Avenidas Novas, nove e meia da manhã de uma sexta-feira. Avanço muito lentamente entre as duas filas de trânsito inertes, sem grande pressa, resignado com a primorosa falta de agilidade da CN. Descubro um grande pedaço de asfalto livre à direita. Decido-me a mover a locomotiva passando entre dois carros parados na fila direita. Quando contorno o carro da frente e me preparo para retomar o sentido da Avenida ouço e sinto uma pancada atrás de mim, mas muito perto. Como? É comigo ? Sim, parece que fui eu. Bem, a CN é comprida. Mas como é que eu fiz isto !??
No chão estão pedaços do farolim direito do automóvel. E uma rápida inspecção à top-case revela restos de plástico vermelho. Naquele instante custou-me acreditar, mas só podia ser verdade. A top-case no farolim de um Ford familiar de três volumes (!). No mínimo bizarro, tendo em conta que a minha manobra em ângulo recto não previa joelho no chão à Rossi.
Estacionei a CN ao lado do imóvel Ford, olhei para dentro do carro e vi um casal com expressões assustadas. Tirei as luvas calmamente, enquanto media a minha manobra em repetição mental. Vinha tranquilo e julgava-me seguro de não ter arriscado nenhuma secante. As evidências, no entanto, pareciam suficientes para abalar aquela convicção. Desligo a scooter. Preparo-me para retirar a carteira do casaco e já me vejo a preencher uma declaração amigável e a ligar ao seguro. Cai o verde no semáforo. O Ford arranca. Penso: "vai estacionar mais à frente para não incomodar o trânsito". Parece razoável. Estico o pescoço e não vejo o Ford a encostar. Pelo contrário, afasta-se! Estou (novamente) incrédulo e desmonto da scooter. Sim, o Ford desapareceu no bulício da Lisboa das nove e meia da manhã.
Sento-me novamente na scooter e faço um esforço para analisar friamente o que aconteceu. Talvez a inclinação da via, ligeiramente a subir, tenha feito o Ford descair e daí a justeza da minha convicção de não ter errado os cálculos de medidas na manobra. Ou talvez – e esta teoria explica o olhar assustado - , ao ver a silhueta da CN, o casal tenha preferido não arriscar conhecer o marciano que tripulava tão estranha nave.
4 comentários:
Não me parece que tenha sido a silhueta da CN que os afugentou. Chegaste a tirar o capacete? Então também não terás sido tu.
Estranho.
Se tu achas que não fizeste nada de anormal, provavelmente não fizeste. Eles provavelmente fizeram, bateram por trás e fugiram. Um clássico. Agora tem piada um casal assustado achar que pode fugir de uma scooter no centro da cidade...
Presumo que não tenhas estragos relevantes?
Rui: não tirei o capacete porque nem tive tempo. E também não era preciso para ser visto, ia com o meu jet daqueles que até dá para ver as orelhas :-)
Bessa: És capaz de ter razão. Era impossível não se terem apercebido do embate, havia pedaços do farolim no chão e o ruído provocado pela pancada era perfeitamente audível.
Embora isso não releve para o caso, também não consegui ver nenhum painel direito naquele carro.
Quanto aos danos na CN: zero. Tive sorte.
Realmente é caricata a imagem de um popó a tentar fugir de uma scooter no caos urbano :-)
Independentemente do lado em que está a culpa, o tipo era, obviamente um idiota. Se a culpa era tua, então era duplamente idiota. :)
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