial duas: uma corrida com um Super Kart nas mãos, à chuva, de pneus slicks, ou a mais memorável boleia da minha vida, em 2003, com Jean Ragnotti ao volante do Renault 5 Maxi Turbo vencedor do Tour de Corse de 1985.

São apenas duas das memórias vivas que ajudam a explicar porque motivo o Autódromo do Estoril é e será sempre especial para mim.

Desta vez, a descontracção reina. Vamos para a pista num grupo de pouco mais de uma dezena de Vespas, verdadeiro peixe fora de água. O evento é o Estoril Experience Day dedicado também a clubes, na boa tradição inglesa de track days. Em boa hora o Vespa Clube de Lisboa se associou à iniciativa.

Pisar os quatro quilómetros e cem metros de alcatrão do autódromo em Vespa é algo bizarro. Foi aqui mesmo que se consagraram nomes como Lauda, Senna, Prost ou Mansell, em máquinas que na qualificação da era turbo na F1 atingiam cerca de mil cavalos. Um pouco mais do que os vinte e dois que estão à minha ordem na Bianca.




Saímos para a pista imediatamente após a curva um, e entramos num parque de diversões para gente grande. É um par de voltas sem pretensões, não é uma corrida, mas ninguém perde a oportunidade de enrolar o cabo. Nunca aqui tinha andado em duas rodas, pelo que é uma estreia para mim e para a Bianca. Infelizmente não tenho (ainda) uma GoPro, pelo que não há filme, e também estava demasiado ocupado a gozar a pista para fazer fotografias.

Em circuito, convém seguir regras mínimas de bom senso se queremos evitar palermices e dissabores. Mas alguns truques são mais específicos. Ao contrário do que acontece com as máquinas de quatro rodas, de moto ou scooter devemos esquecer que existem correctores, não devemos pisá-los em qualquer circunstância.

De início desfrutamos da pista num grupo compacto de Vespas nas curvas dois e três, antes de negociarmos a esquerda que constituiu a lenta curva VIP. Pela primeira vez desejei ter mudanças manuais na manete esquerda. No Estoril sou forçado a reconhecer que daria outro gozo.

À saída da VIP há que abrir a garganta ao acelerador na longa recta partida por uma ligeiríssima direita a fundo que nos guia até à parabólica interior, travando a descer bem depois da placa dos cem metros. Curva longa a subir e a atirar-nos para o exterior da corda, e nova descida em relevo natural para a curva da orelha. À saída mantemo-nos na mesma trajectória para inclinar sobre a direita e travar para acesso à subida dos ésses. Acelerador a fundo - vamos de Vespa ! - e saída para a esquerda de acesso à longa e difícil Parabólica Ayrton Senna, com várias linhas boas para explorar. É altura de acelerar a fundo logo que controlamos a trajectória à saída da curva para não pisar o corrector. Durante cerca de um quilómetro vamos em carga máxima, passando frente às boxes e à tribuna. Depois de passarmos pela bancada B a descida vai-se acentuando à medida que nos aproximamos de novo da travagem para a curva um. Nova volta em curso. Numa pista tudo é rápido e intenso. De Vespa é lento e divertido.





 


















domingo, 18 de março de 2012

Para Além da Serra (II)





Subitamente encharcado por visitas transcontinentais via link da Horta, entendi que valia a pena aproveitar a embalagem e mostrar mais alguns instantâneos da jornada da Serra da Estrela 2012. Boa viagem...