No número de Dezembro de 2012, a Motor Clássico deu à estampa mais um artigo do seu colaborador Hugo Reis, que vem escrevendo os textos mais refrescantes e bem humorados de toda a imprensa motorizada portuguesa.
Imagino que seja difícil fazer bem uma revista de automóveis ou motos clássicos. Especialmente com limitação de recursos. Tradicionalmente escreve-se sobre algo que já foi objecto de análise sob centenas de pontos de vista, já tudo foi dito ou escrito. Novas abordagens a temas batidos são raras. É aqui que entra uma rubrica de humor inteligente, fantasioso, por vezes envolto em lendas e mitos, e susceptível de gerar desassossego e saudável desconforto. O leitor é atiçado por um olhar corrosivo e crítico habitualmente arredado da imprensa destas latitudes.
Sou leitor da revista desde o início e considero-a a melhor do espectro nacional nesta área, embora se reconheça que liderar esse mini-ranking interno não seja propriamente difícil. Actualmente, quando pego na revista no escaparate, é à procura do artigo mensal do Hugo que parto.
Sou leitor da revista desde o início e considero-a a melhor do espectro nacional nesta área, embora se reconheça que liderar esse mini-ranking interno não seja propriamente difícil. Actualmente, quando pego na revista no escaparate, é à procura do artigo mensal do Hugo que parto.
Os textos identificam cinco propostas que encaixam num tema, que pode ir dos "garanhões de corrida" aos "carros para vaidosos", passando pelas "grandes pechinchas". Desta vez, o assunto visava as "motos para principiantes", na perspectiva sempre sarcástica do autor.
Uma das cinco escolhas foi precisamente a Honda CN Helix. Nas restantes consta ainda uma outra scooter, justamente a Heinkel Tourist. Com a devida autorização do Hugo, e porque continuo à espera que ele me envie um guest post prometido há anos, aqui fica o texto publicado, não podendo deixar de conceder-se inteira razão à legenda na fotografia principal da Helix: "É uma moto tão feia que só existe uma solução: sente-se no sofá de olhos fechados."
Clássicas para Principiantes
Sempre fantasiou com a ideia de ter uma moto mas o sonho ficou por concretizar? Já não tem idade para “superbikes” ou quer iniciar-se com calma? Selecionámos cinco clássicas perfeitas para si.
Pode não parecer, mas este artigo é dedicado principalmente a automobilistas. A todos os que sempre acalentaram o sonho de um dia embarcar em pequenas aventuras em duas rodas mas nunca se atreveram ou não passaram das primeiras experiências com a motorizada da adolescência. Nos modelos que aqui apresentamos poderá aprender ou recordar os princípios essenciais da condução de uma moto sem correr demasiados riscos e sem se sentir tentado a fazer mais do que sabe.
Se aprecia carros desportivos reconhece seguramente a veracidade da máxima “mais é menos”. Menos rodas significam muitas vezes mais prazer, mais agilidade e sobretudo mais emoção. É verdade que a componente do desequilíbrio acarreta alguns riscos e exige um nível de destreza física que não é essencial num carro mas, por outro lado, uma moto oferece sensações fortes sem ser necessário rodar nos limites ou sequer a velocidades elevadas. Isso aplica-se tanto à condução em estrada como fora dela. Quase todos demos os “primeiros passos” de motociclista num qualquer modelo de 50cc. Serviram de “escola” motos como a indestrutível SIS Sachs V5, a popular Casal Boss, a Vespa 50 S, a Yamaha RZ50 ou a ubíqua e sempiterna DT50 LC. Em nome da nostalgia, podíamos aconselhar modelos desse género mas acontece que você já não é um miúdo, depois, esperamos que faça viagens mais longas do que até ao liceu ou praia mais próxima e por último há que admitir que as montadas de 50cc têm muito pouco de moto: ciclísticas fracas, travões medíocres e potências que não permitem sequer uma ultrapassagem segura. Além disso, não esqueçamos que agora vigora uma lei que durante muito tempo se tornou um obstáculo ao usufruto de uma moto e que permite que qualquer pessoa com carta de ligeiro possa guiar uma 125.
Conselhos a ter conta antes de conhecer cada uma das sugestões e, eventualmente, fazer qualquer compra:
1- Nunca assuma que vai fazer poucos quilómetros. Andar de moto é viciante.
2 - Não procure escolher uma moto a pensar na habilidade de transportar um passageiro. O mais certo é não conseguir convencer mulher ou filhos a participar nas suas aventuras e assim que começar a andar de moto não vão faltar amigos a querer segui-lo noutras motos.
3 – Não pense demasiado pois a próxima moto que comprar dificilmente será a sua última.
Honda CN 250 (Helix) 1985-2001
Porquê este modelo?
As scooter atingiram uma maior popularidade entre os principiantes a partir do momento em que se tornaram automáticas. Pode parecer aborrecido não ter de engrenar velocidades mas, na realidade, isso permite-nos imensas vantagens: mais atenção à estrada, mais tempo para apreciar paisagens, mais agilidade na cidade, melhor perceção do comportamento da moto e mais conforto. Claro que muitas destas vantagens só são importantes no uso citadino e, no seu caso, a ideia talvez seja apenas o lazer. “Então porquê sugerir uma scooter neo-clássica?”, pergunta o leitor enquanto contém as náuseas motivadas pelas fotos desta página. Porque esta foi a primeira scooter a ser pensada para uma utilização para lá das fronteiras urbanas, inaugurando o conceito hoje tão popular de “maxi-scooter”. Se sempre invejou aqueles viajantes confortavelmente montados em grandes Goldwing, Pan-European ou BMW LT e quer viver essas sensações sem os custos ou a habilidade normalmente exigidas, esta scooter de aspeto vagamente aberrante pode revelar-se o segredo mais bem guardado desde o dossier Freeport. Paralelamente é um veículo óptimo para o quotidiano de uma grande cidade, ainda que a sua posição de condução “refastelada” e o comprimento exagerado possam dificultar certas manobras. Hoje a CN é um curioso objeto de design “retro-futurista”, com o seu estilo TGV sublinhado pelo painel de instrumentos digital bem completo, que inclui mesmo um avisador de intervalos de revisão!
O que procurar?
Quando em bom estado, a experiência de condução da CN (também conhecida como Helix noutros mercados) é gratificante. A direção não é muito direta, em parte devido à longa distância entre eixos, mas o baixo centro de gravidade permite velocidades em curva consideráveis com inclinações surpreendentes. Mas para isso, é fundamental que os pneus de pequeno diâmetro estejam em boas condições (pelos padrões atuais). É normal sentir uma potência de travagem reduzida, quer no disco dianteiro, quer no tambor traseiro acionado por pedal, como numa Vespa... É importante procurar uma moto que tenha os componentes plásticos em boas condições, especialmente as partes menos brilhantes e o painel de instrumentos. Para as partes mecânicas é fácil, ainda que nem sempre barato, adquirir peças de substituição. O monocilíndrico a 4T não é um portento, mas esse talvez seja o segredo da sua longevidade, já que parece relaxado mesmo à velocidade de ponta, perto dos 120km/h.
Para que serve?
Este carácter sereno faz da CN250 uma scooter ideal para aventuras despreocupadas e pouco cansativas. O aspeto utilitário não é de menosprezar, já que o vasto porta-luvas, a considerável bagageira e os baixos consumos, convidam a deixar o carro para segundo plano.
Serve também para obrigar os miúdos a comer a sopa.
Se fosse um carro
Seria talvez uma espécie de Renault Avantime, mas mais pertinente.
Alternativa
Na verdade a CN não tinha concorrentes à altura senão no fim da sua carreira. Menos exclusiva, mais moderna mas igualmente confortável e polivalente, a Yamaha Majesty de 97 surgiu no último fôlego da Honda, com um preço semelhante e atributos equivalentes.
Uma para comprar já
Se tivesse onde a guardar, não revelava onde esta está. Por €1500 esta CN está a um preço um pouco acima da média, mas o seu estado não tem paralelo com nenhuma outra. A cor é também invulgar para o nosso país. Pronto… está no OLX!
Motor: Monocilindrico 4T; 234cc; Arrefecido a água; Carburador Keihin 20mm; 18cv às 7000 rpm; Transmissão: correia; Automática por variador de fase e embraiagem centrífuga; Travões: à frente, de disco; atrás, de tambor Chassis: tubular em aço; Arranque elétrico; Peso: 178 kg; Velocidade Máxima: 130km/h
Utilização : 4
Manutenção: 4
Fiabilidade: 5
Valorização: 2 "
2 comentários:
Amigo,
Embora considerando que a tua opinião possa estar "contaminada" pela amizade, estas palavras são muito boas de ler. Espero que todos consigam interpretar assim tão bem a intenção destes artigos. O mérito também é da direcção da revista que tem a abertura para incluir este tipo de conteúdo, aceitando alegremente os “efeitos colaterais”. É que sendo certo que estes textos têm adeptos, não é menos verdade que geram antipatias definitivas de alguns leitores.
Quanto ao artigo em causa, a Helix já merecia uma menção na imprensa enquanto “clássico”. Claro que com isto o teu exemplar vai valorizar bastante, mas eu não cobro comissão. É “pro bono”. :D Ou melhor, é apenas uma forma de amenizar o meu sentimento de culpa por estar alguns anos atrasado com esse “guest post”. ;)
Grande abraço!
Hugo,
Faltou-me uma palavra de apreço para a direcção da revista que, como bem dizes, vem aceitando os efeitos colaterais que alguns leitores com corações mais sensíveis vão acusando.
De um leitor conhecedor e muito ligado aos automóveis ingleses, já ouvi dizer que os únicos carros que não criticas são os Mercedes ! Não pude deixar de me rir por dentro. :-)
Quanto à valorização da Helix e ao teu regime de assessoria, tenho andado com uns alarmantes apetites vendedores, talvez ainda teste o teu poder persuasivo junto do mercado.
Relativamente ao regime pro bono, desce à capital que tens um almoço garantido. :-)
Grande abraço,
Vasco
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