quarta-feira, 16 de julho de 2014

Super Passeio (II)






"Amanhã vou ter o dia inteiro livre e conto dar uma volta Kinder. Alguém alinha ?"


O mote dirigido ao Miguel e ao Paulo fez ricochete e três agendas convergiram para um céu azul sem nuvens até às sete da tarde.

Para quem não sabe, o requisito para se poder falar de uma volta kinder surpresa é que o destino não esteja previamente definido. Abre-se o  mapa antes de ligar o motor e escolhe-se vagamente uma rota. Sabíamos que não iríamos para Sul, razão pela qual acertámos uma hora para o Paulo se encontrar connosco. A partir daí debatemos ao mesmo tempo que abastecíamos os depósitos. 






A volta levou-nos até um almoço no Alto Alentejo, em Nisa. Não era o inicialmente pensado, o que também corresponde à ideia destes passeios, deixar espaço ao imprevisto. Regressámos por Flor da Rosa, Crato, Alter do Chão, Avis e Mora. Dos mais de quatrocentos quilómetros da jornada, saltei da condução relaxada da minha Bianca para abraçar um depósito de outra italiana. Esta também bianca, mas de dois cilindros.






Em cerca de setenta quilómetros atrás do guiador da Monster, pude voltar a sentir as sensações próprias de uma moto convencional. Curvar, acelerar e travar noutro nível, abrir o leque mais amplo de opções dinâmicas que uma scooter não pode oferecer. Tinha saudades. E descobri, com algum espanto, que não desaprendi. A ferrugem muscular e a própria readaptação a movimentos e distâncias resgata rapidamente memórias sensoriais de outros tempos. Só não é tão simples como andar de bicicleta.


E como é a Ducati ? Que carácter ! Não é uma moto para andar devagar, nem para andar na cidade. Sente-se estranha e resmunga em ritmos de passeio. Tem uma brecagem quase ridícula. E uma posição pouco ortodoxa, costas direitas e braços sem demasiado peso nos pulsos, mas pernas demasiado flectidas. O banco é uma tira de gel, mas é confortável. Toda a experiência requer outra abordagem, convida a explorar os territórios da deslocação rápida. E sem ver a paisagem. O que interessa é jogar com o peso em cada curva, e sair disparado à saída de cada uma, ajudado pelo trovejar da rotação em crescendo e uma tracção incrível. Dá mas exige em troca. No mínimo a predisposição de um piloto motivado para estar à altura dos desafios.










Embora aprecie e valorize a beleza e a peça de engenharia que a Monster indiscutivelmente é, a possibilidade de viajar a estes ritmos já não me cria o desejo urgente de ter uma, como seguramente teria há vinte anos. Simplesmente não é a minha agulha, hoje. Nem para uma viagem de mais de um par de horas. O que não afasta a compreensão, agora empírica, das razões que levam tantos a apaixonar-se pelo motor Desmo refrigerado a ar.

Voltar à Bianca, depois de uma paragem para troca de motos, permitiu-me apreciar o contraste abrupto para a leveza e a simplicidade de viajar de scooter. Tudo é diferente e mais sereno. Esta transição crua mostrou-me com invulgar nitidez que a escolha das scooters ainda se mantém tão válida para mim como quando a tomei. Há quase dez anos atrás.




3 comentários:

Rui Tavares disse...

Mas que sortudos. Poder arranjar espaço na agenda e ter à mão amigos assim.
Fiquei a roer-me todo.

Anónimo disse...

E pior terias ficado se tivéssemos conseguido mandar a foto "mete-nojo"! Felizmente, tu tens amigos assim, os mesmos :)

Tarde ou cedo aparecem por aí para um passeio guiado por rádio...

abc,
p

Hugo Reis disse...

Eu não teria unhas para explorar a Monster, mas é uma daquelas peças que vale a pena ter, desde que na garagem haja espaço para uma poltrona na qual eu me sentaria durante horas a olhar para a moto.