quinta-feira, 6 de agosto de 2020

Tour 2020




Chegámos no dia anterior ao Alcaide. Parecia um percurso de concentração ao estilo do antigo Monte Carlo. Eu vinha da Covilhã, o Rui do Porto, o Miguel de Torres Vedras e o Paulo de Lisboa. Pela primeira vez em muitos anos íamos usar um sistema de dormida fixa durante o passeio.


Da casa do Paulo no Alcaide podemos explorar por um dia Espanha. A ideia é ir até à Serra da Gata, Las Hurdes, num percurso encolhido face ao que tínhamos previsto fazer em 2019, em que por ali andaríamos durante três dias.




Mas também podemos explorar a ligação Açor-Estrela, numa volta deliciosa de pouco mais de duzentos quilómetros, desenhada pelo marcador fluorescente do Paulo no mapa Michelin em papel.


No terceiro dia tínhamos previsto ir até ao Douro Internacional. Algumas pontas soltas de expedições anteriores, como um Lés a Lés de 2008 com passagem pelo Penedo Durão.
Planos para serem interpretados "cum grano salis" pois já nenhum de nós tem paciência para saídas demasiado madrugadoras, nem para jornadas de dois dígitos horários em cima da sela dos cavalos.


Este ano até havia a novidade do "Orux". Esta cedência às novas tecnologias foi impulsionada pelo Rui, que traiu os road books e os mapas em papel em nome da preguiça. Barafustámos, injuriámos, mas até gostámos de usar.


Depois de agrupados e em face das previsões da meteorologia que alertavam para calor extremo, decidimos rapidamente que o primeiro dia estaria reservado para Espanha. Não só estaríamos mais frescos no início do que no fim de vários dias na estrada, como esta era a etapa mais longa, com cerca de quatrocentos quilómetros. Se ficasse para o fim provavelmente iria faltar-nos vontade. Ou coragem.






A caminho de Las Hurdes, o sol queima. O que me impede de derreter são as paragens frequentes em fontes e rios. Não desperdiço oportunidades para encharcar o casaco, a gola, as luvas. Às vezes também os pés. O fresco dura um punhado de minutos, mas é suficiente para arejar a capacidade de raciocínio e prestar atenção à estrada com a lucidez que o risco exige. A subir aos 1240 metros de El Portillo ficámos estupefactos com a capacidade de três ciclistas que pareciam subir as rampas - eles sim - de Vespa! Com mais de quarenta graus de temperatura. Como diria o maior ciclista português de todos os tempos, Joaquim Agostinho, não é certamente a comer bife grelhado que se sobe com aquele ritmo.


Foi também o dia em que vários test rides foram feitos à Vespa do Miguel. Depois de dois sustos nas semanas anteriores, mudou de jantes e pneus mas a confiança mantinha-se em níveis baixos. Eu e o Rui experimentámos e o diagnóstico parecia semelhante: frente demasiado alta e nervosa, talvez algo de errado com os sinoblocos atrás. Mas a scooter parecia direita. Viajámos um pouco condicionados pelo ritmo lento do Miguel, mas com o calor instalado não havia grande apetite por acelerar. Este foi o dia em que mais explorámos novidades, por ser terreno não pisado, na sua vasta maioria.










O segundo dia foi ainda melhor. Apesar de não ser uma novidade total, boa parte do percurso tinha atractivos suficientes para proporcionar momentos de muita beleza, havendo espaço para algumas surpresas.


Algumas caricatas, como o almoço não programado numa inesperada piscina num planalto algures perto do Colmeal. Ou uma estrada cortada por pedras perto do Paúl. Ou ainda um encontro com bombeiros no rescaldo de um incêndio, em que ninguém nos perguntou o que raio andávamos ali a fazer com três jerricans cheios de gasolina amarrados às Vespa.






Outras de pura beleza. Aldeias isoladas e guardadas em xisto em que a vida se resume ao rio e à subsistência de meia dúzia de habitantes perdidos no tempo. O fresco do verde dos vales reflectido nas águas límpidas do Ceira e dos seus pequenos afluentes. As transições e as vistas imperiais da Estrela ao longe. Nunca cansam.










O terceiro dia foi mais curto e ainda mais quente. Teríamos que rumar a norte para dar alavanca à fisga que iria lançar o Rui de regresso ao Porto mais cedo. Separámo-nos em Celorico da Beira e iniciámos o regresso para sul. Mas antes ainda descobrimos bosques e estradas em que mal cabe um tractor, entrecortadas pela passagem pelo coração das pequenas povoações beirãs onde ainda é possível encontrar bombas de gasolina mecânicas em 2020! Perguntei porquê e a explicação foi curiosa: "é uma zona de muitas trovoadas, ainda há pouco tempo aquela casa ali levou com um raio!"


No capítulo mecânico nada a assinalar nas velhas Vespa. Apenas uma troca de pneus programada na Luiza no fim do segundo dia. A X8 deu mais trabalho. No Açor fritou o travão traseiro por sobreaquecimento, e o variador também começou a acusar algum cansaço atenta a exigência da serra. No regresso à capital foi um furo na Golegã que nos atrasou. Já está na revisao para repor a forma ao cuidado da Oldscooter.






O que é que Las Hurdes, a Estrela e o Açor têm em comum ? Sao serras. Que permitem descer de motor desligado. Que têm cumeadas altas que desenham o perfil do horizonte. Quando as alcançamos estamos mais perto das nuvens. Ou do céu. Sem intermediários.