sábado, 17 de outubro de 2009

Culto da Vibração - Lambretta SX 200

 


 


 

 


 


Comecemos por uma declaração de interesses: a Lambretta SX 200 é uma scooter que me hipnotiza. Desde o ano passado, quando para ela olhei pela primeira vez com a atenção que merece. Até já dei por mim a imaginar-me na Itália dos anos 60, a espremer aquela inesgotável terceira velocidade, entre os carvalhos, na bela estrada de serra que liga Bologna a Firenze…


Imagino-a frenética, com apetite pela rotação, orgânica, vibrante. E branca com estofo vermelho. Tal como este exemplar que o incansável Paulo Salgado colocou, com fé, nas minhas mãos, trazendo-a de propósito de Guimarães para o Tamanco – obrigado, Paulo!


Em Janeiro de 1966, quando a SX 200 viu a luz do dia, não havia no catálogo da rival Vespa um modelo directamente concorrente no degrau das duas centenas de centímetros cúbicos. Sim, podia comprar-se uma rápida 180SS (´64-´68), mas ainda estávamos longe da mais completa Rally 200 (´72-´79).


Como todas as Lambrettas tardias, é muito mais do que uma Vespa fininha. Esta Special X 200 (também existiu uma versão 150) era o topo da gama Innocenti, com sensíveis e contínuas melhorias mecânicas face à experiência anterior com as TV e Li, mesmo durante a sua curta produção de três anos. É uma scooter com muita atenção nos detalhes. Embora conjugue com harmonia a simplicidade e a sofisticação, não deixa de ostentar com vaidade alguns pormenores exclusivos e arrebatadores que ajudam a vincar-lhe a personalidade. De entre eles, salta à vista a grande seta estilizada no balon lateral, um prenúncio da sensação de movimento para que nos transporta quando para ela olhamos de perfil. Se seguirmos a scooter com o olhar, do início do banco até ao farolim traseiro, respiramos velocidade! E ainda está parada à minha espera…


Exortado a sentar-me no duríssimo banco rubro, convenço-me a parar de a contemplar estática. Como boa clássica que é, estranhou logo a minha ausência de intimidade ao rodar o motor com o kick starter. Balon fora. Um rápido acerto de carburação pelas mãos certas e o dois tempos ganha vida num som estridente que arrepia. A vibração que o bicho transmite em cima do frágil descanso é um aviso que levo a sério.


Contava com uma embraiagem dura e difícil, mas encontrei o inverso. O arranque é surpreendentemente suave, se assim quisermos que seja. A selecção das relações de caixa no punho esquerdo também resulta fácil e fluida, muito mais do que, por exemplo, na Heinkel Tourist 103A1. Apesar disso, a SX não foi feita para ser guiada a 30 quilómetros/hora. Não que o motor se sinta anémico, embora também não seja redondo. Mas se o levarmos assim por algum tempo irá mostrar-se irascível, com soluços e solavancos que prometem sufocá-lo se não lhe enchermos o Dell´Orto com néctar.


Assim que a estrada se me depara livre experimento pegar algum fogo à peça, explorando outros territórios sensoriais. Estico a segunda e o empurrão obriga-me a agarrar com decisão os dois punhos. Clank, terceira. O som do dois tempos é inebriante, a agulha do velocímetro italiano salta, em esticões alucinados, entre os 60 e os 110kms/h, a scooter vibra como uma cana de pesca com isco mordido. A terceira é longa… Ainda vou em terceira. Ainda está a subir regime, mas começo a temer pelo grupo térmico e clank!, quarta! Ainda não vejo o fim da longa recta, o motor grita-me ao ouvido e ainda está a reclamar mais ar, mais gasolina, mais velocidade. Nesta altura juro que me enganei a ler a ficha técnica, não pode ter só 11cv às 6200rpm. Entretanto vem-me ao espírito que a SX tem travões de tambor. Como serão eles a esta velocidade ? Pois, são bastante macios, em total contraste com a agressividade do motor. Na realidade, são abrandadores. Confesso que também não me adaptei convenientemente ao travão traseiro, demasiado à esquerda na plataforma e “fora de pé”. Felizmente que a caixa é intuitiva no trato e o travão-motor uma delícia, bem ao meu gosto, livre de inércia. O amortecimento é também muito brando à frente e apenas regular atrás, embora se possa considerar suficiente se atendermos ao contexto histórico. Em curva não perde a compostura, desde que não seja necessário o recurso ao travão frontal. Os pneus contemporâneos montados nesta SX ajudam – e muito - a disfarçar as naturais insuficiências neste capítulo.


Em suma, é uma scooter pouco comum, belíssima, de forte temperamento e de divertimento garantido na estrada, um valor seguro. Apesar disso (ou talvez por isso…) é muitíssimo provável que nenhum dos 20.783 exemplares construídos da Special X 200 venha a figurar na minha garagem, probabilidade que lamento. A raridade deste modelo e a sua procura no mercado casam com uma cotação alta, e a sua manutenção também é exigente no contexto das scooters clássicas. Estas são características que reputo como suficientes para me manter afastado da corrida. Não, não terei uma. Mas… vibrei numa!


8 comentários:

Ranger Bob disse...

Excelente "posta", como sempre. Uma pequena correcção: o travão dianteiro é de disco. Curiosamente, a SX200 é considerada como sendo o primeiro veículo de duas rodas de produção a montar tal componente, mesmo antes da Honda CB750.

Anónimo disse...

Grande texto Vasco!!!
Quase que sentia o empurrar do 200 e ouvia o seu estridente e "venenoso" som...
Parabéns! ;)

paulo salgado disse...

Foi com muito prazer que te facultei a sx 200,pois quando me pediste para a levar para o camping foi com enorme alegria que disse que sim a tao elustre pedido,adoro ler os teus relátos no teu blog e nao só,estou sempre ao teu dispor,um grande abráço para ti.

Rui Tavares disse...

A SX200 é um diabo disfarçado de menina bonita. Não demora a comprar-nos a alma em troca de meia dúzia de Km's em que o alcatrão fica a fumegar atrás de nós.
Dispara-nos a adrenalina e o bom senso desaparece. Só apetece tentar descobrir onde acaba a 3ª.
Eu ainda não consegui descobrir.

Cavok disse...

Belo Relato. Bela experiência. Bela máquina e belas fotos!
TOP GEAR para versão 2 rodas by Vasco LOL. Muito bom.

VCS disse...

Obrigado a todos pelos comentários:)

Bob: Tens razão quanto ao disco, agradeço-te a correcção. Aliás, quando vi a ficha técnica achei que devia haver um lapso e não confrontei com outra. É um avanço técnico interessante desta SX e mais difícil de detectar à vista por ser "inboard". Não sendo hidráulico tem uma eficácia muito próxima de um travão de tambor, o que confirmei na prática.

Rui (Motarte):

O motor empurra forte, mas a sensação é claramente amplificada por um conjunto de circunstâncias que fazem da SX um pacote especial: vibração, som, leveza e configuração esguia são só alguns dos ingredientes.

Paulo Salgado:

Fico-te grato por esse modo genuíno como me proporcionaste um dia a passear nesse pedaço de história que é a SX. E espero que tenhas gostado da Helix o suficiente para um dia ainda poderes vir a ter uma…

Rui Tavares:

A sensação de abandono do bom senso também me invadiu sempre que dei liberdade de apetite ao carburador. Ficamos sempre naquele limbo entre o controlo e a euforia. De repente parece que temos 16 anos outra vez… Espantoso se pensarmos que essa sensação nos é proporcionada por uma scooter com 40 anos e pouco mais de uma dezena de cavalos.

Cavok:

Acho graça ao Top Gear, mas na verdade aprecio mais estilos um pouco menos espalhafatosos. As minhas referências nessa área ainda são a “evo” nos contemporâneos e a “Octane” nos clássicos :).

Leonardo Dueñas disse...

Boa leitura não tem data de validade. Vasco, que texto em quase luxúria com a SX200!

Infelizmente as 200 não chegaram ao Brasil, mas houve sim uma versão da SX150 com motor de Li serie 2 e ainda uma com o motor 175cc, provavelmente da TV175 série 2. Aqui ela foi batizada de Cynthia e ficou em produção até 1980 ou uns anos mais. Ainda houve uma versão com a lataria recortada chamada de MS, apelidada pela rapaziada de "Mini Saia".

Abraço,
Leo
http://motonetaseafins.blogspot.com/

Anónimo disse...

Nao tenho a certeza mas penso que a primeira scooter a ser equipada com travão de disco dianteiro foi a tv175 3serie