Comecemos por uma declaração de interesses: a Lambretta SX 200 é uma scooter que me hipnotiza. Desde o ano passado, quando para ela olhei pela primeira vez com a atenção que merece. Até já dei por mim a imaginar-me na Itália dos anos 60, a espremer aquela inesgotável terceira velocidade, entre os carvalhos, na bela estrada de serra que liga Bologna a Firenze…
Imagino-a frenética, com apetite pela rotação, orgânica, vibrante. E branca com estofo vermelho. Tal como este exemplar que o incansável Paulo Salgado colocou, com fé, nas minhas mãos, trazendo-a de propósito de Guimarães para o Tamanco – obrigado, Paulo!
Em Janeiro de 1966, quando a SX 200 viu a luz do dia, não havia no catálogo da rival Vespa um modelo directamente concorrente no degrau das duas centenas de centímetros cúbicos. Sim, podia comprar-se uma rápida 180SS (´64-´68), mas ainda estávamos longe da mais completa Rally 200 (´72-´79).
Como todas as Lambrettas tardias, é muito mais do que uma Vespa fininha. Esta Special X 200 (também existiu uma versão 150) era o topo da gama Innocenti, com sensíveis e contínuas melhorias mecânicas face à experiência anterior com as TV e Li, mesmo durante a sua curta produção de três anos. É uma scooter com muita atenção nos detalhes. Embora conjugue com harmonia a simplicidade e a sofisticação, não deixa de ostentar com vaidade alguns pormenores exclusivos e arrebatadores que ajudam a vincar-lhe a personalidade. De entre eles, salta à vista a grande seta estilizada no balon lateral, um prenúncio da sensação de movimento para que nos transporta quando para ela olhamos de perfil. Se seguirmos a scooter com o olhar, do início do banco até ao farolim traseiro, respiramos velocidade! E ainda está parada à minha espera…
Exortado a sentar-me no duríssimo banco rubro, convenço-me a parar de a contemplar estática. Como boa clássica que é, estranhou logo a minha ausência de intimidade ao rodar o motor com o kick starter. Balon fora. Um rápido acerto de carburação pelas mãos certas e o dois tempos ganha vida num som estridente que arrepia. A vibração que o bicho transmite em cima do frágil descanso é um aviso que levo a sério.
Contava com uma embraiagem dura e difícil, mas encontrei o inverso. O arranque é surpreendentemente suave, se assim quisermos que seja. A selecção das relações de caixa no punho esquerdo também resulta fácil e fluida, muito mais do que, por exemplo, na Heinkel Tourist 103A1. Apesar disso, a SX não foi feita para ser guiada a 30 quilómetros/hora. Não que o motor se sinta anémico, embora também não seja redondo. Mas se o levarmos assim por algum tempo irá mostrar-se irascível, com soluços e solavancos que prometem sufocá-lo se não lhe enchermos o Dell´Orto com néctar.
Assim que a estrada se me depara livre experimento pegar algum fogo à peça, explorando outros territórios sensoriais. Estico a segunda e o empurrão obriga-me a agarrar com decisão os dois punhos. Clank, terceira. O som do dois tempos é inebriante, a agulha do velocímetro italiano salta, em esticões alucinados, entre os 60 e os 110kms/h, a scooter vibra como uma cana de pesca com isco mordido. A terceira é longa… Ainda vou em terceira. Ainda está a subir regime, mas começo a temer pelo grupo térmico e clank!, quarta! Ainda não vejo o fim da longa recta, o motor grita-me ao ouvido e ainda está a reclamar mais ar, mais gasolina, mais velocidade. Nesta altura juro que me enganei a ler a ficha técnica, não pode ter só 11cv às 6200rpm. Entretanto vem-me ao espírito que a SX tem travões de tambor. Como serão eles a esta velocidade ? Pois, são bastante macios, em total contraste com a agressividade do motor. Na realidade, são abrandadores. Confesso que também não me adaptei convenientemente ao travão traseiro, demasiado à esquerda na plataforma e “fora de pé”. Felizmente que a caixa é intuitiva no trato e o travão-motor uma delícia, bem ao meu gosto, livre de inércia. O amortecimento é também muito brando à frente e apenas regular atrás, embora se possa considerar suficiente se atendermos ao contexto histórico. Em curva não perde a compostura, desde que não seja necessário o recurso ao travão frontal. Os pneus contemporâneos montados nesta SX ajudam – e muito - a disfarçar as naturais insuficiências neste capítulo.
Em suma, é uma scooter pouco comum, belíssima, de forte temperamento e de divertimento garantido na estrada, um valor seguro. Apesar disso (ou talvez por isso…) é muitíssimo provável que nenhum dos 20.783 exemplares construídos da Special X 200 venha a figurar na minha garagem, probabilidade que lamento. A raridade deste modelo e a sua procura no mercado casam com uma cotação alta, e a sua manutenção também é exigente no contexto das scooters clássicas. Estas são características que reputo como suficientes para me manter afastado da corrida. Não, não terei uma. Mas… vibrei numa!
Excelente "posta", como sempre. Uma pequena correcção: o travão dianteiro é de disco. Curiosamente, a SX200 é considerada como sendo o primeiro veículo de duas rodas de produção a montar tal componente, mesmo antes da Honda CB750.
ResponderEliminarGrande texto Vasco!!!
ResponderEliminarQuase que sentia o empurrar do 200 e ouvia o seu estridente e "venenoso" som...
Parabéns! ;)
Foi com muito prazer que te facultei a sx 200,pois quando me pediste para a levar para o camping foi com enorme alegria que disse que sim a tao elustre pedido,adoro ler os teus relátos no teu blog e nao só,estou sempre ao teu dispor,um grande abráço para ti.
ResponderEliminarA SX200 é um diabo disfarçado de menina bonita. Não demora a comprar-nos a alma em troca de meia dúzia de Km's em que o alcatrão fica a fumegar atrás de nós.
ResponderEliminarDispara-nos a adrenalina e o bom senso desaparece. Só apetece tentar descobrir onde acaba a 3ª.
Eu ainda não consegui descobrir.
Belo Relato. Bela experiência. Bela máquina e belas fotos!
ResponderEliminarTOP GEAR para versão 2 rodas by Vasco LOL. Muito bom.
Obrigado a todos pelos comentários:)
ResponderEliminarBob: Tens razão quanto ao disco, agradeço-te a correcção. Aliás, quando vi a ficha técnica achei que devia haver um lapso e não confrontei com outra. É um avanço técnico interessante desta SX e mais difícil de detectar à vista por ser "inboard". Não sendo hidráulico tem uma eficácia muito próxima de um travão de tambor, o que confirmei na prática.
Rui (Motarte):
O motor empurra forte, mas a sensação é claramente amplificada por um conjunto de circunstâncias que fazem da SX um pacote especial: vibração, som, leveza e configuração esguia são só alguns dos ingredientes.
Paulo Salgado:
Fico-te grato por esse modo genuíno como me proporcionaste um dia a passear nesse pedaço de história que é a SX. E espero que tenhas gostado da Helix o suficiente para um dia ainda poderes vir a ter uma…
Rui Tavares:
A sensação de abandono do bom senso também me invadiu sempre que dei liberdade de apetite ao carburador. Ficamos sempre naquele limbo entre o controlo e a euforia. De repente parece que temos 16 anos outra vez… Espantoso se pensarmos que essa sensação nos é proporcionada por uma scooter com 40 anos e pouco mais de uma dezena de cavalos.
Cavok:
Acho graça ao Top Gear, mas na verdade aprecio mais estilos um pouco menos espalhafatosos. As minhas referências nessa área ainda são a “evo” nos contemporâneos e a “Octane” nos clássicos :).
Boa leitura não tem data de validade. Vasco, que texto em quase luxúria com a SX200!
ResponderEliminarInfelizmente as 200 não chegaram ao Brasil, mas houve sim uma versão da SX150 com motor de Li serie 2 e ainda uma com o motor 175cc, provavelmente da TV175 série 2. Aqui ela foi batizada de Cynthia e ficou em produção até 1980 ou uns anos mais. Ainda houve uma versão com a lataria recortada chamada de MS, apelidada pela rapaziada de "Mini Saia".
Abraço,
Leo
http://motonetaseafins.blogspot.com/
Nao tenho a certeza mas penso que a primeira scooter a ser equipada com travão de disco dianteiro foi a tv175 3serie
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