domingo, 4 de outubro de 2009

Caos em Atenas




Paro no semáforo vermelho junto à Praça Syntagma. Ao meu lado começam a imobilizar-se outras scooters ou motos utilitárias. Em pouco mais de um minuto, cerca de uma dezena e meia de motos planta-se à frente da primeira fila de automóveis. Quando cai o verde já três scooters arrancaram, embora o façam ainda sob o vermelho. Finalmente arranco. Abro o acelerador sem rodeios, o variador faz o seu trabalho e a scooter vai avançando decidida deixando uma nuvem de fumo branco atrás de si. Em menos de quarenta metros, e com uma dois tempos de 100cc, já fui ultrapassado por metade das motos e scooters. Pela esquerda e pela direita.

No meio do caos há uma ordem e já vou aprendendo a lidar com ela. Os mandamentos de um scooterista neste território são simples: não abrandes nem aceleres bruscamente, não mudes de direcção de modo inusitado e imprevisível, mantém o teu rumo e ritmo que todos te passarão em segurança. Pelo menos aparente. Bem-vindos a Atenas de Scooter !

Definitivamente não é a cidade mais adequada para quem se sinta inseguro em duas rodas. Fiz questão de experimentar neste regresso a Atenas por dois motivos. Porque não me atrevo a alugar um carro aqui por ser evidente a sua inutilidade. E porque, apesar do risco calculado, me pareceu tentadora a experiência. Sobretudo queria perceber até que ponto este tráfego colossal se distingue, em termos de regras práticas no terreno, de outras grandes cidades como Roma ou Barcelona por exemplo. A conclusão a que chego é que dificilmente são comparáveis.

Desde logo porque os gregos têm uma altíssima taxa de incumprimento das mais elementares regras de trânsito, como nunca vi na Europa. A começar no obrigatório uso do capacete, cerca de metade dos condutores ou não o usam, ou levam-no no cotovelo. Quando levantei a scooter tive que pedir um, porque o funcionário não mo daria se o não pedisse. Um sentido proibido é desrespeitado com enorme facilidade, ninguém pára numa passadeira, é muito frequente ver motos a circular nos passeios perante a passividade da polícia, não se vê quem respeite limites de velocidade.

Depois porque o volume de tráfego e o número de motos é substancialmente maior do que nas cidades que atrás referi. Pode parecer exagero, mas o trânsito aqui, em termos de regras e volume, talvez seja mais parecido com uma grande cidade no Vietnam do que com uma cidade como Lisboa.

Por último, aqui quase só se vêem motos utilitárias e isso depõe a favor dos gregos. A moto não é encarada como um indicador de status. É apenas um modo prático de resolver o problema da mobilidade. Quase todos os atenienses têm nem que seja uma pequena scooter. É muito raro encontrar uma sem marcas claras de uso intensivo e descuidado. O que tem também uma outra implicação importante: uma larga franja dos automobilistas está familiarizada com a condução em duas rodas e com as suas fragilidades. Aqui nunca me senti "encostado" por um automobilista, mesmo em auto-estrada com uma frágil 100cc, algo que é comum acontecer em Lisboa.

Em Atenas talvez nove em cada dez motos sejam scooters, na sua larga maioria maxis, com enorme enfoque na Piaggio Beverly nas sua várias declinações de cilindrada, curiosamente uma scooter que quase não se vende em Portugal. Nas scooters mais pequenas o modelo rei é a Honda Innova - outro fracasso em Portugal -, mas ainda é possível encontrar a circular, por exemplo, largas dezenas de Hondas Cub originais.

Enquanto devolvia a pequena scooter que aluguei por alguns dias, e que me acompanhou sem queixumes dentro e fora de Atenas, dizia-me o funcionário – e não me pareceu que me estivesse a gozar - que o tráfego na cidade é normal. “No more than any other big city”. Não só discordei como senti algum alívio por ter sobrevivido à experiência com os ossos inteiros.

5 comentários:

Rui Tavares disse...

Então andas a passear. Muito bem. Fizeste bem em experimentar conviver com esse caos organizado, principalmente porque correu bem.

Bessa disse...

Excelente descrição. Acho que um visitante do norte da Europa também poderia falar do caos organizado que que é o transito em Lisboa. E estaria certo... Felizmente não somos os piores!

Em Barcelona também já observei o truque do arranque antes do verde e a circulação ocasional no passeio.

Um abraço!

Cavok disse...

Ainda não conheço a Grécia, mas confesso que vivi um pouco a sensação e o ambiente do que é viver o trânsito de Atenas sobre 2 rodas.Um abraço e continuação de boas viagens!

Richards disse...

Viva! também tive em Atenas este Verão, e sem te querer surpreender em demasia, digo-te que em Atenas o trânsito é bem mais ordenado do que no resto da Grécia, com o senão de ter tem muito mais população do que todas as outras "grandes" (?) cidades gregas onde estive.
Só em Atenas vi pessoas a usarem capacete de mota, cruzei-me com motas em sentido contrário ao meu na auto estrada, carros parados no meio de uma via rápida de duas faixas para tirar alguma coisa da bagageira...enfim! Desfruta, eu gostei muito!

Pizza Boy disse...

Excelente artigo! nunca estive na Grécia, mas deleitei-me com a descrição da tua experiência grega.