quinta-feira, 31 de outubro de 2013

Engomador de Rugas





A primeira palavra que disse em silêncio quando vi esta imagem foi o substantivo chão. O que é estranho, porque esta Vespa espanhola dos Correos  está pendurada na vertical como um bacalhau a secar.

A verdade é que podia ter dito compressão, aço, reciclagem, lixo, crime, Vespa, emagrecimento, privatização (!), castigo, arte, morte, vida. Quando uma imagem interpela e abre tantos caminhos que podem ecoar de formas tão diferentes no espírito de quem a observa, cumpre-se um papel. Podemos rejeitar ou absorver a imagem. Mas não nego que me senti interpelado por ela numa ambivalência difusa. Como que bifurcado pelos vários significados possíveis e entretido a descobrir-lhe novos sentidos.

Com o espírito do observador a tomar direcções em ricochete, o estímulo perante a peça é inegável. Em casos como este, decidir catalogar coerentemente  o objecto da imagem, ou até optar por adoptá-la ou rejeitá-la é, pelo menos para mim, o que menos importa.

O que me atrai é mesmo o jogo das palavras, conceitos e significados que interagem com a peça, que se lhe colam. Suspeito que esse será também um dos papéis da arte. Mesmo que o objecto se resuma ao simples engomar de uma Vespa.


(imagem da exposição do projecto Trashformaciones, autor desconhecido)

2 comentários:

Leonardo Dueñas disse...

Sempre filosofando com elegância, extraindo da Vespa sumo mais sofisticado do que eu poderia imaginar... Grato!

Abraço,
Leo Dueñas

Rui Tavares disse...

Passar a ferro foi a minha primeira ideia...