terça-feira, 5 de março de 2019

Lés a Lés "a la Carte"





A ideia inicial era bastante mais ambiciosa: ir em Junho de 2018 aos Picos da Europa, para gozar (outra vez) o norte de Espanha, mas um pouco mais a leste, para as verdes paisagens e estradas em carrossel. Os suspeitos do costume reuniram-se e decretaram no grupo do WhatsApp: não temos tempo para tudo. Ou fazemos a viagem e gozamos muito pouco em voltas no destino, o que seria em si mesmo criminoso, ou então temos que ir de automóvel com as scooters no reboque até lá. Hummm. A primeira solução pareceu-nos só pateta. A segunda afigurou-se-nos como a assunção de uma fraqueza - na verdade, não arranjámos um reboque suficientemente grande.

Pesadas as vantagens e inconvenientes, engendrámos um plano mais comedido, sem sair das fronteiras lusitanas. Que tal o Lés a Lés de 2017 ? Não o fizemos, temos acesso ao road-book com surpresas por desbravar. Parecia aliciante. O Rui ficou de desenhar um percurso para animar a ligação do Porto a Vila Pouca de Aguiar. O Paulo sugeriu anularmos o percurso já no Algarve, que na verdade não encerrava novidades apetecíveis. E eu avancei com a ideia de regressarmos para norte via Lés a Lés de 2012, com uma parte de terra e passagens a vau significativamente mais dura do que a média dos últimos Lés a Lés que fizemos. Acabámos por cortar o percurso a seguir a Arronches e colámos mais a oeste a tal etapa de 2012.

Road-books feitos, scooters preparadas e o ânimo em alta. Aquela sensação de leveza de espírito, de ter uns dias de evasão pela frente. Saimos de Lisboa ao encontro do Rui, chegámos ao Porto ao fim da tarde, nas calmas.

No dia seguinte, levantar cedo. Relativamente cedo. Acabaram-se as alvoradas às cinco da manhã, para estar no palanque às seis em ponto a abrir a estrada. Neste Lés a Lés à la carte o ritmo é outro. Apetece parar ? Paramos. Sem pedir licença, nem penalizar o atraso no cronómetro. Não há cronómetro. O relógio mede-se apenas em horas de luz.

Neste primeiro dia de percurso com navegação, perdemo-nos espectacularmente a seguir às serras de Fafe. Talvez aí uns quarenta quilómetros perdidos, totalmente ao lado do percurso previamente definido. O mais engraçado é que só reparámos nisso muito tempo depois. A estrada era tão boa que nos sentimos abençoados pela falha no mapa. Estávamos quase em terras de Barroso !









Entretanto eu estava a ficar adormecido pelo sofá da X8 e roubei a T5 ao Rui, para uma injecção de adrenalina. Aproveitava as curvas para me lançar em modo T5 Pole Position, daquelas palermices que nos retiram 30 anos de idade mental. Estava a gozar o ruído estridente da Vespa e tão à frente que deixei de ouvir os meus amigos pelo rádio. 





Nisto, o Miguel, algures num planalto deserto, tinha ficado para trás. Estranhámos que não respondesse pelo rádio e demos meia volta.  Descobrimos então que ele decidiu atirar-se para o chão a setenta à hora ! Um furo causado por um rebentamento de câmara de ar no pneu traseiro ! 
















Podia ter-se aleijado mais a sério, felizmente foram só umas escoriações nas zonas sensíveis... da Vespa: guarda lamas, pedal de arranque e o meu antigo cuppolino da Bala, agora na PX do Miguel. Lição aprendida: umas jantes tubeless como deve ser são equipamento de segurança que vale cada cêntimo de investimento. 

Após a primeira intervenção forçada na estrada, havia que retemperar forças e almoçar antes daquele que era o início da primeira etapa do Lés oficial, em Vila Pouca de Aguiar. 

O início a norte é tradicionalmente apetitoso, mas é difícil pedir mais quando nos dão um dos meus troços preferidos para conduzir logo a abrir, Vila Real - Santa Marta de Penaguião. 

Em vez de continuar a descer, virámos à esquerda para S. João da Pesqueira e o clássico S. Salvador do Mundo. 

Estradas de encantar, com o Alto Douro Vinhateiro a servir de cenário a um passeio de luxo, como a estação ferroviária de Ferradosa, ou a aldeia de S. Xisto, ambas novidade para mim, antes de Freixo de Numão. 



























O epílogo da etapa seria em Vila Nova de Foz Côa, onde jantámos. Mas para o cair da noite ainda estava reservada uma aventura depois de descermos a um paraíso na terra chamado Reserva Natural da Faia Brava, nas margens do Côa, a primeira reserva natural privada de Portugal. 

Subimos a Cidadelhe, uma aldeia em processo de restauro. No road-book estava desenhado um circuito pela aldeia, pensado para a luz do dia. O problema é que era noite cerrada, praticamente sem luz na aldeia, com todo o piso dos arruamentos em terra. Já não estava fácil navegar, sem luz decente no leitor de road-book, mas a visita tornou-se uma verdadeira aventura quando começaram a aparecer vários cães corpulentos vindos das trevas e a aparecerem nos feixes de luz das scooters. Entre arranques desesperados, punhos trancados e derrapagens mais ou menos involuntárias, lá conseguimos cansá-los, mas não ganhámos para o susto !

Escapados aos caninos, retirámos com o rabo entre as pernas em direção a Figueira de Castelo Rodrigo, onde iríamos dormir. Fechámos o dia numa estrada escura e mais cansados do que prevíamos para dia de ligação. Mas tinha valido - e muito ! - a pena. 



   












6 comentários:

Rui Tavares disse...

Espetaculares os sorrisos nas fotos e os lugares.
Isto veio despoeirar a minha memória, recordando-me também que tenho o relato deste passeio em Draft desde Outubro de 2018!.

Anónimo disse...

Para além do mergulho nas imagens de tantas boas memórias, que alegria voltar a ler um relato do Vasco.

Um regresso em beleza! E ainda faltam dois dias de viagem... ;-)

Muito obrigado Vasco.

Paulo

Slow disse...

Caro Vasco,

"daquelas palermices que nos retiram 30 anos de idade mental": muito bom.
Grande abraço e boas curvas. Reserva uma "gasosa" para o alentejo. Já sabes que está sempre em cima da mesa.

VCS disse...

Rui,

Desenterra lá essa crónica e termina-a, também goto de ler, não é só escrever !

Abraço,
Vasco

VCS disse...

Paulo,

Muito obrigado pelas palavras ! Dão-me ânimo para dar ao kick mais vezes no blog !

Abraço,

Vasco

VCS disse...

Slow,

Está prometida nova volta no Alentejo. É só dizeres quando regressas ao continente.

Abraço,
Vasco