Há scooters assim. Que parecem conciliar apenas o melhor de conceitos antagónicos, sem se notarem as suas insuficiências. São simultaneamente conservadoras e avançadas, porque exemplarmente construídas e fruto da melhor engenharia de inspiração aeronáutica. Estranhas porque de design inusual, mas belas porque de personalidade vincada. Confortáveis para viajar mas também rápidas se nos empenharmos numa estrada de montanha.
Entre 1953 e 1965 produziram-se na Alemanha, em Karlsruhe, em quantidades significativamente inferiores aos modelos de topo das rivais Lambretta e Vespa. Os preços altos e a qualidade inquestionável valeram-lhe o epíteto de “Rolls Royce das scooters”.
Para tentar perceber se este rótulo é merecido experimentei a Heinkel Tourist 103 A1 do Rui Tavares, exemplar de 1960.
Entre Arganil e o Piódão a estrada é retorcida como um carrossel, mas a vista é soberba. Sem nenhuma explicação prévia ou conselho, vejo-me aos comandos de uma preciosidade com quase meio século e três gerações de estrada.
A caixa, como boa scooter manual, obedece às ordens da rotação sobre o eixo da manete esquerda. Primeira para cima. Arranco com pouca suavidade, por evidente falta de simbiose com a máquina. Afinal mal nos conhecemos. Esperava um motor pouco rotativo, com um binário forte a baixo e médio regime, e os 175cc do motor dão-me exactamente isso. As três primeiras relações de caixa são próximas, mas a quarta é claramente mais longa, o que se agradece se queremos rolar com pouca ou nenhuma inclinação em subida, mas torna a última marcha quase retórica se precisamos de vencer pendentes acentuadas. Os travões acalmam-me, o que atesta a sua qualidade.
À medida que a estrada se contorce e as colinas se sucedem, vou ganhando confiança e aumento um pouco o ritmo. Viajamos num grupo de talvez uma dezena de scooters, estou a atrasá-los. A caixa continua a parecer-me difícil e, para o meu padrão, pouco precisa. O Rui vai atrás de mim na minha Helix, e tenta explicar-me pelo rádio como fazer: “deixa-a descer a rotação, e só depois engrenas a relação seguinte”. Obrigado, Rui, e desculpa lá…
A partir daqui a taxa de “pregos” reduziu-se para níveis quase razoáveis, e passei a gozar o passeio surpreendido por uma agilidade inesperada, cortesia de um ângulo de direcção muito fechado, e um centro de gravidade invulgar numa scooter, graças ao motor central. Pude então perceber o quão acertada é a fama das Heinkel: conjugam o luxo de uma scooter com o corportamento de uma moto.
3 comentários:
Obrigado, Rui?????
Obrigado eu, pois já estava a pensar que o suborno que te tinha pago para atestares publicamente a qualidade de minha montada, tinha caído em saco roto.
Valeu o preço :)
Ainda bem que gostaste.
Continuo à espera da tua proposta de pagamento para escrever eu sobre a tua CN ;)
Abraço
Vais pagar-me? Bem , ainda não recebi nada... Não te vais armar em caloteiro...ou vais ?!?
Há tipos com sorte. Ainda estou para perceber como é que em meados dos anos 80, numa altura em que praticamente não havia motos em Portugal (e as que havia eram quase todas más), um adolescente como tu tinha acesso a uma Heinkel !?
Quanto à CN, podes (e deves) escrever à vontade. Tenho aqui um lápis azul ansioso...:)
Grande abraço!
Grande relato, realmente a Heinkel em termos de conforto bate as scooters da altura, posso confirmar isso pois já tive a sorte de experimentar vários modelos e inclusive ser proprietário de uma serie de "sucata", e em conforto (quer de condução ou mesmo o conforto do próprio motor) a Heinkel é rainha. Tb tenho a sorte de a pouco tempo ter comprado uma Tourist, e acho que fiz uma boa opção (queria uma "moto" para viagens a dois, e para a minha mulher estar a vontade de conduzir) e acho que esta a encaixar bem na tarefa designada
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