sábado, 7 de fevereiro de 2015

Apologia de um Bell





Para um motociclista, o equipamento mais importante é aquele que protege a sua cabeça, o capacete. Neste caso particular a lei também concorda com o motociclista, porque não lhe faz nenhuma outra exigência de utilização de equipamento que não seja essa. Embora o legislador seja frugal nos requisitos, é bastante evidente que fez bem em afirmar o capacete como obrigatório. 


Provavelmente estarei em minoria nesta observação, mas devo confessar que tenho um certo fascínio por este acessório que salva vidas. Pela sua história e evolução, talvez como nenhum outro equipamento associado ao motociclismo e ao automobilismo de competição. Mas também como forma de expressão, essencialmente nas corridas.

Há trinta anos as estrelas que dominavam os bólides de Fórmula Um, ou que conduziam as motos de Grande Prémio, nunca mudavam as cores dos seus capacetes. Escolhiam-nas com critério e eram usadas ao longo de carreiras, muitas vezes extensas, com diferenças de desenho e tons mínimas.

O desenho naquele acessório funcionava como uma espécie de extensão da personalidade do piloto. A par da evolução do capacete, essa necessidade parece ter-se adensado a partir dos anos 70, porque todo o espaço disponível nos fatos e nas máquinas passou a destinar-se a publicidade. O capacete era o último reduto da individualidade de quem o usava e um elemento identificador fundamental para seguir uma corrida, mais até do que o número de competição.

Hoje não é assim. As estrelas mudam de desenho e cores praticamente de corrida a corrida (vejam os exemplos de Vettel ou Rossi), sem um fio condutor, e sem que se perceba bem as razões da mudança. É evidente que existe uma aceleração dos interesses comerciais, dirigidos ao consumo de "réplicas", mas suspeito que, para egos e carteiras como as que referi, essas razões não seriam fundamentais, acaso fizessem questão de manter a sua individualidade ao longo do tempo. Isto é, serem reconhecidos por uma imagem, uma ideia única de capacete.

Quem não se lembra do desenho do capacete de Senna ? De Freddy Spencer ? Ou, para os menos jovens, de John Surtees ? Ou de Jackie Stewart ? Desenhos simples, identitários, intemporais.

Quando hoje olho para os capacetes da maioria dos pilotos de Fórmula Um, são raros aqueles que consigo distinguir e seguir de corrida para corrida. E conheço todos os pilotos, como há trinta anos atrás. Esta tendência é hoje muito seguida pelos miúdos dos karts, para quem um capacete que não seja cheio de reflexos, brilhos, sombras e desenhos indecifráveis é uma espécie de atestado de menoridade na grelha de partida.

Isto é a competição hoje. E o motociclista de estrada ?







Desde a minha adolescência optei pelo quase anonimato e discrição das cores neutras. Com excepção do primeiro capacete, um básico Nolan - que personalizei com vinil antecipando toscamente, através da televisão e da Moto Jornal, uma réplica de Doohan que apareceria uns tempos mais tarde - usei sempre capacetes lisos, maioritariamente brancos ou pretos.

Sempre quis ter um Arai, mas por razões várias acabei por comprar exactamente o seu rival japonês, dois Shoei (!). Quando, muito mais tarde, finalmente comprei um Arai, tinha  alguns outros capacetes na garagem em uso. Acabei por utilizá-lo meia dúzia de vezes em cinco anos. Embora solidamente construído e confortável, achava-o pesado.

Decidi então colocar à venda dois capacetes integrais, que por razões diferentes quase nunca usava. Vendi-os com rapidez inesperada. Feitos os negócios, procurei, com calma, um capacete de qualidade. Decorado mas sóbrio, clássico mas seguro. E de aspecto diferente do que sempre tive, ainda assim susceptível de ser usado com a Bianca.

Depois de algumas buscas pelo mercado cibernético, rapidamente me saturei de propostas de capacetes que nada me dizem. É que o lado emocional conta no mundo das motos.

Revisitei então uma memória de uma ida à EICMA em 2010, onde me impressionaram dois capacetes integrais: os Blauer e os Bell Le Mans.

Aos meus olhos de hoje, os Blauer envelheceram mal, nenhuma daquelas decorações que me pareciam frescas e inovadoras me seduz hoje.

Pelo contrário, os Bell M5X Le Mans têm uma classe intemporal, e apelam às tais linhas simples e belas. Aos materiais de excelência, à leveza, à construção de topo, à pintura manual por artesãos, e à segurança conferida pelas cinco estrelas do teste Sharp. Não nego que o nome Le Mans, pintado à mão, também acrescenta e é parte da ligação emocional à história da era dourada da competição motorizada, com a qual me identifico.






Procurei na net e descobri, sem surpresa, que a Bell já não faz os Le Mans há bastante tempo. Eram edições limitadas do modelo M5X, que ainda se vende apesar de já existir o M6, mas não na série Le Mans, a única que me interessava. Esta só se encontra nos stocks de alguns comerciantes que não escoaram todos os exemplares, aquilo que habitualmente se designa pelo acrónimo NOS ou new old stock.

Depois de perder uma licitação por 10 libras num leilão, optei por visitar agentes Bell em Portugal. Na Triumph Lisboa fui encontrar um exemplar, o LMB, em "L", que veio a revelar-se uma luva. O comércio tradicional, uma conversa cordata e um desconto não menos simpático num capacete que já não é o último grito do mainstream Café Racer, fizeram o resto.

Há compras que nos deixam de cabeça feliz. Personalizada.






13 comentários:

Miguel Sala disse...

Parabéns pelo texto e pelo boné novo, Vasco. É lindo!
Que te esconda o sorriso por muitos e bons quilómetros... e faz "pandan" com a Bianca e com a Hélix, já com a azeitona nhhhhaaa!!

Anónimo disse...

Épá, o ano passado era o Rui com o apoio e cores da Ribeiro Racing...
Agora, o Vasco com as suas cores heráldicas...

Vamos com 2 pilotos de fábrica na equipa este ano!?

Miguel, temos fazer qualquer coisa. Talvez os senhores pilotos nos arranjem uns 'toclantes de escudeiros?

Belo casco, Vasco. Achas que ainda há tempo para pintar a azeitona a condizer antes do LaL?

abç,

Paulo

VCS disse...

Miguel,

Obrigado pelo teu comentário.
Quando o comprei pensei um pouco na Bianca, não na Helix, mas agora que falas nisso também não é totalmente descabido, tens razão.
Estranho seria se a usasse com a LML... Passe o exagero, era quase aquele clássico: "vale mais o capacete do que a LML"... :-)

Abraço,
Vasco

VCS disse...

Paulo,

O Bell não vai apanhar o pó e a lama do LAL, os "pilotos de fábrica" têm uns capacetes mais adequados para condições extremas.

Portanto, penso que não se justifica pintar a LML, salvo se aparecer algum patrocinador que queira financiar a Scuderia, caso em que tudo é possível.

Abraço,
Vasco

Anónimo disse...

"Estranho seria se a usasse com a LML... Passe o exagero, era quase aquele clássico: "vale mais o capacete do que a LML"..."

Eu no teu lugar não tecia considerações dessas em sites públicos...

Corres o risco de ela se ofender e nos presentear com uma sessão de mecância à beira da estrada em Junho... ;=)

abç,

Paulo

VCS disse...

Paulo,

Talvez não, é que talvez a azeitona queira mesmo fazer boa figura no Lés deste ano.

É que vai ter pressão, não só da comparação com 5 chegadas sem problemas da CN, como também, soube hoje em primeira mão, vai ter pelo menos mais uma LML por perto. Que talvez passe mesmo a duas ! Eu, se estivesse no lugar dela, não fazia birras, sob pena de fazer figuras tristes perto da(s) irmã(s)...

Abraço,
Vasco

Rui Tavares disse...

Não sei bem o que diga. É bonito, sim, parabéns, mas compraste mais uma coisa para colocar na montra??!!
Há uns anos atrás, eu, o Hugo e o Sérgio fomos a um encontro do Lambretta Clube de Portugal., perto do Porto. Fomos a rolar, eu agarrei uma vez, o Sérgio teve de empurrar e ao Bob já não sei bem o que aconteceu. Chegamos atrasados e sujos. Todos olhavam de lado para as nossas máquinas sujas e enferrujadas. Olhamos à volta. As Lambrettas estavam TODAS imaculadas. Tinham vindo TODOS de atrelado !!!! Acho que vão ser assim os encontros de GTS 300 daqui a uns 20 anos :) :)

Rui Tavares disse...

VCS disse...

Rui,

Percebo o que dizes, mas acho que estás a exagerar, e o exemplo das Lambrettas é um pouco diferente.

Para começar, eu não tenho atrelado, nem tenciono ter.

A Bianca sai à rua pelos seus meios, e o Bell também vai sair, posso garantir-te. Não terá é uma utilização intensiva de dias seguidos na estrada, de pó e lama, como tanto gostamos de dar às nossas máquinas e equipamento. Para isso há outras scooters e capacetes.

Não me sinto minimamente desconfortável com esta dualidade. Nem isso faz de mim um "atreladista".

Aliás, se fizesse tudo o que gosto de fazer com uma scooter e um capacete, para que é que precisava de duas ou três scooters e mais do que um capacete ? :-)

Abraço,
Vasco

Rui Tavares disse...

Não leves demasiado a peito a minha analogia. Era uma brincadeira, claro. Aliás que mal teria se quisesses colocar os teus hobbies numa vitrina? Desde que deixasses uma scooter de fora para as nossas passeatas. Além do mais, eu considero-me um potencial candidato a ser um atreladista no futuro. E depois? Desde que me apeteça. Como já disse, parabéns pelo capacete que tanto gosto te deu encontrar e pela Vespa que no futuro será quase uma NOS. Abraço

VCS disse...

Rui,

Não está nos meus planos colocar a Bianca numa "vitrina", a não ser que tivesse uma saída para a rua. Talvez não fosse mal pensado. Estilo isto: https://www.youtube.com/watch?v=Dt7uQr0YiUs
...só que em versão "remediado", em vez de um 512BB, uma GTS. Não fazias o mesmo pela Heinkel ?!?

:-)

Grande abraço,
Vasco

Rui Tavares disse...

Fazia. Ao tempo que ando a tentar convencer a Graça a mudar-mos de casa. É que moro num 12o andar, remember?

VCS disse...

A FIA acaba de anunciar uma regra de acordo com a qual os pilotos de F1 só poderão ter um design de capacete por época.

http://www.jamesallenonf1.com/2015/02/the-f1-helmet-livery-debate-have-your-say/

Huummmm. Será que leram o meu post ? :-)