terça-feira, 11 de maio de 2021

Três Scooters e Um Filme

 



Três. É um número. Porque razão é tão diferente ter três em vez de quatro scooters? 

Quando comprei a Honda Integra, sempre soube que teria que reduzir a três, vendendo a própria Honda ou a X8. 

Mas porquê? Porque não descer de duas para uma? Ou de três para duas? Qualquer delas mais racional, por ordem decrescente, do que reduzir de quatro para três. 

Talvez porque três é mais uma do que as duas especiais. E permite-me usar uma sem grandes limitações ou preocupações. O que chega. Se fossem três especiais talvez o número ideal fossem quatro scooters. 

Mas não há nenhuma razão universal para ser assim. Para muitos, uma scooter seria sempre uma scooter a mais. 

Para alguns dos amigos que compreendem esta adição, três é até um número relativamente modesto. Há quem tenha duas, três, quatro... mais de dez scooters. E se lhes perguntarmos se são coleccionadores a resposta é invariavelmente não. Há um certo horror ao termo coleccionador. Ou talvez seja um estigma. Um rótulo pejorativo que significa que (quase) não rolas na tua scooter. Que talvez quisesses secretamente ter um museu de scooters, sacrilégio último e letal. 

Curioso é que me parece que existe um espírito de coleccionador maior entre os proprietários  Lambretta, do que entre os proprietários Vespa. Nunca percebi bem porquê, mas basta atentar num encontro Lambretta ou num encontro Vespa. Nos encontros da casa de Milão, muitos chegam de atrelado, sendo excepção os que aparecem a rolar. Nos encontros das máquinas de Pontedera é exactamente o inverso.

Eu não sou um exemplo raro e muito menos único no facto de ter simultaneamente uma Lambretta e uma Vespa. Muitos amigos e conhecidos têm ambas. Mas a minha abordagem a este fenómeno é um pouco diferente. Sempre quis ter scooters que andassem, isto é, aptas a sair desde que estivesse disposto a dar uma volta, sendo necessário apenas rodar a chave. Esse critério é definido simultaneamente por convicção e por oportunidade. 

Convicção porque não sendo mecânico amador, nem tendo espaço, tempo ou ferramentas, não me serve de muito ter um projecto a ocupar espaço físico. E também mental. 

Oportunidade porque verdadeiramente nunca procurei um projecto, nem nunca me deparei com um "barn find" suficientemente aliciante.  Quando e se isso acontecer logo se vê se a convicção resiste à oportunidade.




Curiosamente, o facto de querer ter sempre as scooters operacionais não quer necessariamente dizer que queira andar nelas sistematicamente até que me doa a espinha. 

Pelo contrário. 

Apesar de ter a minha dose de viagens improváveis e longas com scooters lentas, a verdade é que comprei uma Vespa nova em 2010 com a intenção de envelhecer com ela e - estranho - usá-la muito pouco. Exactamente o mesmo tipo de abordagem que um coleccionador adoptaria. Só não compraria novo. 

E quanto à Lambretta? Adoro andar nela, mas tivesse eu espaço e oportunidade e talvez estivesse exposta na minha sala de jantar, nem sequer na garagem ficaria.

Isso faz de mim um coleccionador? 

E se não faz, por que razão é que esta relação com estas duas scooters é assim? Preservar até ou mesmo para lá do razoável, usando muito pouco, mas não deixando de usar? 

Eu diria que não deixo de usar em primeiro lugar por uma questão pragmática, porque tenho a noção de que se estragam mais paradas, como qualquer veículo a motor. 

Em segundo lugar porque sendo tão diferentes entre si, ambas me proporcionam sensações e ligações emocionais que me conectam à minha história, ao meu filme. Ao que é ou foi importante para mim, às razões pelas quais as comprei. Porque me fazem sentir cada ocasião em que as uso como especial. Ou simplesmente porque me demoro a olhar para cada uma delas com uma certa ternura algo embaraçosa de explicar. 

Não é tanto o que elas são ou fazem enquanto scooters, mas a percepção que eu tenho do que elas fazem e, sobretudo, como fazem. Isso é o que me faz não abdicar de (me) ligar (a) cada uma delas, e de querer, simultaneamente, preservar o seu estado de uma forma intransigente.

Porque, no fundo, o filme delas se entrelaça no meu filme emocional.