Entre vinhedos, parei. Era dali que tinha imaginado uma perspectiva diferente sobre a estação. Uns minutos antes tinha estado no apeadeiro, onde constatei que o relógio Paul Garnier desapareceu, como as pessoas que aqui vinham. O celeiro também. Restaram as tábuas, ordeiramente empilhadas junto à rede, como se para ali se deslocassem por acção misteriosa dos ventos. Já estive nesta estação dezenas de vezes, jamais me cruzei aqui com alguém. Ainda recentemente aqui estive, e ainda não tinha percebido que ali em cima, a uma cota um pouco mais alta na colina, entre as vinhas, corria uma estrada de alcatrão, estreita, entre postes eléctricos de madeira, dispostos em ângulos muito diferentes do ideal. Senti-me impelido a descobrir-lhe o ponto de entrada. Queria ver como seria a estação a partir dali. Quando, minutos depois, parei entre os vinhedos, estranhamente não fotografei. O amarelo torrado fundia-se com madeixas alaranjadas no apeadeiro. A luz do fim de tarde de inverno abatia-se numa linha sobre o telhado do edifício ainda digno. Senti uma absoluta desnecessidade de fotografar. E agradeci o deslumbramento das coisas simples. Esperei apenas que a sombra engolisse a estação. O cenário era perfeito, a metáfora da linha ferroviária como a linha do tempo, lá em baixo, entre vales, a correr da esquerda para a direita, e o apeadeiro quase ao centro, a representar o presente. À esquerda, o passado. À direita, o futuro, o que me falta viver. Não se fotografa o futuro. Todos sabemos que a câmara mente. O tempo todo.
4 comentários:
Fiquei encantado com este "post".
Obrigado pela partilha deste "momento zen". :)
É bom poder apreciar estes teus textos e, não descurando as duas fotos do post, aqui foi com as palavras que nos mostraste o "retrato" mais verdadeiro que essa paisagem te inspirou. E foi quase como se lá estivesse :)
Um abraço,
Julio
Este tipo é mesmo bom a escrever, o que se há-de fazer?
Excelente! Obrigado amigo!
Invejo estes teus passeios. Hei-de tentar copiá-los.
Júlio e Hugo,
Talvez a amizade vos tolde o discernimento. Mas mentiria se dissesse que as vossas palavras não me soaram bem.
Obrigado.
Abraços,
Vasco
É inevitável a repetição... Mais um excelente post!
Bem sei que já lá vão uns meses... Mas ando a recuperar o tempo perdido.
Vou continuar a desbravar o Blog... Que delícia!
Um abraço, Vasco!
Filipe
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