domingo, 21 de abril de 2019

Até Choras... Para Fotografar a Lambretta





Há oito dias estive, pela primeira vez, umas três horas a sós com a Lambretta. Não saí de Lisboa mas andei a deambular pela cidade, sem nenhum trajecto previamente definido. Levei comigo a Fuji e sempre que me apetecia parar para fotografar, não me fazia rogado. Quando viajo assim, a solo, é certo que vou parar bastante. De tal modo que estou quase a graduar-me na peculiar patada do kick Lambretta.


Depois da excitação de ter ido buscar a Lambretta num destes sábados, em que pouco andei nela, pois passei mais tempo a mostrá-la do que a acelerá-la, soube-me bem aproveitar umas horas para as primeiras conversas. Não com os amigos, mas com a italiana.

Ando com um sorriso tão estupidamente rasgado que achei melhor usar um capacete jet com a Lambretta, assim posso mostrá-lo sem pudor.  

É curioso porque me parece que tenho estado tão nas nuvens com a Lambretta, que o que eu disser agora corre o risco de estar fortemente turvado por um julgamento que é tudo menos isento. 

De todo o modo, percebe-se que dá imenso gozo andar na cidade devagar, sem pressas, a subir e a descer a óptima caixa (muito melhor do que numa Vespa clássica) e a explorar as vantagens de um funcionamento do motor anormalmente suave para uma dois tempos. Este temperamento é ditado, por um lado, por um motor com uma configuração pouco agressiva, que não incita a hooliganismos. E, por outro, pelo Varitronic, ignição variável que tem um preço que nos faz dizer palavrões de espanto, mas que cada vez mais me convenço que justifica cada euro investido.

Claro que o travão da frente é igual ao de qualquer Lambretta. Ou seja, tem a mesma eficácia de um travão de bicicleta de aluguer. Mas com muito mais peso em cima, e só com a ajuda tímida das molas progressivas, o que não aconselha grandes malabarismos. Se queremos manter-nos vivos é mesmo melhor refrear o ímpeto e confiar com reservas no muito mais contundente travão traseiro. Não esperem travagens de nível contemporâneo. Em 1966 travar e rezar deviam ser sinónimos. 

Um aspecto em que a scooter é muito melhor do que à época é na solidez e filtragem da vibração. Sente-se muito mais robusta no mau piso do que seria expectável. Suspeito que a culpa é dos sinoblocos novos e modernos, muito melhores do que os originais. Não me lembro de uma Lambretta com este nível de absorção de vibração.

Por seu lado, o lindíssimo banco da Casa Lambretta é também o melhor que alguma vez experimentei numa Lambretta. Mas, ainda assim, insuficiente para as minhas necessidades ósseas. No final da volta já me doíam as costas, e seguramente que o tempo total em cima do banco não deve ter ultrapassado uma hora e meia. É justo dizer que também não estava à espera que fosse confortável.

A regressar à garagem ainda apanhei um aguaceiro, e a primeira pequena viagem a dar o corpo aos pingos. Sem o ecrã da X8, nem capacete integral, pareceu-me um dilúvio. 

Na verdade, nas duas LML apanhei chuvadas épicas com igual grau de (des)proteção. Mas hoje, já tenho que fazer um esforço para me lembrar bem delas. 

Tudo é amplificado quando estamos na Lambretta.

Até as fotografias parecem melhores.






domingo, 7 de abril de 2019

Sogni D´Oro - Lambretta Li 150 Golden Special 1966





 Finalmente aconteceu. Comprei uma Lambretta!

Quem me conhece sabe que eu sou capaz de resistir durante bastante tempo a algumas tentações. Especialmente se estivermos a falar de aspirações bem sedimentadas na minha cabeça. O caso da Lambretta é um exemplo relativamente recente, com menos de dez anos, em especial se comparado com o desejo (ou obsessão?) de ter um Honda S800, que tem mais de trinta e cinco(!). E ainda não se concretizou. Bem, talvez nunca aconteça. 

Na minha cabeça, e ao contrário do que talvez seja mais comum em petrolheads, se a máquina certa não aparecer, prefiro não ter.

Não há, obviamente, nada de errado na ideia de comprar um exemplar esteja em que estado estiver para satisfazer esse desejo, até porque para muitos dos que gostam de clássicos, o gozo está até mais na jornada, no caminho para chegar ao resultado pretendido, muitas vezes depois de muitos altos e baixos na prova de endurance que é qualquer restauro, feito fora ou dentro de portas.

Sucede que eu não tenho tempo, disponibilidade, conhecimento, logística, e muito menos jeito ou especial feitio para restauros. Por estas razões, comprar um clássico em mau estado, um projecto ou um "restauro" faz-de-conta, não é para mim.

Antes de ser a concretização de um sonho, ou de um desejo, seria uma desgraça em potência.

A probabilidade de ser geradora de frustração, de se eternizar o processo, ou até de desistir a meio do projecto, seria alta.

E um clássico é suposto ser uma experiência, antes de mais, para usufruir, para gozar os bons momentos. Um restauro, por mais perfeito, mais rápido e mais económico que ficasse - três condições, aliás, basicamente incompatíveis entre si - , iria retirar-me o entusiasmo, adicionar essa frustração, e pôr à prova uma opção que eu sei não ser a certa para mim neste momento.    






Razões pelas quais esta Lambretta, há cerca de quatro anos no meu radar, estava destinada a ser minha, se o Rui alguma vez a quisesse vender.

Porque tinha tudo o que eu queria numa Lambretta.

Um modelo que às vezes me emociona só de olhar, uma Li série 3 Golden Special, relativamente rara, com a cor (própria da série) que assenta melhor a uma Li S3, e que as fotografias não conseguem, de todo, reproduzir.

Um restauro feito pelos melhores profissionais, a pedido de um proprietário que é um conhecedor profundo de Lambrettas, dono de várias (quantas?), e que tem uma obsessão pelo detalhe muito parecida com a minha.

Um restauro que, ao contrário de muitos, é feito de dentro para fora. E com todo o melhor material disponível à data. Se é para fazer, que seja feito assim. 

E por fim, mas não menos importante, a confiança no Rui.

Foi por este conjunto de razões que a decisão foi tomada em meia dúzia de horas, depois de alguns telefonemas. Senti-me estranhamente sereno e seguro ao fazê-lo.






No sábado fui buscá-la, depois de ter acertado o negócio mais de uma semana antes. Posso assegurar que há poucas sensações comparáveis a ir buscar uma Lambretta com um restauro com tanta qualidade, que quase parecia que estava dentro da cápsula do tempo, em Março de 1966, quando saiu do stand.

Julgo que a minha alegria de criança foi indisfarçavel. E foi tão gratificante ver família e amigos genuinamente felizes com essa alegria. Muitos com um brilho nos olhos.

Não tem preço.


Deve ser assim que nos sentimos quando concretizamos um sonho de ouro.