quinta-feira, 2 de junho de 2016

Freita





A minha memória da Serra da Freita remonta aos episódios ligados ao Rali de Portugal no início dos anos 90. Quando o Rali tinha cinco dias e quase quarenta troços cronometrados. Numa noite de breu, perdidos no meio da serra, cansados depois de um primeiro dia inteiro na estrada passando por Montejunto, Figueiró, Piódão, Caramulo, chegávamos à Freita mais mortos do que vivos.

No meio desse silêncio escuro no velho Ford a calcorrear a serra sem bússola e com o mapa de linhas finas na mão, aparece-nos vindo do nada, sem aviso, um flash de uma bateria de faróis e um bruuuááápáááápáaa a passar por nós e a desaparecer na curva seguinte. Era o quase desconhecido Colin McRae, em troço de ligação, ainda no Subaru Legacy.  

As outras memórias que tenho da Freita são de um planalto gelado, à espera de ver o Armin Schwartz no Toyota Celica que nunca chegava ao fim do troço. À partida da Freita era sempre primeiro. Mas batia sempre neste troço, vários anos seguidos.  Descobri agora, com outro detalhe que a luz natural permite, os desafios e dificuldades das estradas da Freita.

Quase vinte anos depois, em 2010, uma etapa do Lés a Lés trouxe-nos de S. Pedro do Sul até Entre-os-Rios, e a Freita esteve no mapa. Ficou a semente da curiosidade e a certeza de que teria que aqui voltar com tempo.

E o tempo é o problema. Quando existe, há sempre outras opções, pela proximidade, pela conveniência, pela prioridade do tanto que há para ver. Por alguma razão que sempre se sobrepõe a outras, para quem não vive no eixo Porto - Coimbra, nunca havia oportunidade para entrar por Vale de Cambra ou Arouca. Ou pela N16 paralela ao Vouguinha. E começar a explorar. 

Aconteceu agora.

O fim de semana anunciava-se carregado de nuvens, chuva e vento. Que seja. Uma reserva na Pousada da Juventude de S. Pedro do Sul mesmo antes de sair era a certeza de que já não ia dar para alterar o azimute à saída da garagem, como por vezes faço.

O problema destes projectos de média distância improvisados, com scooters relativamente lentas, é o tempo para chegar à zona que queremos explorar. Porém, quando chegamos, a sensação de recompensa parece maior. 

A chuva e nevoeiro trouxe-me duas vantagens: uma serra quase só para mim, e uma exuberância bruta, viva, da paisagem. As neblinas adicionavam mistério a um cenário que mudava a cada topo, a cada colina, em estradas que serpenteiam por capricho das superfícies rochosas. São elas que mandam aqui. E o esparso arvoredo. E os cursos de água. E as aldeias paradas no tempo. Candal. Albergaria. Até o cartão de memória da Nikon se recusou a colaborar, como que a dizer que ali, nos vales e nos planaltos, é a natureza que determina o curso dos acontecimentos.

Só no segundo dia houve imagens, e mesmo assim poucas. As outras, ficaram comigo.

Obrigado, Freita.   
















2 comentários:

Tuga100Juízo disse...

Belo relato!
É provável que lá vá dar uma espreitadela na 6ª feira, mas também será só uma Espreitadela com muito pouco tempo porque o destino é Chaves, para fazer finalmente a N2 com o CPM.

A foto da cascata é a frecha da Mizarela?

Obrigado pelas sempre belas fotos e melhores textos.

VCS disse...

Cristina,

Obrigado pelo comentário.
Sim, a imagem da cascata é da Frecha da Mizarela, onde corre o Rio Caima de uma altura de cerca de 70 metros.

Vasco