domingo, 17 de junho de 2012

Lés a Lés 2012



Não é que estivesse divorciado do conceito do Portugal de Lés a Lés. Mas este ano voltei com uma sensação - que tenho alguma dificuldade em explicar - de reconciliação com o entusiasmo pela ideia. Talvez porque foi uma edição intensa, das mais belas do ponto de vista paisagístico, e que ainda me consegue surpreender com paragens totalmente novas e inspiradoras. O que não é fácil sabendo-se que o nosso país é relativamente pequeno e que o Lés a Lés prefere o interior ao litoral, especialmente o atlântico.  







Em que outro evento é possível fazer uma etapa de mais de quinhentos quilómetros em duas rodas, recitar Miguel Torga, almoçar às dez e meia da manhã, e parar no Alentejo mais autêntico, rodar trezentos e sessenta graus e perceber que tudo em volta é dominado pelos tons de terra que dividem o horizonte com um céu profundo de azul ?







Costumo dizer que os dois únicos ingredientes necessários para participar neste evento único da Federação de Motociclismo de Portugal são o gosto por viajar em duas rodas e um nível mínimo de curiosidade e vontade de descobrir o que para cada um de nós é novo. Quem consegue cumprir o primeiro requisito raramente falha o segundo.




É o caso do meu companheiro de equipa deste ano, o Hugo Oliveira, que pese embora tenha preterido duas Vespas que tem na garagem em favor de uma BMW GS, não deixou de confirmar que tem o espírito certo para a empreitada. Disponível para aceitar sem queixumes as minhas várias peripécias, que começaram logo com uma longa paragem forçada nas verificações documentais por falta da minha carta verde (!), manteve sempre uma boa disposição assinalável, e um entendimento do conceito de equipa com que me identifico.


















Este ano, e pela primeira vez num Lés a Lés, contabilizei uma queda. Logo na primeira etapa, num troço de terra no Alentejo após a segunda passagem a vau, um misto de excesso de velocidade e momentânea desconcentração na leitura do terreno - estava também a ler o road book - , fizeram-me cruzar um rego longitudinal de modo optimista para a máquina que tinha em mãos, subindo um talude lateral, com consequente perda de equilíbrio. Caí sobre o cotovelo direito e dei por duplamente pago o já histórico blusão com protecções.


A Helix sofreu em vários pontos do lado direito - curiosamente o lado contrário ao penso rápido - , partindo o pisca, o deflector de vento lateral direito, a fixação de plásticos inferiores e arranhando o painel lateral traseiro, para além de um espelho torto e de um guiador com uma geometria milimetricamente alterada. Apanhei as peças que semeei na terra e segui caminho, com prevalência clara da tese do copo meio cheio - o que me deixou feliz comigo mesmo - , porque não só não me magoei como a Helix estava em condições de prosseguir. 













No final da segunda etapa, em Boticas, tínhamos à nossa espera o incansável Paulo Salgado, que nos guiou por chuva e nevoeiro até um jantar a caminho de sua casa em Guimarães, onde ficámos na última noite. Cansado do fato de chuva e da condução intensa, ainda me deslumbrei nessa noite com a garagem do Paulo repleta de preciosidades, especialmente scooters, com vários exemplares repartidos por marcas como Heinkel, Lambretta e Vespa, mas também outras clássicas nacionais, não scooters.




No Domingo de manhã, quando cheguei à garagem para me reencontrar com a Helix e com ela regressar a casa, o Paulo Salgado, que também tem uma Helix, preparou-me uma surpresa carregada de simbolismo, e que muito me tocou. Tinha substituído o pisca e o deflector lateral direito partidos ! É também por estes gestos de amizade genuína que só posso sentir-me reconfortado, e estar grato ao muito que as scooters me têm proporcionado. Amigos, emoções e viagens.

8 comentários:

Julio disse...

Excelente!
Mais um passeio em cheio!
E esse episódio final... Que gesto magnifico, o do Paulo Salgado.
Uma vénia para ti, Paulo. Esse gesto não tem preço... Lindo!!!!!!!
Um abraço,
Júlio

NunoMM disse...

Vasco,

Li com satisfação o teu relato, principalmente por teres reencontrado algum entusiasmo perdido em edições anteriores e por o acidente não ter tido consequências físicas.
De facto, o percurso passou por zonas maravilhosas do nosso país. A chegada à Covilhã pareceu-me bem imaginada.
Esclarece-me uma dúvida: atravessaram mesmo a ponte de arame em Ribeira de Pena? Desconhecia tal coisa e tenho de lá ir.
Quanto à atitude do Paulo Salgado, que conheci em Boticas, só posso dizer que há pessoas que transmitem imediatamente uma autenticidade que, digamos, já não se usa.

Abraço,
Nuno

VCS disse...

Júlio,

O gesto do Paulo Salgado é tipicamente dele, já começo a ter dificuldade em retribuir a sua genuína generosidade.

Um abraço,
Vasco

VCS disse...

Nuno,

A chegada à Covilhã estava bem concebida, em ambiente teatral e quase apoteótico. Também gostei e concordo que revelou imaginação.

Quanto à dúvida sobre a ponte de arame de Ribeira de Pena, de facto atravessámo-la a pé. A ponte oscila bastante, e por razões de segurança tinha um número limitado de pessoas a atravessá-la de cada vez. Mas o local é mágico, especialmente porque o rio estava muito sereno naquela zona, e é ladeado apenas por arvoredo muito denso, com uma ponte antiga em fundo, o que lhe deu uma aura de mistério bem carregada naquele dia cinzento. A ponte de arame está sinalizada na estrada.

Abraço,
Vasco

Anónimo disse...

Vasco sempre fui assim,amigo do amigo,adoro ajudar e sentir me bem entre amigos,felizmente faço sempre as coisas com o coração,é por isso e digo, poderei não ter muitos amigos,mas tenho alguns amigos mesmo,e as scooteres sim já me fizeream mesmo verdadeiros amigos,o que te fiz Vasco foi uma coisa normal,tinha as péças em casa e neste caso ajudei um verdadeiro amigo.
Paulo...

VCS disse...

Paulo,

Obrigado!

Um abraço,
Vasco

Hugo disse...

Em 2011 empurraram-me para o Les a Les, este ano não foi preciso! :D

Obrigado à parte que me toca, nos posts. É sempre fantastico viajar com a atitude certa e descobrir o magnifico país que tempos. Fui de GS é verdade. Mas o espirito scooterista ganhou. Estava sempre com o pessoal das vespas. E sempre me identifiquei mais com eles!

Como somos uma equipa, claro que as peripecias calham aos dois! O ano passado caí 2x e ulttrapassamos como equipa!

Por ultimo, uma palavra de agradecimento ao Paulo Salgado pela hospitalida de e amizade

VCS disse...

Hugo,

A identificação com o tal "espírito certo" não é tão fácil como por vezes se possa pensar, mas não há dúvida que existiu em mais uma saída da Sereníssima, fico-te grato por isso.

Veremos em 2013 !

Um abraço,
Vasco